A tradição e o
O queijo do Gir recebeu medalha de bronze na 3ª edição do Mondial Du Fromage, na França
Túlio conta como a falta de conhecimento pode atrapalhar a produção artesanal
Em Minas, menos de 300 queijarias estão autorizadas pelo IMA a comercializar o queijo artesanal e, hoje, apenas sete podem levar o produto legalmente a outros estados brasileiros
Edital da Fapemig tem como objetivo transferir tecnologia para os produtores de queijo artesanal
Agostinho Patrus Filho lembra episódios ligados à criminalização do queijo artesanal mineiro

Sucesso francês é inspiração para queijo artesanal mineiro

Assembleia de Minas atua em várias frentes para que produto seja cada vez mais valorizado e conquiste o mercado mundial.

12/12/2017 - 12:26

A comparação é inevitável. Não bastasse a dimensão territorial semelhante, o queijo de leite cru feito de modo artesanal une Minas Gerais à França. Mas enquanto os queijos franceses são conhecidos e valorizados mundialmente, os queijos artesanais mineiros, embora sejam uma preferência nacional, ainda lutam, em sua maioria, para deixar a clandestinidade, vencer o preconceito das autoridades sanitárias e obter mais investimentos para desenvolver todo seu potencial.

Diminuir o abismo que impede que Minas Gerais se transforme na França dos queijos nas Américas tem sido o desafio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ao longo das duas últimas décadas. Nesse período, os produtores foram mobilizados e, graças às ações desenvolvidas pelo Parlamento mineiro, tiveram suas demandas levadas ao conhecimento das várias instâncias do poder público, conseguindo a aprovação de diversas normas sobre o assunto.

Uma história contada durante o Ciclo de Debates Produtos Especiais dos Campos de Minas reforça que o sucesso dos queijos artesanais franceses deve mesmo servir de inspiração para os produtores desse tesouro cultural e gastronômico do Estado. O evento foi mais um realizado pelo Parlamento mineiro, por meio da Comissão de Agropecuária e Agroindústria, que colocou a valorização do queijo artesanal mineiro como um dos temas em debate.

Dessa vez, o paralelo entre os queijos artesanais mineiros e franceses foi além, tendo como personagem principal uma criatura de nome complicado, invisível a olho nu e erroneamente desvalorizada pelo ser humano. Mesmo assim, serviu para unir a Normandia, região litorânea no Norte da França, que ficou famosa pelos desembarques aliados que precipitaram o final da 2ª Guerra Mundial, e a região do Serro, cidade mineira da Região Central e porta de entrada do Vale do Jequitinhonha, onde nasce o rio de mesmo nome.

Trata-se do Geotrichum candidum, uma espécie de fungo, que mais do que manchar superfícies úmidas tem transformado os queijos artesanais fabricados na região em preciosidades reconhecidas até no exterior. Na França, o Geotrichum candidum dá origem ao mundialmente famoso queijo camembert, uma variação do brie.

Nas montanhas mineiras, esse fungo que apareceu naturalmente fez nascer o queijo Kankrej e o queijo do Gir, respectivamente medalhas de prata e bronze na 3ª edição do Mondial Du Fromage, torneio realizado em junho, na França.

Prêmios - O autor desse feito é Túlio Madureira, mestre queijeiro de apenas 31 anos e presidente da Associação dos Produtores Artesanais do Queijo do Serro (Apaqs), além de presidente da Comissão Técnica do Queijo Minas Artesanal da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg).

Curiosamente, ele conta que o aparecimento de bolores nos queijos que fabricava foi, inicialmente, motivo de preocupação, reflexo da falta de conhecimento que ainda reina entre as cerca de 30 mil famílias que fabricam artesanalmente esse tradicional símbolo da cultura mineira.

Depois de tentar exterminar o fungo de sua queijaria na fazenda Pedra do Queijo, um estudo sobre a levedura, realizado durante um ano por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla), confirmou que o “inimigo” na verdade era o maior aliado de Túlio, agregando valor ao seu produto. “A pesquisa com fungo na minha propriedade foi pioneira e os prêmios abriram muitas portas”, conta.

Trem-ruá - O Geotrichum candidum ocorre de maneira natural na região e integra o terroir do Serro, palavra francesa usada para definir a soma dos efeitos naturais de um ambiente sobre determinado produto. “Esse negócio de terroir (pronuncia-se terroá) é muito complicado. Prefiro chamar, como bom mineiro, de trem-ruá. É tudo natural. É só colocar o queijo branco na prateleira para maturar (envelhecer), que ele aparece”, conta Túlio.

“Maturar é uma questão de agregação sensorial, é uma escolha do produtor”, acrescenta o mestre queijeiro, ao criticar a Portaria 1.305, de 2013, do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), que estabelece tempos mínimos de maturação para cada região do Estado. No Serro, são 17 dias.

O enfoque, segundo o produtor, é justamente o contrário. Túlio explica que o queijo fresco que sai muito cedo das queijarias por todo o interior mineiro, vendido a intermediários por uma fração do seu valor em virtude das dificuldades financeiras de quem produz, não expressa o potencial que tem. “Precisamos dar mais tempo ao queijo para que ele mostre o terroir da sua região. Ainda falta incentivo para que o produtor acredite nisso”, reclama Túlio.

Um universo de sabores ainda por descobrir

Túlio se apoia na matemática, mais especificamente no campo das probabilidades, para que os defensores do queijo artesanal mineiro mirem no exemplo da França. “São cerca de 30 mil produtores em Minas, e cada vez mais são descobertas novidades em torno do processo de maturação. Ainda está por ser descoberto o potencial de muitos dos nossos queijos”, afirma o produtor.

“O francês pode consumir dois tipos de queijo diferente a cada dia do ano, tamanha a variedade do produto por lá. Imagina o que também pode ser feito aqui em termos de desenvolvimento de variedades de um produto que, infelizmente, ainda sai de forma ilegal de Minas Gerais?”, questiona.

São menos de 300 queijarias autorizadas pelo IMA a comercializar o produto no Estado, sendo que apenas sete podem levar o produto legalmente a outros estados. A exportação para fora do Brasil ainda é proibida.

Para competir na França, por exemplo, Túlio teve que levar seus queijos clandestinamente na mala, misturado à bagagem comum. “A grande dificuldade é que o governo federal não reconhece o serviço de inspeção estadual. Se a gente tem um queijo que passa por uma inspeção supercriteriosa no Estado, por que ele não pode ser consumido fora? A questão não é sanitária; é comercial, é política, de um ajuste na legislação, que é 1952”, critica.

Mobilização – Túlio defende que o governo federal permita que cada estado se responsabilize por seu produto e que isso seja reconhecido para que a comercialização aconteça livremente no País. “É só isso que a gente precisa”, avalia. Essa proposta consta de uma campanha realizada pelos produtores mineiros por meio de um abaixo-assinado virtual.

Para vencer os obstáculos, o mestre queijeiro reconhece ser essencial o trabalho de mobilização dos produtores desenvolvido na Assembleia. “Nós estamos aprendendo juntos ao longo dos anos. Sempre que me chamam aqui, eu venho. Essa discussão só tem a agregar. Só por meio da mobilização da classe política que conseguiremos criar uma saída para melhorar as oportunidades de comercialização e reconhecer quem ainda está à margem da lei”, reforça.

Novas pesquisas prometem revolucionar o mercado

Aos poucos, o esforço realizado pela Assembleia em defesa dos produtores de queijo artesanal em Minas parece estar vencendo resistências. Uma das carências dos produtores é, por exemplo, a de tecnologia para descobrir novas formas de agregar valor aos produtos, como aconteceu com o “camembert mineiro”, produzido por Túlio.

Um passo positivo dado nesse sentido foi anunciado pelo presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Evaldo Ferreira Vilela, durante o Ciclo de Debates Produtos Especiais dos Campos de Minas. A instituição lançou um edital voltado especificamente para pesquisas com o queijo artesanal mineiro, com a obrigação de transferência de tecnologia para os produtores.

Membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Evaldo reforça a necessidade de políticas públicas que auxiliem o produtor a mudar o patamar da sua produção. “No queijo artesanal, por exemplo, temos produzido muita pesquisa, mas ela precisa transpor os muros da universidade e chegar ao produtor. São duas línguas diferentes, e fazer essa ligação é fundamental. A Fapemig quer financiar mais pesquisas, mas não somente para a produção de artigos científicos”, destaca.

No edital da Fapemig, o pesquisador tem a obrigação formal de apontar o produtor, associação ou cooperativa que será beneficiada com o produto do conhecimento gerado pelo estudo. Evaldo diz que o queijo artesanal é estratégico por seu potencial de encantar o mundo. “E a Assembleia está de parabéns por encarar de frente essa questão. Produzir alimento não é crime”, reforça.

Criminalização - Essa visão é compartilhada pelo deputado Agostinho Patrus Filho (PV). Membro da Frente da Gastronomia Mineira, ele lembrou alguns episódios tristes ligados à criminalização do queijo artesanal mineiro. O relato foi feito durante audiência pública para debater a comercialização do produto.

Além da apreensão e da destruição do produto em um espaço gourmet durante a última edição do festival Rock in Rio, que aconteceu em setembro deste ano no Rio de Janeiro (RJ), o parlamentar lamentou a ameaça de apreensão, em evento realizado na Itália, em setembro, de queijo fabricado em Sacramento (Triângulo Mineiro) e também premiado pelos franceses.

“Concorrendo com queijos de 11 países, o queijo da produtora Marli Leite recebeu o prêmio Super Ouro na França (no mesmo evento que premiou os queijos do Serro), mas, para as autoridades sanitárias italianas, foi considerado clandestino. O curioso é que ao lado estavam expostos queijos artesanais suíços fabricados com maconha”, lamenta o parlamentar, que reforça o papel da ALMG na defesa dos produtores mineiros.

Na audiência, foram colhidas sugestões para embasar um substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 4.631/17, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais de Minas Gerais.

O parlamentar deve ser o relator da proposição na Comissão de Administração Pública, próxima etapa da tramitação. “Além do aspecto cultural, o queijo artesanal mineiro gera renda e mantém o homem no campo. Um produto que é símbolo do Estado não pode mais ser clandestino”, aponta.

Campanha - Os avanços registrados na produção e na comercialização dos queijos artesanais mineiros serão apresentados na nova campanha institucional da ALMG. As peças que estão sendo veiculadas em todo o Estado (assista à campanha na televisão) em todo o Estado compartilham a visão do produtor de queijo sobre a atuação do Legislativo em prol da expansão da atividade, que é uma das maiores tradições mineiras.