Crise pode comprometer conquistas da educação
Alerta foi feito em fórum na ALMG por especialistas, que defendem a união de todos os educadores para garantir avanços.
15/06/2016 - 19:59 - Atualizado em 16/06/2016 - 05:25A crise política e financeira vivida pelo Brasil, assim como mudanças em curso no âmbito federal, podem significar um retrocesso nas conquistas alcançadas pela educação nos últimos anos. O alerta foi feito por especialistas que participaram, nesta quarta-feira (15/6/16), da etapa final do Fórum Técnico Plano Estadual de Educação, no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Eles defenderam mais recursos para a área e criticaram alterações propostas pelo Executivo federal, como o congelamento dos gastos e a desvinculação de recursos. As dicussões prosseguem até sexta-feira (17), com grupos de trabalho e plenário final abordando o Projeto de Lei (PL) 2.882/15, do governador, que contém o plano e tramita na ALMG.
Ao tratar da valorização dos profissionais da educação e da gestão democrática, o presidente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Carlos Eduardo Sanches, lembrou que essa valorização é parte indispensável para a garantia constitucional da educação de qualidade, que foi referendada no Plano Nacional de Educação (PNE). “Não se pode buscar qualidade sem recursos novos para educação”, afirmou.
Sanches criticou o modelo de financiamento, que penaliza estados e municípios, em detrimento da União. O ente federal, segundo ele, tem apenas a responsabilidade suplementar e redistributivo, o que leva a cortes e repasses de uma hora para outra. “No último dia 31, por meio de medida provisória, o governo federal cortou recursos da educação infantil, que é o maior gargalo de atendimento”, exemplificou.
A coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE/MG) e presidente da CUT-Minas, Beatriz Cerqueira, também avaliou ser impossível falar de educação sem considerar a crise política. “Podemos não ter o Plano Nacional de Educação se o golpe em curso se consolidar”, afirmou, citando mudanças previstas no programa de governo do presidente interino Michel Temer. Há riscos, segundo ela, para o piso nacional da educação e para o salário-mínimo, bem como para a destinação dos recursos de exploração do pré-sal.
Minas deixou de investir R$ 12 bi, diz sindicalista
Beatriz Cerqueira adiantou dados inéditos de estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Diesse), que provam o baixo investimento em educação. Em 2014, segundo o levantamento, o País destinou 5,43% de suas riquezas para o setor. “Minas Gerais ficou em último lugar, com 1,61%”, observou. Segundo ela, na década finalizada em 2014, o Estado não cumpriu em nenhum ano o mínimo legal de investimento, o que resultou em R$ 12 bilhões a menos na educação mineira.
A coordenadora do SindUTE criticou ainda a proposta de meritocracia na educação, defendida no âmbito federal. “A escola tem que ser um lugar de excelência para todos”, justificou. Para ela, é preciso rever a legislação mineira que mantém essa forma de avaliação como um mecanismo punitivo, assim como a proposta de extinção de cargos de professor e de auxiliar de serviço de educação básica, contidas na reforma administrativa proposta pelo governador Fernando Pimentel e em tramitação na ALMG.
Por fim, Betriz Cerqueira defendeu a discussão de ideologia de gênero nas escolas, como forma de evitar crimes como estupro e outras formas de violência sexual. “Não somos nós, professores, que vamos orientar sexualmente a criança. Mas a escola não pode ignorá-lo ou deixar à margem por sua opção”, afirmou.
País necessita de mais investimentos
“O esforço do Brasil para avançar na educação nos últimos anos, sobretudo a partir de 2005, não tem paralelo no mundo. Ainda assim, o País investe nessa área o mesmo que o Azerbaijão”. A síntese, feita pelo pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP), Bruno Lazzarotti Diniz Costa, que tratou do financiamento da educação, foi acompanhada de tabelas e gráficos com dados de uma organização europeia que avalia 56 países.
O salto brasileiro é visível, inclusive na relação com o Produto Interno Bruto (PIB). Mas o gasto em dólar, por aluno, corresponde a um terço da média de todos os países analisados. “A qualidade do gasto também importa, mas a partir de um determinado patamar. Quando o país gasta pouco, o importante é investir mais”, sentenciou o pesquisador.
Embora tenha havido melhorias em todos os indicadores, Lazzarotti destacou a educação básica, que saltou de um investimento de R$ 1.829, por aluno em 2000 para R$ 5.495 em 2013. “Isso é admirável e inédito”, completou. Minas Gerais, segundo ele, não acompanhou o esforço de ampliar investimentos registrado na União e nos municípios. Em 2002, o Estado destinou 19% do total do gasto público em educação. Esse índice foi caindo até chegar a 16%, em 2013, e 17%, em 2014.
Lazzarotti se mostrou preocupado com a proposta de congelamento dos gastos primários do governo federal por 20 anos, contida, segundo ele, em um projeto a ser enviado ao Congresso, nos próximos dias, pelo presidente interino Michel Temer. Segundo ele, uma simulação mostrou que, se essa iniciativa tivesse sido adotada em 2005, a educação teria perdido R$ 72 bilhões até agora. “É preciso resistir a esse 'educacídio'”, afirmou.
Palestrantes defendem educação universal e cidadã
O segundo painel da tarde abordou a questão do desenvolvimento da educação básica ao ensino superior. A primeira expositora, Samira Zaidan, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tratou do tema universalização e superação das desigualdades na educação básica. Ela lembrou que a busca da universalização da educação, no Brasil, iniciou-se com a Constituinte de 1988 e a criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação.
De acordo com a professora, a universalização substituiu o modelo antigo, que privilegiava a meritocracia e reprovava 80% dos alunos, excluindo pobres, negros e índios, entre outras minorias. “O mérito não pode se sobrepor ao direito. Não podemos recuar nos direitos que a Constituição garantiu”, afirmou Samira Zaidan. Ela recomendou que a luta por consolidar a universalização da educação deve buscar, entre outras coisas, uma articulação das políticas públicas, a fim de garantir uma base social para os estudantes. Também deve combater a lógica que trata a educação como um produto e não como um direito.
A segunda expositora, Maria Aparecida Colares Mendes, professora do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, tratou do tema formação para o trabalho e promoção humanística, científica e tecnológica do Estado – ensino superior e educação profissional. Ela afirmou que, em um Estado com culturas tão variadas, é necessária uma educação profissional que respeite as diferenças e fortaleça a autonomia e a cidadania. Para isso, é preciso criar oportunidades de escolhas para os alunos e políticas de permanência.
Maria Aparecida recomendou aos participantes do fórum uma reflexão sobre um modelo de integração do ensino profissional à formação mais ampla. Em sua avaliação, não há mais espaço no mundo para um ensino baseado em “listagens de competências técnicas”, que ignore a necessidade de resistir ao individualismo e de construir um mundo mais humano.
Cartazes – As discussões no Plenário da Assembleia foram marcadas também por atritos entre participantes que querem a saída de Michel Temer e outros que apoiam o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Manifestantes se irritaram com uma faixa com os dizeres "Fora, Temer", que Beatriz Cerqueira levou para a mesa dos trabalhos, e chegaram a interromper as palestras, o que motivou a intervenção do coordenador da reunião, deputado Paulo Lamac (Rede), presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG.
Na fase de debates, ao final dos trabalhos, as discussões continuaram polarizadas. De um lado, em maioria, grupos que defendem uma política educacional progressista. De outro, grupos que criticaram a condução dos trabalhos e se manifestaram favoráveis a uma educação tradicional.
Entre os manifestantes, o estudante universitário Gabriel Lopo, de Montes Claros (Norte), defendeu a gestão democrática do ensino e repudiou enfaticamente a defesa, expressa em faixa, do capitão Brilhante Ustra, apontado como torturador durante a ditadura militar. "É um desrespeito trazer a esta Casa democrática uma faixa que defende torturador", protestou.