Três comissões se reuniram na ALMG para debater a recomendação do Ministério Público sobre a adoção de filhos de mulheres usuárias de crack e outras drogas
Segundo Marcia Parizzi (à direita), muitas mães estão fazendo o parto em cidades vizinhas de BH, para não correrem o risco de perder seus bebês
Parlamentares falaram sobre as consequências que a separação pode provocar no desenvolvimento da criança

Adoção compulsória de bebê de usuária de drogas é condenada

Medida recomendada pelo Ministério Público é rechaçada por deputados e por órgãos de defesa da mulher e da criança.

21/05/2015 - 20:23

Sem a presença do Ministério Público (MP), representantes de diferentes órgãos de proteção à mulher e à criança e parlamentares rechaçaram, mais uma vez, a recomendação de separar bebês filhos de usuárias de drogas de suas mães ainda na maternidade. O assunto foi debatido nesta quinta-feira (21/5/15) em audiência pública conjunta das Comissões de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e outras Drogas, de Segurança Pública e Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Por unanimdade, os participantes da audiência acusaram a recomendação do MP de ferir os direitos fundamentais da mulher à maternidade e também do bebê, ao convívio com a mãe ou a família. Eles também reclamaram que a separação está ocorrendo apenas em hospitais públicos, o que representa uma discriminação com as mães pobres.

A defensora pública Adriane da Silveira Seixas revelou que, apenas de janeiro a maio, 120 bebês foram encaminhados diretamente das maternidades para abrigos, por meio da Defensoria Pública. Segundo ela, o número pode ser muito maior, se considerados os encaminhamentos por outras vias. No mesmo período do ano passado, os encaminhamentos não chegaram a 60 casos. "Só se deve encaminhar uma criança para adoção se for comprovada negligência da mãe e da família. Nossas crianças precisam ser protegidas", protestou.

Ela denunciou que cerca de 90% dos casos registrados não teriam a indicação de retirar o bebê da família, pois são filhos de mulheres que apenas mencionaram o uso de drogas, já abandonaram o vício ou nem poderiam ser consideradas dependentes químicas. "Os profissionais de saúde estão se sentindo obrigados a encaminhar todos os casos, sem critério algum de avaliação", afirmou. Adriane Seixas disse, ainda, que mesmo que a mãe consiga recuperar a criança posteriormente, o processo demora pelo menos dois meses. "A maioria das situações poderia ser solucionada extrajudicialmente", disse.

A coordenadora substituta do Núcleo de Infância e Juventude de Minas Gerais, Laurelle Carvalho de Araújo, denunciou que as crianças estão sendo arrancadas do colo das mães, sem direito ao aleitamento. Ela falou que a Defensoria Pública tem sido procurada por famílias desesperadas por manter o direito à guarda das crianças. "Abrigamento deve ser a última medida a ser adotada. Primeiro temos que garantir o tratamento e a reabilitação da usuária", defendeu. Ela também atentou para a diferença entre usuária e dependente: a primeira tem convívio social; a segunda é que está à margem da sociedade.

Recomendação do MP seria preconceituosa

O caráter discriminatório da recomendação do MP foi outro ponto criticado por todos os participantes da audiência, que afirmaram que apenas os hospitais públicos estão sendo pressionados a fazer o encaminhamento dos bebês para os abrigos. "É uma violência institucionalizada contra as mulheres", criticou a integrante do Conselho Regional de Psicologia, Cláudia Natividade.

A defensora pública Júnia Roman Carvalho foi além. Para ela, a recomendação do MP esconde, "nas entrelinhas", muitos preconceitos porque vem atingindo mulheres em situação de rua, prostitutas e adolescentes, ou seja, pessoas em situação de vulnerabilidade. "É a criminalização da pobreza", afirmou.

Marcia Rocha Parizzi, coordenadora da Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, condenou a crueldade do processo de separação entre mãe e filho, mesmo nos casos de mulheres usuárias de drogas. "Elas precisam de cuidados. Proibi-las de exercer o direito de ser mãe, de cuidar e de ser cuidada é uma violação cruel", indignou-se. Parizzi também criticou que a chamada família extensa (parentes e familiares dos pais do bebê) não tem sido considerada na hora de decidir o destino da criança.

"A droga é a doença do século e está presente entre ricos e pobres", ponderou o representante da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos da Cidadania, Fernando Freitas da Silva. Ele criticou que a medida do MP não prevê soluções mais efetivas, como o acolhimento da mãe usuária de drogas. "É preciso pensar numa política pública mais abrangente", afirmou.

Profissionais de saúde se sentem inseguros

Para a representante da Secretaria Municipal de Saúde, Marcia Parizzi, a recomendação do MP prejudica a criação de vínculos entre os profissionais de saúde e as mães usuárias de drogas. Segundo ela, o cultivo da confiança mútua é uma das estratégias do tratamento e recuperação dos dependentes químicos. "Se a mãe sabe que vai ser delatada, ela não vai aderir a nenhum tratamento", afirmou.

Segundo ela, muitas já não estão comparecendo mais às consultas de pré-natal e estão fugindo de Belo Horizonte para fazerem o parto em cidades vizinhas e não correrem o risco de perder seus bebês. "Temos muitos casos bem-sucedidos de recuperação de mulheres em liberdade em sua casa, com seu filho", assegurou.

Marcia Parizzi explicou que a prefeitura tem unidades de saúde que podem oferecer tratamento para essas mulheres e seus bebês, com equipes multidisciplinares que acompanham a família e a história da paciente. São 147 centros de saúde, três centros de referência para tratamento de dependentes de álcool e drogas e em saúde mental, além de consultórios de rua. Ela comentou que a prefeitura pretendia implantar uma casa para tratar mães usuárias de drogas, oferecendo abrigo para elas com seus bebês, mas foi impedida pelo MP.

O presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Wilton Rodrigues, disse que muitos profissionais de saúde estão preocupados com a determinação do MP. Segundo ele, esses profissionais sentem-se inseguros com a possibilidade de delatarem a mulher de algum traficante, por exemplo. Ao considerar que a recomendação do MP não avaliou o bem-estar da criança nem o da mãe, o Conselho, apoiado pela Defensoria Pública, deliberou não acatar a sugestão.

Deputados criticam decisão do MP

Para a deputada Marília Campos (PT), a recomendação do MP configura-se como um processo de injustiça. "A vítima está sendo punida", disse. Ela defendeu que as mães usuárias de drogas precisam de tratamento e a própria maternidade pode ser estímulo para que elas abandonem o vício. "É preciso assegurar condições para que essa mãe se recupere sem estar longe de seu filho", completou.

A deputada Ione Pinheiro (DEM) questionou as consequências que a separação abrupta pode provocar no desenvolvimento da criança. "Às vezes, não há vagas nos abrigos e as crianças vão ficando no hospital, até com risco de contrair alguma infecção. Que cuidado é esse com nossas crianças?", questionou. Ela também estranhou não haver nenhuma ocorrência de encaminhamento de bebês de hospitais, clínicas ou médicos particulares. "Toda mãe tem o direito de constituir uma família", defendeu.

"Nenhum lado ganha: nem o bebê nem a mãe", lamentou a deputada Cristina Corrêa (PT). A deputada Celise Laviola (PMDB) lembrou a visita que parlamentares fizeram ao MP, que se mostrou irredutível, segundo ela. A parlamentar defendeu que a recomendação seja suspensa até se encontrar uma melhor solução para a questão.

O deputado João Leite (PSDB) criticou a ausência do MP na audiência pública. "Não vieram para o jogo. Só conversam por escrito", alfinetou. Ele relatou o caso de uma prima sua que foi retirada dos pais dependentes de drogas e levada para um abrigo. Depois de três anos, ela foi adotada por outra prima. O parlamentar contou que na primeira visita que fez à criança, ela se escondeu embaixo do sofá. "Hoje ela tem vida", comemorou.

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