Participação feminina na política é desafio nacional
Ciclo de debates na ALMG vai abordar as dificuldades para a entrada das mulheres na política.
05/03/2015 - 19:34 - Atualizado em 06/03/2015 - 16:55Cerca de 52% do eleitorado brasileiro é composto por mulheres. No entanto, segundo a União Interparlamentar (UIP), o Brasil ocupa o 117° lugar em participação feminina na política, ficando atrás de países como Ruanda, Bolívia e África do Sul. A disparidade entre o número de eleitoras e o de candidatas suscita a discussão sobre o que impede maior presença das mulheres na política, assunto que estará no foco do Ciclo de Debates Reforma Política, Igualdade de Gênero e Participação: O que querem as mulheres de Minas, que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza na sexta-feira (13/3/15).
Historicamente, o Brasil sempre teve um número pequeno de mulheres nas instâncias decisórias de poder. Em 1929, Alzira Soriano foi a primeira mulher a ocupar um cargo eletivo na América Latina, ao ser eleita prefeita de Lages (SC). Mas somente em 1932 o direito ao voto foi estendido a todas as mulheres do País. Nesse mesmo ano, a médica paulista Carlota Pereira Queiroz foi eleita a primeira deputada federal brasileira, escolhida para compor a Assembleia Nacional Constituinte.
Na ALMG, a primeira tentativa de estabelecer o voto feminino foi feita por meio de proposta constitucional apresentada em 1926. Mas apenas em 1963 foram eleitas as duas primeiras deputadas estaduais mineiras: Marta Nair Monteiro e Maria Pena. Em 180 anos de existência, apenas 30 mulheres ocuparam assentos no Parlamento mineiro. Atualmente, das 77 cadeiras da ALMG, apenas sete são ocupadas por mulheres.
No Congresso Nacional, a situação não é muito diferente. Minas Gerais elegeu até hoje apenas uma senadora e doze deputadas federais. Júnia Marise foi a única senadora (1991-99) e a primeira deputada federal mineira (1979-83). Dos 513 deputados federais, apenas 51 são mulheres - pouco mais de 10% da Câmara dos Deputados. E dentre os 81 senadores, apenas 12 são mulheres (6,75% do total de cadeiras do Senado).
Deputadas têm que superar preconceitos e dificuldades
As mineiras que venceram eleições e conquistaram uma cadeira na ALMG contam histórias de superação e luta contra o preconceito. Uma dessas pioneiras é Sandra Starling, deputada estadual entre 1987 e 1991 e deputada federal por Minas Gerais entre 1991 e 1998. Uma das fundadoras do PT no Estado, foi também a primeira candidata do partido ao governo de Minas, em 1982. Para ela, toda mulher precisa lutar para conseguir “um lugar ao sol”, já que tudo o que não se enquadra no senso comum de dona de casa e mãe de família oferece dificuldades. “O preconceito contra nós varia de lugar para lugar. Uma executiva sofre para chegar a esse posto. A vida sindical quase sempre nos é vedada, e a pública, mais ainda. A maioria da população, inclusive as próprias mulheres, pensa que nosso lugar é no lar”, comenta.
Duas vezes deputada federal e deputada estadual, Maria Elvira disse ter enfrentado diversas vezes preconceito por ser mulher. Segundo ela, há uma expectativa da sociedade de que as mulheres sejam sempre doces ou submissas, por isso, quando as parlamentares são mais assertivas, sempre causam estranheza. “Temos uma sensibilidade maior com relação a questões sociais que envolvem o idoso, a criança, as pessoas com deficiência, a educação. Isso não significa que as deputadas não tenham interesses nas áreas econômicas e de governo. No entanto, muitos parlamentares tentam diminuir a importância da nossa atuação por causa disso. E a própria sociedade tenta desvalorizar a nossa participação”, afirma.
'Supermulheres' - As atuais integrantes da bancada de mulheres da ALMG também tiveram que superar muitos desafios. A deputada Marília Campos (PT) enfatiza que o fato de os ambientes e espaços de poder serem dominados por homens já causa, por si só, um constrangimento às mulheres. “Nem sempre temos a solidariedade dos homens em relação a esse interesse político, de disputa pelos espaços do poder. E conciliar ser mãe, cumprir tarefas domésticas, estar no mercado de trabalho e na vida política é bastante complexo - é trabalho de uma supermulher. Mas com a solidariedade dos companheiros, com a divisão de tarefas, isso se torna possível”, afirma.
Para a deputada Rosângela Reis (Pros), um dos principais problemas em torno das candidaturas femininas é o financiamento de campanha, o que poderia ser solucionado com a adoção do financiamento público, por exemplo. “Só assim teremos mais filiadas a partidos políticos, mais candidatas e mulheres ocupando mais espaços, com maior representatividade em cargos do Executivo e do Legislativo", defende. Vereadora por dois mandatos em Ipatinga (Vale do Aço) e agora no terceiro mandato como deputada estadual, a parlamentar conta ter enfrentado grande preconceito dos colegas desde o começo. “Alguns falavam na minha cara que lugar de mulher era na cozinha. A sociedade é muito machista”, diz.
A deputada Geisa Teixeira (PT) também acredita que o meio político seja um ambiente muito masculino, no qual a mulher sente grande dificuldade em transitar. “Muitas de nós somos envolvidas com a família, o que implica falta de tempo para reuniões e viagens, que são demandas da vida parlamentar. Precisamos mostrar para as mulheres a importância de não se dedicar apenas aos filhos, mas de também participar da construção de um futuro melhor para eles”, defende.
Eleita depois de disputar duas eleições, a deputada Arlete Magalhães (PTN) cita a desigualdade no financiamento de campanha como um dos principais obstáculos que enfrentou durante sua carreira política. No entanto, com relação ao preconceito, nunca enfrentou problemas. “Garanto que as mulheres são muito ativas”, diz.
A deputada Celise Laviola (PMDB) também conta que não sofreu nenhum tipo de discriminação na sua campanha eleitoral. Mas ela garante que está atenta à necessidade de conscientização da importância da participação feminina na política. "Pretendo discutir e buscar soluções para as demandas femininas, atenta aos problemas da mulher e com um olhar isento, sem discriminações", afirma.
Cotas preveem reserva de vagas em candidaturas
Em 1997, com a Lei das Eleições (Lei Federal 9.504), foi criada a reserva de vagas para a participação feminina nos cargos proporcionais: deputado federal, estadual e distrital e vereador. Em 2009, com a Lei Federal 12.034, os partidos e coligações foram obrigados a reservar pelo menos 30% das candidaturas para mulheres. Essa lei prevê, ainda, que os partidos devem “promover e difundir a participação política feminina”, dedicando a elas o mínimo de 10% do seu tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Nas eleições de 2014, o sistema eleitoral passou a impedir o registro dos candidatos por partido caso não fosse preenchida a porcentagem mínima de 30% de candidaturas femininas prevista em lei.
De acordo com a deputada Cristina Corrêa (PT), o PT é o único partido no qual as cotas são de 50%, e mesmo assim, existe uma grande dificuldade em encontrar interessadas em se candidatar. “Temos que levar a mulher muito além, para que ela ocupe cargos historicamente masculinos. Precisamos investir em campanhas para que elas participem cada vez mais”, afirma.
Para a deputada Rosângela Reis, as cotas ainda não conseguiram resolver o problema da dificuldade de acesso das mulheres às instâncias formais de representação. “Não conseguimos alcançar o mínimo de 30% de candidatas femininas, o que leva ao registro de 'candidaturas-laranjas', e isso é lamentável”, diz. A deputada Geisa Teixeira também acredita que as cotas só existem no papel, e que é preciso trabalhar para legitimá-las.
Apesar das críticas às cotas, desde seu surgimento houve aumento no número de parlamentares mulheres. Em 2014, antes das eleições, o ranking da UIP apontava o Brasil em 124º lugar. Após a campanha eleitoral, o País subiu sete posições. Além disso, o número de deputadas federais aumentou de 45 na última legislatura para 51 atualmente. O mesmo vale para o Senado, onde antes havia 10 e agora há 12 senadoras.
Expectativa é de que ciclo de debates aponte caminhos
Em seu primeiro mandato na ALMG, a deputada Ione Pinheiro (DEM) acredita que o Ciclo de Debates Reforma Política, Igualdade de Gênero e Participação será uma oportunidade para ouvir as demandas das mulheres mineiras e apresentar propostas para estimular a participação feminina na política. “Já apresentamos à Mesa da Assembleia a proposta de criação de uma comissão especial para discutir a participação da mulher na política. Acredito que ela esteja instituída o mais breve possível”, informa a parlamentar.
Além disso, a bancada de mulheres quer que o ciclo de debates vá além das tradicionais homenagens pelo Dia Internacional da Mulher e seja também um momento de reflexão. “Queremos estender esse debate para o ano todo, com a participação das cidades do interior do Estado, por meio de audiências públicas”, espera a deputada Geisa Teixeira.
A deputada Marília Campos acredita que essa mobilização ajuda na formação política das mulheres. “Temos que elaborar políticas públicas que promovam a inclusão das mulheres. Elas precisam trabalhar, precisam de escolas e creches para deixar seus filhos”, afirma. A parlamentar reforça ainda a importância de mudanças que possam garantir melhores condições para a atuação política das mulheres. “A melhor proposta de reforma política é aquela em que vai estar contemplado o voto em lista, com 50% de candidaturas femininas e garantia de alternância. Assim, poderemos enfrentar o problema das candidatas-laranjas”, defende.
ALMG estimula igualdade de gêneros
Além da realização do ciclo de debates, a ALMG tem desenvolvido diversas iniciativas para aumentar a participação das mulheres na política. Uma dessas ações é a campanha #MaisMulheresNaPolitica, que tem o objetivo de estimular esse debate nas redes sociais. A ALMG está presente no Facebook, no Twitter e no YouTube.
Em 2013, foi aprovada a Lei 21.043 (ex-Projeto de Lei 2.580/11, do ex-deputado Pompílio Canavez, do PT), que estimula a igualdade entre os gêneros e impõe sanções a empresas que praticarem atos de discriminação contra a mulher.
Também está em tramitação na ALMG a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/15, que altera a Constituição Estadual de modo a garantir a ao menos uma vaga para mulheres na composição da Mesa da Assembleia. Essa proposta tem como primeira signatária a deputada Arlete Magalhães e assinaturas de outros 37 parlamentares.
Brasileiros querem mulheres na política
Pesquisa feita em 2009 pelo Ibope com o apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República constatou o apoio da população à participação da mulher na política. Os resultados revelam que 83% dos brasileiros concordam com a ideia de que a presença de mulheres no poder melhora a política; 75% admitem que só há democracia, de fato, se elas estiverem nos espaços de poder; e 73% confirmam que a população brasileira ganha com a eleição de um maior número de mulheres.
A pesquisa também revela a predisposição de nove entre dez brasileiros de votar em candidatas mulheres. Para 59% dos entrevistados, a possibilidade de voto em mulheres não tem restrições, ou seja, votariam para qualquer cargo. Dentre os que selecionam cargos, o de prefeita é o mais indicado (26%), seguido de vereadora (16%) presidente da República (14%) e governadora (14%).