Fundo extraordinário deixa prefeitos com receio de não receber valores devidos pelo Estado
Segundo Marco Antônio, proposta do fundo é resultado da situação de calamidade financeira
Presidente da AMM (à esquerda) defendeu que exista expectativa de crédito para municípios
Governo explica proposta de criação de fundo emergencial para quitar débitos

Criação de fundo extraordinário gera divergência

Governo defende vinculação de receitas para despesas empenhadas, enquanto oposição questiona intenções do Executivo.

22/11/2018 - 16:45

O secretário de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais, Marco Antônio Rezende, apresentou à Comissão de Administração Pública, nesta quinta-feira (22/11/18), os argumentos do Governo de Minas para a criação do Fundo Extraordinário do Estado de Minas Gerais (Femeg). Suas explicações não convenceram, no entanto, deputados de oposição e prefeitos presentes à reunião.

Em suma, o governo acredita que o fundo será um ato de transparência, o reconhecimento de compromissos não cobertos pela atual gestão. Por outro lado, os prefeitos temem que ele vá dificultar a regularização de repasses atrasados, enquanto parlamentares ponderam que sua criação atende apenas a interesses pessoais do governador Fernando Pimentel.

O Projeto de Lei (PL) 5.456/18, que cria o fundo, tramita, em regime de urgência, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Seu objetivo é vincular pagamentos de despesas inscritas em restos a pagar (reconhecidas, mas ainda não pagas), que podem ser relativas aos exercícios financeiros de 2018 e anteriores, a recursos do Femeg, que será composto por receitas extraordinárias.

O secretário Marco Antônio Rezende destacou que a proposta de criação do fundo é resultado da situação de calamidade financeira do Estado e dos constantes questionamentos do Tribunal de Contas quanto aos empenhos não cobertos pelo governo considerados para o cumprimento dos gastos mínimos previstos na Constituição em saúde e educação.

Para o secretário, as rígidas regras previstas na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) precisam ser adequadas à situação de penúria financeira dos estados, na qual governantes, sem receita suficiente para arcar com seus compromissos, não conseguem cumprir todos os requisitos impostos. “O fundo é uma forma de administrar essas despesas não cobertas”, resumiu.

A previsão é que o Femeg seja financiado por meio de créditos do governo já estabelecidos, como os que o Estado possui junto ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e, especialmente, aquele a que o Estado faz jus em decorrência das perdas provocadas pela Lei Kandir.

A norma estabeleceu a desoneração do ICMS da exportação de produtos não-industrializados e a compensação dos estados exportadores pelas perdas de receita. No entanto, essa compensação não foi plenamente regulamentada e não cobriu todas as perdas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a dívida, uma comissão mista do Congresso propôs uma minuta de projeto para a compensação, mas a proposta ainda não está tramitando. De acordo com o governador, os créditos devidos ao Estado são de aproximadamente R$ 135 bilhões.

Como ressaltou Marco Antônio Rezende, o governo considera que é mais adequado transferir os restos a pagar para a nova gestão com a vinculação de receitas que podem equacioná-los.

Ajuste – Parlamentar da base do governo, o deputado André Quintão (PT) defendeu a criação do Femeg. Segundo ele, ao contrário de governos anteriores, que usavam de subterfúgios para empurrar para as próximas gestões os restos a pagar, a atual gestão trata a questão com transparência e sinceridade. “Esse projeto reconhece compromissos e abre portas para uma discussão nacional sobre a inviabilidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal em um contexto de crise”, argumentou.

Oposição questiona previsão de receitas do governo

Líder da Minoria na ALMG, o deputado Gustavo Valadares (PSDB) apresentou uma série de questionamentos à proposta do Executivo. Ele criticou o governo por não haver no projeto qualquer referência ao uso das receitas do fundo para a quitação da dívida do Estado com os municípios, o que, para ele, deveria ser a primeira questão a ser tratada.

Além disso, o deputado elencou outras medidas adotadas pelo governo apontadas como solução para o déficit fiscal e que não resolveram o problema, como a utilização de depósitos judiciais, o aumento da carga tributária, a criação de fundos imobiliários e a securitização da dívida.

Assim como o deputado Bonifácio Mourão (PSDB), ele também salientou que o Estado trabalha com esperanças infundadas quanto às compensações pela Lei Kandir, uma vez que a questão é controversa e que o governo federal não previu nenhum repasse relacionado ao tema no projeto de lei orçamentária para 2019.

Para os dois deputados, o objetivo da criação do Femeg é evitar que o governador seja responsabilizado por descumprir regras da administração pública. “A Lei 10.028, de 2000, prevê prisão de até quatro anos para quem ordenar despesas nos últimos oito meses de mandato sem ter recursos para isso”, afirmou Bonifácio Mourão.

“O governo tem um passivo real e trabalha com um ativo ilusório”, pontuou o deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB), em consonância com a deputada Ione Pinheiro (DEM), sobre as possíveis receitas com a Lei Kandir. Ele inclusive defendeu a norma, que, no seu entender, foi responsável por viabilizar as exportações brasileiras.

O deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) também criticou o governo por “não cumprir nada do que promete”, classificando a administração mineira como irresponsável.

Lei complementar – O deputado Lafayette de Andrada (PRB), apesar de ponderar que a LRF realmente não prevê cenários de crise, apontou que a criação do Femeg deveria se dar por meio de projeto de lei complementar, uma vez que uma lei complementar trata da criação de fundos no Estado e precisaria, no seu entender, ser alterada para permitir a disponibilização de recursos não previstos no Orçamento.

Prefeitos querem garantia de quitação de repasses

Presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), Julvan Lacerda, prefeito de Moema (Centro-Oeste), resumiu a preocupação dos seus pares, que compareceram em peso à audiência. Ele acredita que as dívidas com os municípios, inclusive repasses constitucionais referentes ao ICMS e ao IPVA, podem se perder com a criação do fundo.

Ou elas poderiam ficar atreladas a um fundo sem garantia de recursos ou ficar na fila enquanto outras pendências seriam quitadas com recursos extraordinários. Julvan afirmou que deveria existir uma expectativa de crédito específica para os municípios, uma vinculação formal.

Vice-presidente da AMM, Rui Gomes Ramos, prefeito de Pirajuba (Triângulo Mineiro), reforçou as críticas a Pimentel pelo fato do governo ter retido recursos de impostos que deveriam ir diretamente aos municípios. Assim como seus colegas, ele acredita que essa situação não pode ser justificada pela crise, tendo em vista que o dinheiro do contribuinte é tangível, com a quitação dos tributos.

Consulte o resultado da reunião.