Ao fim da visita, moradores se reuniram no  antigo galpão da usina de cana-de açúcar e aplaudiram o reconhecimento feito pelas autoridades da produtividade das terras
Belchior de Morais lamentou que o pai tenha morrido sem receber o que a usina lhe devia
Dos quatro mil hectares de terra ocupada, 900 são de preservação ambiental. O restante tem 95% da terra transformada em área produtiva
Durante a visita, moradores do quilombo mostraram os frutos colhidos das plantações agroecológicas

Deputados verificam produção de acampamento em Campo do Meio

Autoridades e moradores questionam decisão que determinou reintegração de posse, colocando 450 famílias em risco.

26/11/2018 - 20:52 - Atualizado em 27/11/2018 - 14:48

“Foi com o cabo da enxada embaixo de sol e de chuva que eu e meus filhos plantamos isso tudo aqui, aí vem um juiz e diz que não produzimos nada?” questionou Antônio Cândido Fernandes, morador do acampamento Girassol, um dos 11 que formam o Quilombo Campo Grande.

No município de Campo do Meio (Sul de Minas), o local reúne 450 famílias (cerca de duas mil pessoas) que ocuparam há cerca de 20 anos terras improdutivas de uma antiga usina de cana-de-açúcar, já declarada falida, em uma parte da antiga Fazenda Ariadinópolis, atualmente um complexo de ocupações e assentamentos coordenados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Um mandado de reintegração de posse foi expedido pelo juiz substituto da Vara Agrária Walter Zwiches Esbaille Junior no dia 7 de novembro. Para verificar a situação dos moradores e dos acampamentos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) esteve no local. Moradores e líderes do MST acompanharam os parlamentares e fizeram com eles o caminho que o juiz teria feito durante a vistoria realizada antes de assinar o mandado.

O dirigente nacional do MST em Minas Gerais, Sílvio Neto, contou que os membros do movimento ficaram felizes quando souberam da vistoria judicial, já que eles esperavam que o juiz verificasse o número de famílias, as estruturas de moradia e as amplas áreas produtivas do Quilombo Campo Grande.

Quando o magistrado publicou seu laudo, porém, ele teria reproduzido, segundo Sílvio Neto, os argumentos dos representantes da antiga usina, que dizem que no local estão poucas famílias que não produzem nada.

Parlamentares verificaram as amplas áreas produtivas dos acampamentos

Em um percurso que durou cerca de quatro horas, os parlamentares verificaram amplas plantações de café, milho, amendoim e árvores frutíferas. Os deputados Cristiano Silveira e Rogério Correia, ambos do PT, conversaram com muitos moradores.

Alguns, como Antônio Cândido Fernandes, relataram ter sido funcionários da antiga usina. Nos últimos meses antes da falência, ele e os colegas teriam trabalhado sem salário e, com a falência, eles ficaram sem emprego e não receberam nenhuma indenização.

A demanda por ocupar a terra começou, segundo os moradores, por esses antigos trabalhadores que não receberam seus pagamentos. Belchior Serafim de Morais também viveu essa situação. “Meu pai morreu sem receber o que a usina devia a ele”, lamentou.

Hoje, Antônio e seus filhos são responsáveis por uma área onde estão quase 30 mil pés de café, enquanto Belchior cuida de um viveiro com cerca de 100 mil mudas de café. Ao longo da visita, os moradores mostravam que se tratam de plantações agroecológicas, com outras culturas, em especial de frutas, em meio aos pés de café.

Em outros locais, as frutas tomam conta da paisagem. Vera Macedo mostra com orgulho suas goiabas, acerolas, bananas, amoras e abacates. Ela faz parte do grupo que chegou quando a ocupação já tinha sido iniciada. Há nove anos, veio morar no local com a filha recém-nascida nos braços.

Sílvio de Souza também não chegou no início, mas já está há cinco anos no local. Cria porcos, galinhas e também tem plantações de café. Ele está receoso com a ameaça de despejo: “Se nos mandarem embora, vamos para cidade fazer o quê?”.

Ocupação também resguarda área de proteção ambiental

A área ocupada pelo Quilombo Campo Grande é de cerca de quatro mil hectares. De acordo com Tuíra Tule, coordenadora regional do MST, 900 hectares são área de preservação. O restante, 3.100 hectares, tem 95% da terra transformada em área produtiva.

Segundo ela, são ao todo 1,8 milhão de pés de café, além de milho, feijão, amendoim, abóbora e frutas. São 418 casas de alvenaria, muitas das quais foram visitadas pela Comissão de Direitos Humanos. Algumas já têm ligação de luz feita pela Cemig, outras usam baterias de carro para iluminação.

Tuíra também falou da felicidade dos moradores ao saberem que o juiz iria até o local para verificar essas condições, das quais todos se orgulham, e que os antigos donos da usina negam em seus pedidos judiciais de reintegração de posse.

Segundo ela, porém, apesar do magistrado ter passado seis horas no local e entrevistado cerca de 30 pessoas, ele emitiu um laudo que nega a existência de produção e que diz não haver moradores no local. O juiz fez a vistoria acompanhado, segundo Tuíra, de 13 viaturas policiais.

Um dos entrevistados pelo juiz foi o morador Givanildo Francisco Silva. “Ele chegou aqui, conversou com a gente e depois escreveu o contrário de tudo o que viu”, disse, decepcionado. “A Justiça tem aquele símbolo com os olhos tampados para simbolizar que não tem lado, mas tem sim, é o lado dos empresários”, afirmou.

Usina que funcionava no local já teve falência transitada em julgado

A região pertenceu à Companhia Irmãos Azevedo e Capia, que faliu em 1996. A ocupação começou em 1998 e, segundo Michele Neves, do Centro de Referência de Direitos Humanos, órgão ligado ao governo estadual, já houve 11 despejos na área, mas apenas parciais. É a primeira vez que um mandado determina o despejo de toda a área. Em 2015, a usina teve essa falência transitada em julgado e, no mesmo ano, o governo estadual publicou um decreto que transformava o local em área de interesse social.

Por isso, os moradores já se consideravam mais próximos de conseguirem a propriedade da terra e terem afastadas as ameaças de despejo. Mas o decreto foi declarado nulo pelo Tribunal de Justiça e, em seguida, o juiz da Vara Agrária determinou a reintegração de posse. Os líderes do MST questionam a legalidade do processo.

Tuíra Tule explicou que, com a empresa declarada falida pela Justiça, seus antigos donos não teriam legitimidade para pedir a reintegração, apenas o síndico da massa falida poderia fazer isso. Esse síndico, porém, já abriu mão oficialmente desse pedido de reintegração.

Autoridades dizem que juiz mentiu em laudo

O deputado Cristiano Silveira, presidente da comissão, questionou a velocidade com que o processo de reintegração foi julgado e se mostrou impressionado com a organização e com a alta produtividade das terras ocupadas. “Nenhum pé de café fica daquele tamanho do dia para a noite, não é possível que o juiz não viu isso”, disse.

O deputado Rogério Correia (PT) completou dizendo que os moradores merecem agradecimentos por alimentarem toda a região com comida de qualidade sem nenhum subsídio ou ajuda governamental. Os comerciantes da região já entregaram à ALMG um abaixo-assinado no qual pedem que o MST permaneça na região, já que eles são importantes para abastecer escolas e residências com alimentação saudável.

O deputado federal Adelmo Carneiro Leão (PT- MG) elogiou a organização social e política do grupo. “O juiz está mentindo e isso é inaceitável”, disse. Também o procurador Afonso Henrique, do Ministério Público de Minas Gerais, esteve presente.

O Reverendo Bernardini, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), também acompanhou a visita. “Há uma total incoerência entre a sentença do juiz e essa realidade que estamos vendo. Parece que há por trás alguma intenção de grandes cafeicultores que querem massacrar a vida, a esperança e o esforço dos pobres”, disse.

Reunião - Ao fim da visita, mais de 300 pessoas esperavam as autoridades em um antigo galpão da usina, utilizado anteriormente para armazenar açúcar. Os moradores se reuniram para ouvir o que os visitantes tinham a dizer e aplaudiram o reconhecimento das suas terras produtivas.

Uma das que se manifestaram na reunião foi a deputada estadual eleita Beatriz Cerqueira (PT), que também acompanhou a visita. Sem citar nomes, ela desafiou outros deputados, que têm se posicionado contra os acampamentos, a visitarem o local. “Que eles venham aqui, pisem nesse chão, conversem com todos vocês! Eles não têm coragem! Não vamos deixar que a luta e o trabalho de vocês sejam criminalizados”, disse.