Autoridades criticam liminar de reintegração de posse
MP e Defensoria Pública defenderam revisão da decisão que atinge ocupação com 450 famílias no Sul de Minas.
22/11/2018 - 13:15 - Atualizado em 22/11/2018 - 14:23Representantes do Ministério Público (MP) e da Defensoria Pública defenderam a revisão de decisão liminar que determinou a reintegração de posse e a retirada de 450 famílias da Ocupação Ariadinópolis, em Campo do Meio (Sul de Minas). Eles participaram de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (22/11/18).
Moradores da ocupação lotaram o Espaço Democrático José Aparecido de Oliveira (Edjao) em protesto contra a reintegração de posse autorizada no início de novembro pela Justiça, por meio de uma liminar concedida por um juiz da Vara Agrária, que determinou a desocupação em sete dias. Representantes dos moradores entregaram às autoridades um documento com provas de que as terras são produtivas e afirmaram que não vão sair do local e que irão resistir à ordem de reintegração de posse.
Entenda a situação - O conflito fundiário ocorre desde o final da década de 1990, em virtude da falência da empresa Usina Ariadinópolis Açúcar e Álcool S/A, que não teria ressarcido os trabalhadores demitidos.
Isso teria motivado a ocupação do local pelos trabalhadores, mobilizados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a partir de 2002, embora as primeiras famílias tenham se mudado para a área cinco anos antes, quando as operações da empresa já estavam suspensas.
Segundo informações do MST, a Ocupação Ariadinópolis seria o maior assentamento do Estado. Na última safra foram produzidas, em uma área de 3.600 hectares, cerca de 8,5 mil sacas de café, 55 mil sacas de milho e 500 toneladas de feijão.
Os advogados das famílias, conforme o MST, alegam que com a falência da empresa, os trabalhadores, sem indenização, não tiveram outra alternativa a não ser permanecer no local.
Para autoridades, trabalhadores transformaram terra abandonada
O procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários, Afonso Henrique de Miranda Teixeira, defendeu que o TJMG reverta a decisão.
Segundo ele, o acampamento é um exemplo a ser seguido no Brasil, já que os trabalhadores transformaram uma terra abandonada em produtiva.
Ele questionou o fato de a liminar determinar a desocupação em sete dias como se não houvesse famílias que morassem e produzissem no local há 20 anos.
Segundo Afonso Teixeira, o Ministério Público vai atuar para tentar reverter a decisão.
A defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre apoiou a manifestação do Ministério Púbico e afirmou que a Defensoria Pública também vai lutar pela reversão da ordem de desocupação.
Luta por justiça - Para a defensora, as instituições brasileiras devem zelar pela construção de uma sociedade justa e solidária. “É uma luta por Justiça que pode trazer uma mudança de patamar, fazendo com que o interesse da maior parte da população seja garantido em detrimento de poucos que possuem recursos para manter seus privilégios”, ponderou.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Willian dos Santos, afirmou que os documentos apresentados pelas famílias sobre o seu trabalho e a produtividade das terras serão utilizados para auxiliar na tentativa de revisão da decisão.
Já a desembargadora do TJMG Márcia Milanez afirmou que irá levar à presidência da instituição um relato dos debates.
Estado pretende manter abertas as negociações
O coordenador da Mesa de Diálogo do Estado, Fernando Tadeu David, defendeu a validade do decreto do Executivo que desapropriou as terras e garantiu a posse aos trabalhadores.
Segundo ele, com esse objetivo, o Estado está disposto a manter as negociações entre as partes envolvidas.
Ele se mostrou indignado com as informações de que as familías não estariam produzindo no local.
O vereador de Campo do Meio, Sebastião Mélia Marques, também defendeu o direito das famílias à posse da área e reafirmou a produtividade das terras.
O conselheiro nacional de Direitos Humanos, Carlos Magno Silva Fonseca, afirmou que o conselho já se manifestou publicamente contra a liminar.
Para ele, a decisão é uma violação grave aos direitos humanos.
Apoio da comunidade - Já o representante da coordenação do MST, Sílvio Netto, afirmou que atualmente são quase duas mil pessoas que moram e produzem no local, sendo que a ocupação conta com o apoio da comunidade local. Ele afirmou que mais de 80% dos comerciantes assinaram um abaixo-assinado em defesa da ocupação e classificou como mentirosa a informação presente na liminar de que as famílias não produzem no local.
O coordenador da Comissão da Pastoral da Terra em Minas Gerais, frei Gilvander Luis Moreira; e o coordenador-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro), Jefferson Leandro Silva, também apoiaram a luta das famílias.
Parlamentares divergem sobre a retirada das famílias
Deputados desta legislatura e parlamentares eleitos para a próxima discordaram a respeito da decisão de desocupação das terras.
O autor do requerimento, deputado Rogério Correia (PT), defendeu um acordo entre as instituições para que a liminar seja derrubada, mantendo as famílias na ocupação. Para ele, já se passaram duas décadas do início da ocupação, sendo que as famílias já estão estabelecidas, fizeram construções e produzem no local, não sendo razoável retirá-las agora.
O parlamentar apresentou vários requerimentos, que foram aprovados, entre eles para que a Comissão de Direitos Humanos visite o TJMG e o juiz da Vara da Agrária para debater o assunto, participe de visita à ocupação em conjunto com representantes da Câmara dos Deputados, na próxima segunda-feira (26), e envie notas taquigráfica da audiência pública para o TJMG e outras instituições.
Decisão fundamentada - Já deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB) se posicionou a favor da liminar que determinou a retirada das famílias. Segundo ele, a decisão foi fundamentada, tendo o juiz visitado o local. Para ele, a maior parte da área ocupada não seria produtiva e a escola existente não estaria em funcionamento.
O parlamentar afirmou que não é contra a distribuição de terra para quem quer trabalhar, sendo necessário que o País adote uma política séria para resolver essa questão. Entretanto, ele destacou ser contra as ocupações irregulares e defendeu a posse das terras de forma legal.
O deputado estadual eleito Bruno Engler (PSL) defendeu o direito à posse de terra e condenou que parlamentares pressionem a Justiça por uma mudança na decisão de desocupação, afirmando que a independência dos Poderes e a autonomia do Judiciário devem ser respeitadas. Ele também leu trecho da liminar que relataria a ausência de moradores nas casas construídas na ocupação.
Atuação da comissão é defendida por seu presidente
O presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira (PT), questionou a fala de Bruno Engler de que a Comissão de Direitos Humanos estaria constrangendo ou pressionando o Poder Judiciário. Ele afirmou que a comissão atua na defesa dos direitos e sempre respeitou a decisão dos outros Poderes.
A deputada estadual eleita e presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Minas Gerais, Beatriz Cerqueira (PT), apontou que o papel da Assembleia é abrir suas portas para a população e escutar suas demandas. “A função do Poder Legislativo é de debater e mediar os conflitos existentes na sociedade”, afirmou.
Ela condenou a afirmação de que a audiência teria sido realizada para pressionar o Judiciário e relatou que esteve na ocupação e que encontrou as casas habitadas, a escola em funcionamento e terras produtivas.
A deputada eleita Andreia de Jesus (Psol) também defendeu o direito das famílias à posse das terras. Ela destacou a importância de que as instituições garantam a existência das mesas de negociação, capazes de garantir o debate e o contraditório.