Peruaçu traz esperança de dias melhores para Itacarambi
Município às margens do Rio São Francisco se prepara para receber turistas atraídos por abertura de parque nacional.
Itacarambi, no Norte de Minas, é uma dessas cidades em que o tempo parece passar mais devagar. O calor, mesmo em época de frio, e as paisagens, típicas do sertão, bem que poderiam ter sido cenário das andanças de Riobaldo e Diadorim, de Grande Sertão Veredas, romance do consagrado escritor mineiro Guimarães Rosa. Para quem chega de fora, o bucolismo é acolhedor, mas para quem vive lá, o desafio é dar mais destaque àquele pequeno ponto no mapa de Minas Gerais, às margens do Rio São Francisco, quase na divisa com a Bahia. E parece que o dia em que isso vai finalmente acontecer está cada vez mais próximo.
O parque possui 144 cavernas já catalogadas em seus mais de 56 mil hectares. |
Distante 658 quilômetros de Belo Horizonte, Itacarambi é a cidade mais próxima da entrada do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, a apenas 15 quilômetros da sede do município. A unidade de conservação foi criada pela União ainda em 1999, mas somente em janeiro de 2015 deve ser aberta à visitação turística. Esse valioso patrimônio geológico, arqueológico e da biodiversidade é daquelas riquezas brasileiras que, curiosamente, parecem ser mais conhecidas e valorizadas no exterior do que em nossa terra. Tanto que o parque recebe rotineiramente, sob supervisão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), expedições de pesquisadores do mundo todo, interessados sobretudo nas 144 cavernas já catalogadas em seus mais de 56 mil hectares.
Não bastasse isso, Itacarambi está em posição estratégica para aproveitar essa bem-vinda “invasão” dos turistas. Ela é o epicentro de um polígono com outros sete parques estaduais – Veredas do Peruaçu, Lagoa do Cajueiro, Verde Grande e, um pouco mais distantes, Caminho dos Gerais, Serra dos Montes Altos, Serra Nova e Montezuma – e mais um federal, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, na divisa com Bahia e Goiás. Este último é uma homenagem direta ao sertão do “tudo incerto, tudo certo, do luar que põe a noite inchada”, para lembrar da definição cunhada por Guimarães Rosa. E ainda há o São Francisco, o “Velho Chico”, rio da integração nacional que, mesmo castigado pela estiagem dos últimos meses, ainda não perdeu sua majestade.
A perspectiva real de abertura da visitação turística do parque já transformou o clima em Itacarambi. Lideranças do município e os moradores mais atentos esperam dias melhores para a região. Mas há o outro lado da moeda. Citando Guimarães Rosa mais uma vez, escritor que imortalizou o sertão mineiro, são as tais “invenções de medo, medo que tonteia primeiro, depois esvazia, e já principia com um grande cansaço”. O temor em Itacarambi é que a cidade e seus cidadãos não estejam preparados para usufruir da visibilidade repentina que o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu dará à cidade. Já pensando nisso, Itacarambi foi uma das cidades contempladas pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no projeto Cidadania Ribeirinha.
IDH - O Cidadania Ribeirinha, que integra o Direcionamento Estratégico da ALMG, contempla populações de 12 localidades de quatro municípios mineiros banhados pelo Rio São Francisco, todas no Norte de Minas: Itacarambi, Manga, Matias Cardoso e Pedras de Maria da Cruz. Em comum entre eles, uma característica que dá a dimensão do temor de que a abertura do parque não represente uma mudança para melhor na vida dos cidadãos de Itacarambi. Essas quatro cidades foram escolhidas pela Assembleia justamente por apresentarem os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as cidades banhadas pelo São Francisco em Minas Gerais. Sem a infraestrutura necessária e com trabalhadores pouco qualificados, o trem do progresso pode passar direto, sem parar por Itacarambi.
Nesse contexto, Itacarambi recebeu, nos últimos dias 15 e 16 de maio, o Seminário de Turismo Sustentável do Cidadania Ribeirinha, mais uma tentativa de sensibilizar autoridades, representantes de entidades da sociedade civil e cidadãos da região para a necessidade de planejar e desenvolver ações voltadas para esse negócio. Paralelamente, até dezembro o Cidadania Ribeirinha também oferece, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), 40 cursos com foco em turismo e ainda em atividades agrícolas, pastoris, agroindustriais e de promoção social. A capacitação busca beneficiar 500 moradores dos quatro municípios contemplados.
Em Itacarambi, a preocupação com os preparativos para a abertura do parque começa pela Prefeitura. O prefeito Ramon Campos, um dos participantes do Seminário de Turismo Sustentável, sabe bem que agora, com a data marcada para o início da visitação turística, não há tempo a perder. “Essa é uma oportunidade que bate às nossas portas e não estamos dando o valor que a questão merece. A beleza do parque chama a atenção do Brasil e do mundo inteiro”, avalia. Neste mês de junho, o prefeito deve receber uma comitiva de executivos do primeiro escalão de uma multinacional dispostos a conhecer melhor o potencial turístico do parque. Na pauta do encontro estão parcerias para promover a divulgação nacional e internacional da atração.
“Cabe a nós, poder público, como o próprio nome diz, desenvolver políticas públicas para reverter isso para a população. Corremos o risco de ver os turistas chegarem no aeroporto de Montes Claros, embarcarem em uma van, visitarem o parque e depois irem embora direto para o aeroporto. Temos que criar as condições para que eles também visitem nossa cidade, participem de nossas festas, aproveitem o potencial turístico do nosso rio”, defende Ramon Campos, ao discursar na abertura do evento.
Aquário - Entre as obras necessárias para isso, segundo o prefeito, estão melhorias na infraestrutura às margens do rio, com a construção de um novo acesso – um porto improvisado serve de ponto de apoio às pequenas embarcações que fazem a travessia da população ribeirinha –, e a melhoria de serviços, como a coleta e o processamento do lixo. A precariedade de ligação entre as duas margens do São Francisco e com outras cidades da região é outra queixa. Sobram críticas até para a Copa do Mundo. “Os bilhões que foram gastos em estádios davam para fazer com sobra todas as pontes que precisamos. E elas durariam séculos, não seriam usadas apenas em um mês”, aponta Ramon Campos.
Já pensando no crescimento do fluxo de turistas, a Prefeitura de Itacarambi tem um projeto para a construção de um aquário com espécies nativas do Rio São Francisco, semelhante ao que já existe na Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte, e outro para o asfaltamento de todas as ruas da região central da cidade. O Centro de Itacarambi ainda guarda alguns imóveis de valor histórico e hoje todas as ruas são de calçamento. O prefeito justifica as ações: “Temos que fazer tudo o que pudermos para atrair os visitantes e, de quebra, promover a preservação do rio”.
Itacarambi parece já ter vivido dias melhores. Durante seu pronunciamento aos convidados do Seminário de Turismo Sustentável, o prefeito lamentou ainda que atualmente sejam consumidos em Itacarambi espécies como tilápia e merluza, oriundos de criatórios no Pantanal, e não mais os dourados e surubins de dez quilos, pescados no São Francisco, que já fizeram a fama da região. Curiosamente, além do parque e do rio, a maior “atração” da cidade hoje é a fábrica de uma conhecida marca de condimentos.
Especialista aposta em potencial turístico do Peruaçu
Aline Magalhães é analista técnica do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para a microrregiao de Januária, cidade vizinha a Itacarambi, e dá a dimensão exata do potencial turístico do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e do desafio que já se impõe à cidade com a iminência da abertura da visitação. “Não me considero uma pessoa religiosa, mas em um lugar como o Janelão (maior gruta e principal atração), a gente se sente pequeno e mais perto de Deus”, exemplifica. E arremata: “Itacarambi, como as outras cidades da região, não estão preparadas para tudo o que está por vir”.
Com a experiência de quem já visitou o parque e entende de turismo, ela aposta que o parque, se bem estruturado, vai se firmar rapidamente como uma das principais atrações de turismo ecológico do Brasil. Por isso, defende que o fluxo de visitantes seja limitado inicialmente – atualmente apenas pesquisadores têm acesso após análise do pedido pela direção do ICMBio –, com o aumento progressivo até para dar mais tempo para que as cidades da região tomem providências. Há cerca de dez anos o Sebrae promoveu a capacitação dos moradores da região já com a expectativa de abertura do parque, que não se confirmou. A expectativa de dinheiro rápido e a frustração que ficou desde então, segundo ela, agora atrapalha a mobilização.
Mas ainda bem que o parque não abriu naquela época, conforme avalia Aline Magalhães. “Se o parque abrisse dez anos atrás, estaríamos ainda mais despreparados para receber os turistas. Mas de uma hora para outra esse fato vai se consumar, Itacarambi vai ficar famosa e vai vir gente de fora, mais preparada, para aproveitar as oportunidades que vão se abrir. A maioria das pessoas daqui não está apta nem para ser funcionário, quanto mais para ser dono do próprio negócio”, lamenta. De acordo com ela, esse movimento já começou, e é visível na especulação imobiliária com a compra de terrenos em comunidades rurais como Fabião I (Januária) e Fabião II (Itacarambi) – as mais próximas do parque e separadas apenas pelo Rio Peruaçu – para a instalação de pousadas e restaurantes.
Segundo Aline Magalhães, ainda dá para reagir. “Esses moradores têm pelo menos que saber o que está para acontecer. A maioria deles não conhece a dimensão do parque e não dá a devida importância”, diz a especialista, que também participou do Seminário de Turismo Sustentável promovido em Itacarambi pela Assembleia de Minas. Lá, ela citou dois exemplos de cidades que devem servir de parâmetro para ações na região: Cabeceiras, no sertão da Paraíba, e Lima Duarte, na Zona da Mata mineira. O primeiro aproveitou os baixíssimos índices pluviométricos para se transformar em um pólo de produções cinematográficas – a mais famosa delas “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes – e, por tabela, de turismo. O segundo soube se organizar e reagir à invasão de especuladores interessados no dinheiro dos turistas que visitam o Parque Estadual do Ibitipoca.
Querência - Sobre as oportunidades que o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu deve abrir para Itacarambi, Aline Magalhães tem até um termo curioso para definir qual deve ser o sentimento da comunidade: querência. “Há várias instituições com instrumentos para ajudar os moradores a se desenvolver, mas é preciso querência. De nada adianta ter recursos disponíveis se as pessoas não querem se desenvolver, se não querem trabalhar juntas. No turismo, as agências, o setor hoteleiro, os guias, restaurantes, ninguém trabalha sozinho. Quem já estiver na frente deve parar e chamar quem está la atrás. Quem está atrás precisa acelerar o passo para acompanhar quem está na frente. As cidades da região estão apenas começando a trabalhar em conjunto”, aponta.
Durante o seminário, ela perguntou às cerca de 500 pessoas presentes quem já conhecia as atrações do parque. Somente alguns levantaram a mão. “O Parque do Peruaçu é apenas a porta de entrada da nossa região. Se alguém ainda tem dúvidas de que o turismo vai mesmo se desenvolver por aqui, que visite o Peruaçu. O turista que pode vir para Itacarambi não está atrás de luxo, embora venha com muito dinheiro. Não precisamos ter vergonha de ganhar esse dinheiro, pois tudo o que ele quer é provar da nossa comida regional e ter uma boa cama para dormir. E independentemente de ser dono ou funcionário, é preciso trabalhar com qualidade. Se Itacarambi não oferecer isso, outros vão oferecer”, alerta.
No roteiro dos turistas, Gruta do Janelão é de perder o fôlego
Não há dúvidas de qual será a principal atração do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu quando for aberta sua visitação turística, prevista para janeiro de 2015. Será a Gruta do Janelão, que leva esse nome em virtude do grande buraco no teto do maior de seus salões, a Dolina dos Macacos. Uma dolina é o resultado do desabamento do teto rochoso ao longo do processo de formação das milhares de cavernas encontradas atualmente no território brasileiro, parte dele coberta por um mar interior há milhões de anos.
E contemplar a beleza da Gruta do Janelão pela primeira vez, a despeito do seu valor geológico e arqueológico, acaba por se transformar mesmo em uma experiência transcendental. Para tentar descrever a experiência, imagine percorrer uma trilha na mata fechada e, depois de alguns minutos, sem aviso, se deparar com uma abertura de cerca de 100 metros nos grandes maciços de calcário da região, a exemplo da entrada de uma imensa catedral.
Essa emoção já virou rotina para Ademir Nunes Vassalo, o “Miquinha”, presidente da associação de guias da região. Morador da comunidade de Fabião I, ele conta que desde criança visita a área do parque, primeiro levado pelo avô, um antigo raizeiro da região, já falecido. Depois, como empregado das fazendas que existiam ali. Há seis anos, com a perspectiva de abertura do parque, participou da mobilização que levou à criação da associação de guias e, desde então, ao menos três vezes por mês conduz os grupos cujo acesso é autorizado pelo ICMBio.
Testemunha do potencial de gerar renda do parque – cobra R$ 100 para guiar um grupo de até oito pessoas ao longo de um dia –, ele luta para convencer amigos e vizinhos da comunidade a percorrer as mesmas trilhas. “Até hoje sempre tem alguém que me vê chegando de volta e pergunta debochado: levou mais alguns bestas para ver pedra?”, conta, sem segurar o riso. O próprio filho, de 18 anos, preferiu ir para Montes Claros trabalhar em uma empresa de ônibus do que virar guia no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
Roteiros - Água, repelente, roupas e calçados apropriados são os itens essenciais para percorrer os seis roteiros previstos para serem abertos ao público no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. No primeiro deles, Janelão/Lapa do Boquete, para ser percorrido com calma em cerca de três horas, a primeira parada é justamente para apreciar um dos mais de 80 sítios arqueológicos e pinturas rupestres que compõem o acervo dessa unidade de conservação.
O nome – que, envergonhados, os moradores da região se recusam a pronunciar – faz referência a uma das pinturas na rocha, que simbolizam um ato sexual entre os primeiros habitantes das Américas, evidências humanas que remontam a 11 mil anos. Os demais roteiros previstos são Janelão/Lapa do Índio e Lapa Bonita, Janelão/Gruta do Janelão, Janelão/Lapa dos Desenhos, Casa do Silu/Lapa do Caboclo/Lapa do Carlúcio e Casinha do Rezar/Lapa do Rezar.
E a entrada da Gruta do Janelão é apenas o início da aventura. Para continuar a exploração, basta seguir caverna adentro, no sentido contrário às águas do Rio Peruaçu, afluente do São Francisco, que nasce a dezenas de quilômetros dali, no Parque Estadual Veredas do Peruaçu, em Januária. No processo de formação da Gruta do Janelão, o Rio Peruaçu teve seu curso natural fechado por um desses maciços de calcário e, com o tempo, a ação erosiva das águas foi esculpindo a rocha, em busca de uma saída.
Dali, o Rio Peruaçu corre sinuoso por 4,5 quilômetros dentro da Gruta do Janelão. E não dá nem para piscar os olhos. Ainda no caminho, o guia chama a atenção para os rastros de um felino, uma onça jovem ou uma jaguatirica, que indicam que o ser humano não é o único interessado nas águas do Rio Peruaçu que cortam a Gruta do Janelão. Da extensão total da gruta, aproximadamente dois quilômetros são na parte escura, de difícil acesso, que garantem o clima de mistério da atração.
Perna da Bailarina - Antes desse trecho inacessível é possível contemplar o mais ilustre dos espeleotemas encontrados no Parque. Trata-se da Perna da Bailarina, considerada a maior estalactite do mundo, com 28 metros. Espeleotemas são formações rochosas originadas pela dissolução de minerais e sua recristalização em níveis inferiores no teto, paredes e chão das cavernas. Os mais comuns são as estalactites (que descem do teto), estalagmites (que sobem do chão) e as colunas (a junção das duas). Segundo especialistas, as estalactites e estalagmites crescem de seis a 25 milímetros por século, o que dá para ter uma ideia da importância da preservação da Perna da Bailarina. Uma conta simples indica que ela começou a se formar há pelo menos 1.120 anos.
Na volta, ainda é possível contornar toda a Gruta do Janelão e vislumbrar a Perna da Bailarina do alto, em um mirante esculpido na rocha. E o carro que consegue chegar bem perto da trilha de acesso da Gruta do Janelão, agora tem dificuldades para vencer uma precária estrada de terra, antigo caminho de uma fazenda, que dá acesso ao mirante e ainda precisa ser melhorado antes da chegada dos turistas.
É por essa mesma estrada que passa, sem aviso, o estouro de uma boiada desgarrada, segundo nosso guia algo ainda comum no parque. O dono será avisado para mandar recolher os animais. Apesar das desapropriações que o criaram, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu ainda faz divisa com muitas propriedades rurais, embora a convivência seja na maior parte do tempo pacífica.
Regularização fundiária atrasou abertura da visitação
O acesso ao Parque Nacional Cavernas do Peruaçu é pelo km 155 da MG-135, bastando seguir a sinalização a partir da comunidade de Fabião I, nas duas margens da estrada, na divisa dos municípios de Januária e Itacarambi. O asfalto termina justamente na pequena casa que abriga a sede administrativa do parque, ocupada pelo escritório do ICMBio. Dali para frente o acesso é por estrada de terra em meio aos três biomas que compõem a região: cerrado, caatinga e mata atlântica, que na região é mais conhecida como mata seca.
Toda a área é resultado da incorporação de antigas fazendas e por todo lado ainda são visíveis restos de cercas, porteiras e outras estruturas semelhantes. A sede de uma fazenda desapropriada, por exemplo, será transformada em centro de visitantes. Uma casa de vaqueiro, por sua vez, será um ponto de apoio para quem for conhecer a Gruta do Janelão.
A regularização fundiária do parque explica em parte tanta demora na abertura da visitação turística, conforme esclarece o gerente do ICMBio para o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Evandro Pereira da Silva. Durante o Seminário de Turismo Sustentável da ALMG, ele garantiu que todos os entraves foram superados ao longo dos últimos 12 anos e previu a abertura para janeiro de 2015. Segundo ele, a área do parque está dividida entre os municípios de Itacarambi, Januária e São João das Missões, e integra uma rede de 310 unidades de conservação federais.
No caso do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, o mais interessante é que ele se emenda com outras áreas protegidas, como o Parque Estadual Vereadas do Peruaçu, a Reserva Indígena dos Xacriabás e o restante da Área de Proteção Ambiental (APA) do Peruaçu, o que dá melhores condições de preservação de espécies ameaçadas encontradas na região. Estão nesta lista grandes felinos como a onça pintada, a onça parda, o gato maracajá e o gato palheiro, como é mais conhecida a jaguatirica.
História - De acordo com Evandro, a história do parque começou ainda em 1997, graças a uma medida de compensação ambiental imposta a uma montadora de veículos, que bancou financeiramente a regularização fundiária dessa unidade de conservação de preservação integral. É essa mesma empresa que agora, passadas todas as desapropriações, a maioria amigável, está bancando a montagem da infraestrutura de visitação turística.
No rol das obras estão a reforma de estradas de acesso e trilhas, construção de acessos como escadas e corrimões, sinalização e sistemas de abastecimento de água e coleta de esgoto e lixo – tudo com o menor impacto possível. Durante a visita da reportagem, a presença de dezenas de operários e o tráfego incessante de caminhões e tratores dava a ideia do ritmo do trabalho. A gestão dos serviços contratados para as obras de infraestrutura está sob coordenação do Instituto Ekos Brasil, tudo sob a supervisão direta do ICMBio.
A sensação do gerente do parque é de dever cumprido. “Finalmente tenho uma resposta para a pergunta mais frequente que recebi nos últimos anos: quando o parque vai abrir? A obra começou no ano passado e nossos planos eram aproveitar a Copa do Mundo, mas o cronograma atrasou e ficou para a virada do ano. Os municípios devem pensar nesse prazo e começar a trabalhar”, adverte.
Por parte do ICMBio, no projeto de gestão estão previstas iniciativas como o intercâmbio de ações com os indígenas da Reserva Xacriabá. E na mesma semana que aconteceu o Seminário de Turismo Sustentável da ALMG estava em andamento um curso para brigadistas reunindo representantes de todas as comunidades em volta do parque, inclusive indígenas, que atuarão no período de maior risco de incêndios, entre junho e novembro.
Plano de Manejo - As obras seguem rigorosamente o Plano de Manejo, elaborado por especialistas ainda em 2005 para garantir a preservação do parque. Nele estão previstos, por exemplo, onde serão instaladas as estruturas – trilhas, corrimãos e plataformas – que permitirão a visitação de turistas de todas as idades. No documento estão também os roteiros que serão oferecidos aos visitantes.
“Até então o parque não tinha infraestrutura de segurança para o visitante e para o patrimônio. Agora já é uma realidade em termos de infraestrutura de visitação. O parque não vai resolver todos os problemas dos municípios, mas vai contribuir para dar mais visibilidade à região. Estamos abertos a parcerias com os municípios para tentar enriquecer os roteiros de visitação”, destaca Evandro Silva.
O otimismo de Evandro só não é o mesmo quando o assunto é o Rio Peruaçu, em cujo vale está situado o Parque Nacional. “Já são vários pontos cortados (interrompidos) do rio desde sua nascente. Ele nasce no parque estadual, passa pelo parque nacional e cada vez menos água chega ao Rio São Francisco. Se a calha (tamanho do leito) diminui cada vez mais, como falar em preservação do São Francisco?”, questiona.
Com os visitantes, novas oportunidades de geração de renda
Em terra de cegos, quem tem um olho é rei. O ditado popular se aplica bem à ex-vereadora, ex-secretária municipal e agora empresária do turismo Késcia Silvino Dourado Madureira. Entre os moradores de Itacarambi, é difícil encontrar alguém mais entusiasmado com a abertura da visitação turística do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. Diante da falta de opções de hospedagem mais próximas do parque, foi dela a iniciativa de organizar algumas famílias em um receptivo familiar que já consegue receber até 70 visitantes simultaneamente. A falta de luxo, segundo ela, é compensada por um atendimento acolhedor e a oportunidade de vivenciar o modo de vida do interior mineiro.
“É tudo questão de organização. Se a comunidade se envolver, pode crescer junto com a abertura do parque”, afirma Késcia, que já planeja voos maiores. Ela largou tudo e se mudou da sede de Itacarambi para uma propriedade na comunidade de Fabião II, dentro da APA do Peruaçu, às margens do rio de mesmo nome, mais perto dos limites do parque até mesmo do que o ICMBio. Por largar tudo entenda-se a carreira política, os filhos – que moram e estudam em Montes Claros – e até a administração do único posto de gasolina de Itacarambi.
“Tenho paixão por isso. Gosto de gente e essa é minha vida agora”, resume Késcia. Ela já produz queijos e já deu um toque pessoal à casa antiga, que tem cinco quartos e capacidade para receber 15 pessoas. Na nova reforma que deve começar em breve, a futura Pousada Recanto das Pedras ganhará mais cinco apartamentos.
Segundo Késcia, a ideia de receber hóspedes na comunidade surgiu da necessidade específica de grupos, a maioria de pesquisadores, que pediam autorização ao ICMBio para visitar o parque. Até agora, a “diária”, com direito a café da manhã, é de R$ 50 por pessoa, tanto na casa dela quanto em outras seis casas da comunidade. A partir da abertura da visitação turística do parque, ela espera estar com a infraestrutura da nova pousada pronta e incrementar tanto a oferta de serviços quanto os lucros para justificar o investimento. “Com estímulos, o povo daqui só tem a ganhar. As cavernas são lindas, as casas são lindas. Quem vem com certeza vai querer voltar”, afirma.
Economia - A abertura iminente do parque nacional promete também movimentar outros setores da economia de Itacarambi. Essa é a esperança de Edilce Caires Rodrigues, a “Dona Nininha”, 68 anos; e Anadina Ferreira do Nascimento, a “Dona Dina”, 66 anos. A primeira é presidente da Associação dos Artesãos de Itacarambi, com cerca de 40 associados; e a segunda é vice-presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Itacarambi, com cerca de 150 associados. Em comum, os sonhos com melhores oportunidades de negócios após a abertura da visitação turística do parque.
“Nos unimos para fazer o que sozinhos a gente antes não conseguia. Nossa expectativa continua sendo a mesma de 1999, quando falaram que o parque iria abrir: gerar mais renda para quem mais precisa. Se isso acontecer, vamos poder mostrar nosso artesanato para pessoas de todo o Brasil”, lembra Dona Nininha.
Curiosamente, Dona Nininha associa a demora na implementação do parque a um episódio trágico pouco lembrado da história de Itacarambi, um tremor de terra na região, que provocou a única morte desse tipo já registrada no Brasil. Foi na comunidade rural de Caraíbas, no dia 9 de dezembro de 2007, quando um tremor de 4,9 graus na Escala Richter matou uma menina de cinco anos devido ao desabamento da parede do quarto onde ela dormia. Pelo mesmo motivo, outras cinco pessoas ficaram feridas.
Já para Dona Dina não tem terremoto que possa atrapalhar os planos dos pequenos produtores rurais de Itacarambi. Segundo ela, bem mais danosos são a burocracia na hora de vender seus produtos para a merenda nas escolas ou a falta de um simples despolpador de frutas, por exemplo, que faz com que boa parte da produção se perca antes de ser comercializada. Outro problema é a degradação do Rio Peruaçu. “Se você preserva o meio ambiente, ele cuida de você. Muita gente depende dessa água”, aponta.
Durante o Seminário de Turismo Sustentável da ALMG, o vereador de Itacarambi Adenauer de Oliveira Vandollinnger entregou aos deputados estaduais um relatório preliminar de uma expedição até a nascente do Rio Peruaçu, passando pelo trecho no parque nacional, que reuniu representantes de 76 entidades. Segundo ele, devido à degradação, a nascente original já secou e agora está distante 15 quilômetros. E uma nova ameaça está à espreita, já que uma empresa especializada na exploração da madeira de eucaliptos planeja plantar 23 mil hectares dessa espécie, que não é nativa do cerrado.
Educação - E não apenas na zona rural a perspectiva de abertura do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu reforça a expectativa de dias melhores em Itacarambi. É o caso da professora de História Lilia Gabriela Cangussu, que ajudou a mobilizar uma turma para o curso de turismo rural promovido pelo Senar, dentro da programação do projeto Cidadania Ribeirinha. A intenção é que tudo o que for aprendido possa ser multiplicado com seus alunos na sala de aula. Há quatro anos, ela se mudou para Itacarambi e espera que o desenvolvimento da cidade, acelerado com a abertura do parque nacional, represente também o seu crescimento pessoal.
“É imprescindível contar com o apoio das escolas e dos jovens neste engajamento no turismo voltado para o uso do meio ambiente de forma sustentável. Por isso, precisamos de um plano de turismo para a cidade, que tem um grande potencial ainda não explorado. Eu escolhi morar aqui e quero que meus filhos tenham melhores oportunidades”, destaca Lilia.
Essa também é, em essência, a lógica do Cidadania Ribeirinha e da política de interiorização da Assembleia de Minas, de olho em outras cidades como Itacarambi, que já têm as ferramentas para fomentar o desenvolvimento dos seus cidadãos, mas ainda precisam de um pequeno empurrão. “É uma ideia de máxima capilaridade que estamos desenvolvendo, chegando a regiões extremas de Minas Gerais, como é o caso de Itacarambi. Antes diziam por aqui que a Assembleia só chegava até Montes Claros. Isso não é mais verdade”, afirma Léo Noronha, um dos organizadores do Cidadania Ribeirinha.
“Por meio da educação estamos promovendo a cidadania e combatendo essa ideia errada de que o prefeito manda sozinho. O Poder Legislativo dá voz aos cidadãos, e temos enfatizado isso no Cidadania Ribeirinha. O comando politico é necessário para a sociedade evoluir”, define.