Comissão do Acerto de Contas aprova relatório final
Parlamentares mineiros apoiam regras de compensação da Lei Kandir propostas na Câmara dos Deputados.
27/11/2017 - 17:19Foi aprovado, nesta segunda-feira (27/11/17), o relatório final da Comissão Extraordinária de Acerto de Contas entre Minas e a União, criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em abril deste ano. Seu objetivo é analisar os prejuízos causados ao Estado pela Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996) e seu impacto no crescimento da dívida de Minas com a União.
Durante a reunião, foi aprovada ainda uma emenda ao relatório final, de autoria dos membros da comissão, manifestando apoio ao substitutivo aprovado na última terça-feira (21) pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a analisar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 221/98, do ex-deputado federal Germano Rigotto.
O substitutivo aprovado em Brasília, elaborado pelo deputado federal José Priante (PMDB-PA), propõe uma regulamentação definitiva sobre como a União deverá compensar os estados pelas perdas com a Lei Kandir, a partir de 2018.
A Lei Kandir, ainda em vigor, determina a desoneração do ICMS sobre as exportações de produtos semielaborados. São termos técnicos, que parecem distantes da realidade do cidadão comum, mas que podem ser traduzidos de uma forma bem familiar: com a Lei Kandir, o governo federal resolveu fazer cortesia com o chapéu dos outros.
E os outros, no caso, foram os estados exportadores de produtos não industrializados, especialmente minério de ferro, tais como Minas Gerais e Pará.
Cortesia com chapéu alheio é uma expressão que vem da época em que acenar com um belo chapéu era uma das melhores formas de exibir distinção e riqueza. Essa abundância era tudo o que faltava ao Brasil em 1996, dois anos após o lançamento do Plano Real.
Ao mesmo tempo em que impedia o retorno da inflação, o real artificialmente valorizado encarecia os produtos brasileiros, prejudicando as exportações. “O superavit comercial de US$ 10,4 bilhões, em 1994, transformou-se em deficits de US$ 3,4 bilhões e US$ 5,6 bilhões em 1995 e 1996, respectivamente”, cita o relatório da comissão da ALMG.
Esse desequilíbrio foi o que levou o deputado federal Antônio Kandir a propor o Projeto de Lei Complementar 95/96, aprovado pelo Congresso Nacional durante sua gestão como ministro do Planejamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ideia era reduzir os impostos para incentivar as exportações, mas o imposto escolhido foi justamente o ICMS, que não pertence à União.
Dessa forma, para fazer graça aos exportadores, o governo federal lançou mão da principal fonte de receita dos estados. A norma aprovada previa que os estados exportadores de produtos semielaborados seriam compensados por essa expressiva perda de receita. Só que essa compensação jamais foi plenamente regulamentada e nunca foi suficiente para cobrir as perdas reais, ao longo dos últimos 20 anos.
Minas Gerais perdeu R$ 135 bi e se desindustrializou
Em 2013, o assunto acabou no Supremo Tribunal Federal (STF). O Estado do Pará entrou com uma Ação de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) contra o Congresso Nacional, em razão deste não ter aprovado uma regulamentação definitiva das compensações da Lei Kandir.
O cálculo do governo paraense é de que, com a desoneração do ICMS, o Pará deixou de arrecadar R$ 20,5 bilhões entre 1996 e 2012, enquanto a compensação paga pela União nesse período foi de apenas R$ 5,5 bilhões.
As perdas mineiras são ainda maiores. Os cálculos feitos pela Comissão Técnica Permanente (Cotepe) do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) são de que Minas Gerais deixou de arrecadar, em função da Lei Kandir, R$ 135,67 bilhões em ICMS.
Essa é a estimativa acumulada desde 1996, em valores corrigidos a preços de dezembro de 2016. Sem essa arrecadação, a dívida mineira com a União disparou, passando de R$ 48,6 bilhões, em 1998, para R$ 87,19 bilhões, em 2016. São dados do Governo do Estado, citados no relatório final da comissão da ALMG.
As consequências para o Estado foram muito além do aspecto financeiro. O autor do relatório, deputado Durval Ângelo (PT), ressalta que a desoneração da exportação de minério de ferro expôs a indústria siderúrgica mineira a uma competição desigual, por exemplo, com a indústria chinesa. Enquanto fundições mineiras enfrentavam dificuldades e fechavam, os chineses passaram a comprar cada vez mais minério brasileiro e vender ao País o aço beneficiado do outro lado do mundo.
“Todo o investimento feito pelo Estado para se implantar um parque guseiro com vistas a dar suporte à indústria siderúrgica mineira e alavancar a economia local foi perdido”, lamenta o deputado Durval Ângelo em seu relatório. O processo de desindustrialização destruiu empregos e contribuiu para fazer o Estado regredir à posição de um exportador de commodities, ou seja, minério de ferro e produtos agrícolas.
Supremo cobra regulamentação definitiva contra perdas
Vinte anos após a aprovação da Lei Kandir, o STF decidiu favoravelmente ao Estado do Pará com relação à ADO nº 25, em sessão realizada em 30/11/16. Foi fixado um prazo de 12 meses para o Congresso Nacional editar lei complementar que regulamente os repasses de recursos da União para os estados e o Distrito Federal, em compensação pelas perdas com a Lei Kandir.
Esse prazo para regulamentação vence em 1º de dezembro de 2017. Caso nada aconteça, segundo a decisão do STF, cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) fixar as regras de repasse e calcular as cotas de cada um dos entes federados.
Em agosto deste ano, o Congresso criou a Comissão Mista Especial sobre a Lei Kandir para propor uma regulamentação definitiva sobre a questão. O primeiro relatório produzido, no entanto, não agradou os representantes dos estados.
A proposta do senador Wellington Fagundes (PR-MT) aumenta para 9% a alíquota do Imposto de Exportação (IE), de competência da União, para produtos resultantes da exploração de recursos minerais; e destina R$ 9 bilhões para ressarcimentos aos estados e municípios, em 2018. Estão incluídos nesse montante, além da compensação pelas perdas com a Lei Kandir, repasses do Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX), que existe desde 2004; e a arrecadação do FEX.
Relatório apoia proposta aprovada na Câmara dos Deputados
Já a proposta do deputado federal José Priante, aprovada em 21 de novembro em outra comissão da Câmara dos Deputados, recebeu o apoio declarado da comissão extraordinária da ALMG. Essa proposta determina que a União deverá repassar anualmente, aos estados, um valor compatível com as perdas geradas pela Lei Kandir, segundo os cálculos do Confaz.
Em 2019, o valor repassado aos estados deverá ser de R$ 19,5 bilhões; em 2020, passaria para R$ 29,25 bilhões; e a partir de 2021, R$ 39 bilhões anuais. Para evitar as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000), a proposta modifica essa norma de maneira que não serão aplicáveis os seus requisitos de compensação de despesas quando estas decorrerem de decisões judiciais ou de mandamentos constitucionais que resultem em transferências obrigatórias aos estados, Distrito Federal e municípios.
Do total destinado aos estados pela União, 40% seriam distribuídos por um rateio fixo; 30% de acordo com o volume de produtos não-industrializados exportados por cada estado; e os outros 30% de acordo com a relação entre exportações e importações de cada estado.
De acordo com essas regras, segundo os cálculos do deputado Durval Ângelo, Minas Gerais receberia R$ 3,8 bilhões do governo federal em 2019. Em 2020, R$ 5,8 bilhões. A partir de 2021, seriam R$ 7,7 bilhões repassados a Minas, a cada ano.
Credora – Além de apoiar a proposta elaborada pelo deputado José Priante, o relatório final da Comissão Extraordinária da ALMG defende que as perdas de cada estado com a desoneração do ICMS sejam consideradas para abater a dívida que cada um possui com a União.
Segundo o cálculo apresentado no relatório, Minas Gerais se tornaria, então, credora da União, em um valor aproximado de R$ 48,5 bilhões. “Propomos que esse valor seja investido pela União em obras de infraestrutura no Estado”, defendeu o relator, Durval Ângelo.
Esse acerto entre a dívida e a compensação da Lei Kandir seria feito paulatinamente, nos mesmos prazos de pagamento do débito de cada estado com a União, até 2048.