Aluna do Cidadania Ribeirinha e moradora de Manga, Eva Ramos Martins compartilha sua história de vida e memórias do São Francisco
Para preservar as tradições, Florisvalda ensina crochê e o artesanato feito da fibra da bananeira e da taboa
Membro da Acremam, Pedro Ramos Filho, conta que 300 vassouras são fabricadas por mês

Ações em Manga buscam estimular a preservação ambiental

Incentivada pelo Cidadania Ribeirinha, população se mobiliza para preservar o São Francisco e a cultura local.

Por Mayara Caldeira
09/09/2013 - 17:03

O assoreamento, o uso de agrotóxicos e a pesca predatória são alguns dos fatores que geram a degradação do Rio São Francisco. Para minimizar esses danos e estimular a preservação ambiental, a participação das comunidades ribeirinhas é fundamental. Por esse motivo, o projeto Cidadania Ribeirinha da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) capacita a população para promover a preservação ambiental e a recuperação da história do Velho Chico por meio da realização de cursos, seminários e palestras.

Uma dessas colaboradoras ainda tem viva na memória lembranças bem diferentes do São Francisco. Moradora de Manga (Norte de Minas) desde a década de 1960 e aluna do projeto, Eva Ramos Martins nasceu em Carinhanha (BA), município também banhado pelo rio. Mudou-se ainda jovem para Minas Gerais e, durante toda a vida, acompanhou a família de pescadores e a abundância de peixes. Ela própria, também pescadora, lembra de suas experiências e de como era fácil pescar naquela época.

Hoje, como integrante da Associação dos Pescadores de Manga, Eva acompanha as reclamações dos pescadores sobre a contaminação do rio e a inserção de peixes exóticos, que não são nativos do São Francisco. “A gente vê o rio morrendo e, com isso, encontramos cada vez mais peixes mortos”, lamenta a moradora, ao citar também com saudades os passeios realizados pelo Velho Chico no barco a vapor e na lancha-ônibus, embarcações já desativadas.

No Cidadania Ribeirinha, Eva compartilha sua história de vida e as lembranças de um cenário mais próspero. Surge, assim, um intercâmbio de informações entre os participantes que tem como objetivo, segundo o gestor do projeto, Márcio Santos, resgatar a memória da cultura ribeirinha. Nesse sentido, uma das atividades já realizadas pela turma foi a identificação de atividades ligadas ao São Francisco, como os torneios náuticos e as corridas de canoa, realizadas há cerca de 30 anos.

Além do resgate da história, outra iniciativa é manter vivas as tradições relacionadas ao artesanato. Essa atividade é promovida pela integrante da Associação pela Valorização da Mulher de Manga (Amavam), Florisvalda José da Silva. Ela conta que aprendeu a fazer crochê aos 13 anos e ainda repassa o aprendizado. “Ensinei para muita gente, já nem lembro para quantas pessoas. Se eu não ensinar, quem vai saber fazer crochê?”, questiona.

Segundo Florisvalda, a associação, que possui 32 integrantes, tem buscado desenvolver o artesanato com o uso de matéria-prima local, como a fibra de bananeira e da taboa, encontradas com abundância na região. Essa é uma forma, segundo ela, de reaproveitar o que não era utilizado, como os troncos da bananeira que eram jogados fora. Como próximo passo, ela quer aprender a trabalhar com frutos e sementes do cerrado, como jatobá, mucunã e as cascas do coqueiro.

Mais do que permitir a preservação cultural, o artesanato com a utilização de matéria-prima local, na opinião do chefe regional do Instituto Estadual de Florestas (IEF) em Januária (Norte de Minas), Mario Lúcio dos Santos, tem ainda outra importância: a geração de renda de forma sustentável. Por isso, ele considera que essa é uma forma extremamente viável de utilização da biodiversidade de forma racional. Além do artesanato, Mário Lúcio defende que as comunidades tradicionais invistam na produção das chamadas sementes crioulas, ou seja, sementes que não passaram pelo melhoramento genético.

Reciclagem reduz lixo jogado no rio

Outra iniciativa que tem o objetivo de preservar o São Francisco é realizada pelo aluno do Cidadania Ribeirinha e membro da Associação de Catadores e Recicladores de Manga (Acreman), Pedro Ramos Filho. Ele conta que a associação coleta, por mês, cerca de 2 mil garrafas pets no município. Como resultado, o plástico que iria para o lixo é reutilizado e transformado em 300 vassouras. De forma geral, Pedro explica que são quatro etapas para a transformação do material: primeiro, o fundo da garrafa é retirado. Depois, o plástico é desfiado e levado ao fogo. Por último, a vassoura é montada.

As vassouras são utilizadas pela própria comunidade e por órgãos públicos de diversos municípios da região, como Manga, Matias Cardoso, Miravânia e São João das Missões, todos no Norte de Minas. Feliz com o sucesso das vassouras, o catador apenas lamenta a grande quantidade de plástico que é retirada do rio. "A vassoura é muito resistente, essa é uma coisa que nós aprendemos muito bem. Mas nosso rio está poluído, as garrafas descem e ficam alojadas dentro do capim", diz.

O trabalho realizado por Pedro, além de ser uma alternativa para a diminuição do lixo em Manga, pode ainda servir de inspiração para outras comunidades. Segundo o gestor Márcio Santos, embora as comunidades estejam localizadas na mesma região, muitas vezes os seus moradores não têm a possibilidade de transitar e conhecer soluções encontradas por municípios vizinhos, por motivos econômicos e geográficos. Para mudar esse cenário, ele conta que o projeto está promovendo a troca de informações entre as comunidades. “Queremos fazer circular esse conhecimento e, assim, colaborar na busca de alternativas de solução para o problema dos resíduos sólidos, que atinge toda a região”, disse.

Cidadania Ribeirinha – Promovido pela ALMG, o projeto tem como objetivo a revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a redução da pobreza e da desigualdade nas comunidades ribeirinhas, além da proteção ao patrimônio cultural local. Contempla populações de 12 localidades de quatro dos municípios no Norte de Minas: Itacarambi, Manga, Matias Cardoso e Pedras de Maria da Cruz, municípios escolhidos por apresentarem o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as cidades banhadas pelo rio.