Movimentos sociais defendem acerto de contas com a União
Lei Kandir desonerou exportações, o que teria causado prejuízo de R$ 135 bilhões ao Estado.
26/06/2017 - 20:20 - Atualizado em 27/06/2017 - 11:32A iniciativa encampada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) pela compensação ao Estado das perdas tributárias causadas pela Lei Kandir recebeu, nesta segunda-feira (26/6/17), o apoio de representantes de movimentos sociais reunidos em audiência pública da Comissão Extraordinária de Acerto de Contas entre Minas e a União.
A Lei Kandir (Lei Complementar Federal 87, de 1996) estabeleceu a desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre exportações. Os estados atingidos pela medida deveriam ser ressarcidos com a transferência de recursos por parte da União. No entanto, segundo estimativas do Governo de Minas, os valores repassados não foram suficientes para compensar as perdas ocasionadas, o que gerou um passivo de aproximadamente R$ 135 bilhões.
Atualmente, o Estado deve à União R$ 87,2 bilhões. Assim, caso seja utilizado parte do valor relativo à desoneração do ICMS para quitar essa dívida, Minas passaria da situação de devedor à de credor, com um saldo a receber de cerca de R$ 48 bilhões. Desse total, cerca de R$ 34 bilhões seriam devidos diretamente aos municípios.
Em novembro de 2016, no julgamento de ação movida pelo Estado do Pará, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu um prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional aprovasse uma lei para regulamentar a compensação aos estados prejudicados. Caso isso não aconteça, caberá ao Tribunal de Contas da União realizar os cálculos para o repasse.
Deputados criticam Lei Kandir
Para o líder do Governo, deputado Durval Ângelo (PT), a Lei Kandir é fruto de uma visão equivocada de que não se pode exportar tributos. Esse entendimento, segundo o parlamentar, faz com que o Estado seja prejudicado na venda de mercadorias para o exterior, ao mesmo tempo em que arca praticamente sozinho com as consequências ambientais e sociais das atividades voltadas à exportação, como a mineração e a produção de grãos.
Nesse sentido, o deputado Rogério Correia (PT), que solicitou a audiência, salientou que só as grandes empresas exportadoras ganham com essa situação, que vem causando a gradativa perda de capacidade de investimento do Estado e, inclusive, o seu endividamento.
Os dois parlamentares ressaltaram que o acerto de contas com o Governo Federal viabilizaria o atendimento das principais demandas dos movimentos sociais, como as reivindicações de servidores, os investimentos necessários em infraestrutura, saúde e educação, assim como os assentamentos cobrados por trabalhadores sem-terra.
Como forma de ratificar esse compromisso, a comissão aprovou requerimento para que seja agendada uma visita ao governador Fernando Pimentel (PT), na qual será apresentado um documento de apoio dos movimentos sociais ao acerto de contas, junto com as principais demandas para destinação dos recursos.
O deputado Rogério Correia ainda lembrou que a compensação ao Estado seria uma alternativa ao severo ajuste fiscal proposto pelo Governo Federal para a repactuação da dívida estadual, que hoje consome cerca de R$ 350 milhões por mês dos cofres do Governo de Minas.
Compromisso – O deputado Geraldo Pimenta (PCdoB), por sua vez, trouxe um importante alento em relação à concretização do acerto de contas. Ele informou ter participado na semana passada, em companhia de deputados estaduais e federais, de encontro com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que teria se comprometido a construir, até novembro, uma saída para o ressarcimento dos Estados, conforme determinou o STF.
Entidades querem ser ouvidas sobre repasse de recursos
Os líderes de movimentos sociais presentes reforçaram que, apesar de entenderem que o Estado deve ser ressarcido pelos prejuízos causados pela Lei Kandir, estarão atentos à utilização da verba reivindicada.
De acordo com Joceli Andrioli, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens, esses recursos devem servir ao que a população classificar como prioritário, e não à especulação financeira.
Nathália Ramos, do Levante Popular da Juventude, por exemplo, cobrou o desenvolvimento de políticas públicas para o segmento e o custeio de projetos educacionais, como programas de assistência estudantil em universidades.
Representante do Conselho Estadual de Saúde, Renato Barros lembrou as dificuldades financeiras de hospitais regionais e a necessidade urgente de recursos para a atenção básica. Já Luana Ramalho, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), requisitou a criação de um fundo social do minério, para que a exploração das riquezas minerais resulte, com o investimento nos cidadãos, em inovação e tecnologia.
Estado precisa ir além do acerto de contas
Presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual, Lindolfo Fernandes ponderou, contudo, que o acerto de contas com a União não significa a solução para todos os problemas contábeis do Estado.
Minas precisa, segundo Lindolfo, rediscutir seu sistema tributário (inclusive com o fim da isenção de impostos relativos ao minério e ao nióbio), implementar medidas efetivas de combate à sonegação e submeter a nova análise os benefícios fiscais concedidos a empresas e setores da economia.
Como exemplo da falta de controle e embasamento para o auxílio a instituições instaladas no Estado, ele relatou que 107 empresas do grupo JBS contam com regimes especiais de tributação estabelecidos pelo governo mineiro.