Dependentes químicos em tratamento para abandonar a droga: vacina pode ser apoio - Arquivo ALMG
Frederico Garcia, da UFMG, acredita que Brasil não tem estrutura para descriminalizar droga
Comunidades terapêuticas, vinculadas a grupos religiosos, estão entre as poucas opções para tratamento

Encontro internacional discute uso de vacina contra cocaína

Um dos responsáveis pela pesquisa na UFMG participará de debate na Assembleia sobre descriminalização das drogas.

09/11/2017 - 16:00

Uma vacina contra a cocaína é uma das ideias inovadoras que serão discutidas no Encontro Internacional Descriminalização das Drogas, que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza nos dias 16 e 17 de novembro. Um dos focos do evento são as experiências de outros países relativas às políticas públicas sobre drogas, mas vários especialistas brasileiros também darão sua contribuição para o debate.

A vacina contra a cocaína está sendo desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O projeto é conduzido pelo professor adjunto de psiquiatria Frederico Duarte Garcia, em parceria com o professor Ângelo de Fátima, do Departamento de Química Orgânica.

Frederico Garcia, um dos palestrantes convidados pela ALMG, explica que a vacina não é uma panaceia, não resolve nada por si, mas pode ser um apoio importante para o usuário de drogas que esteja motivado para se livrar do vício. A nova medicação também deverá ser útil para prevenir a exposição de fetos à droga.

A previsão é de que a vacina comece a ser testada em humanos em 2018. Ela foi produzida a partir da sintetização de uma molécula que leva o organismo a fabricar anticorpos específicos, que bloqueiam a entrada das moléculas de cocaína no sistema nervoso central. Dessa forma, são reduzidos consideravelmente os efeitos da droga, tais como a euforia e o desejo de consumi-la repetidamente.

Exemplos internacionais, como o de Portugal, não convencem Frederico Garcia a apoiar a descriminalização das drogas, nem mesmo a maconha, apontada como uma droga mais leve.

“De um ponto de vista epidemiológico, quanto mais acessível uma droga, maior o risco de que as pessoas sejam expostas e se tornem dependentes. Não temos uma rede de tratamento suficiente e adequada para acolher um eventual aumento do número de usuários. A rede não está preparada para isso, diferentemente de Portugal”, acredita o professor.

Apesar de ver com bons olhos propostas de regulamentação do uso de drogas, o deputado Antônio Jorge (PPS) adverte que isso não significa ser a favor do uso de drogas.

Droga faz mal, qualquer droga deve ser desincentivada, o Estado não deve ser proponente ou facilitador de qualquer substância. E o governo brasileiro faz isso com relação à bebida alcoólica, com uma total permissividade nas propagandas aéticas das cervejas. O Estado é quase um indutor do consumo de cerveja, quando não regula a publicidade na televisão”, critica o parlamentar.

O deputado Antônio Jorge é autor do requerimento para realização do encontro internacional e presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas.

Ministros votaram a favor da descriminalização

No Brasil, a polêmica sobre as drogas cresceu em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação que envolvia um recurso apresentado pela Defensoria Pública, relativo ao caso de um presidiário condenado a serviços comunitários após ser flagrado na prisão com três gramas de maconha, em julho de 2009.

Três dos ministros do Supremo já votaram. O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, foi favorável à descriminalização do porte de qualquer tipo de droga, para uso pessoal. Hoje, essa posse é considerada crime pelo artigo 28 da lei que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei Federal 11.343, de 2006), que foi considerado inconstitucional por Gilmar Mendes.

Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também se posicionaram a favor da descriminalização, mas apenas com relação à maconha. Depois disso, o ministro Teori Zavascki pediu vista do processo. Agora, a retomada do julgamento depende do voto do ministro Alexandre de Moraes, substituto de Zavascki, que faleceu em um acidente aéreo em janeiro de 2017. Não há prazo para a declaração de voto.

Criminalista condena modelo de repressão

Seja qual for o resultado do julgamento no STF, qualquer mudança mais profunda na legislação depende do Poder Legislativo. Doutor em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro da Diretoria Executiva do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Édson Baldan já participou de diversos debates no Congresso Nacional. Como palestrante no encontro realizado pela ALMG, ele discutirá o impacto das drogas na segurança pública.

Para o criminalista, é o fracasso da política de “guerra às drogas”, importada dos Estados Unidos, que torna imprescindível discutir uma alternativa. “Esse modelo de proibição não tem apresentado o resultado desejado, que é a preservação da saúde pública, objetivo declarado dessa legislação. A repressão vem causando mais danos que a própria droga”, argumenta.

O deputado Antônio Jorge concorda que a política repressiva é um fracasso e avalia que as leis brasileiras sobre o assunto pioraram. “Antes, quem era flagrado com drogas, de acordo com a quantidade, era tipificado como traficante ou usuário. Hoje essa categorização está a cargo da autoridade policial. Então, se é negro e pobre, tem cara de traficante; se é de classe média, branco, em um carro bacana, é usuário. Isso levou a um aumento enorme do número de pequenos traficantes encarcerados, a um custo enorme para a sociedade”, lamenta.

Para Baldan, um bom começo seria discutir a descriminalização de drogas para uso privado, mas não é esta a tendência que ele vê no Congresso. “Vejo dificuldade em que essa discussão possa penetrar no Congresso Nacional, pois ela desagradaria parte da população que pouco conhece de criminologia. O que eles querem é aumentar as penas, aumentar a repressão. Essa é a intenção que eu vejo”, afirma.