Na reunião, o panorama hídrico e a gestão desses recursos na região foram considerados modelos para o Estado e o País
Marcelo Guimarães falou sobre o desperdício de água no País
Os participantes do seminário em Uberlândia analisaram e votaram as propostas

Planejamento é receita do Triângulo Mineiro para salvar rios

Seminário reforça quadro positivo dos recursos hídricos na região, onde desafio é garantir crescimento sustentável.

20/08/2015 - 15:34 - Atualizado em 20/08/2015 - 18:38

A crise hídrica que assola o planeta ameaça trazer a luta pela água das telas do cinema para o mundo real. Só em Minas Gerais existem, atualmente, 56 pontos de potencial conflito hídrico. No mundo real, a diplomacia é o caminho para se evitar conflitos. Essa também tem sido a receita adotada no Triângulo Mineiro, onde estão cinco desses pontos de conflito - três deles em Uberlândia, que sediou nesta quinta-feira (20/8/15) o nono encontro regional do Seminário Legislativo Águas de Minas III - Os Desafios da Crise Hídrica e a Construção da Sustentabilidade, organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O panorama hídrico e a gestão desses recursos na região podem ser considerados modelos para o restante do Estado e do País, segundo avaliação do diretor de Gestão das Águas e Apoio aos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Breno Esteves Lasmar. “Os pontos de conflito são locais onde a demanda é maior do que a capacidade de outorga. Para isso, os CBHs entram em ação, negociando com os envolvidos para que não seja comprometido o abastecimento humano. É firmado um Pacto de Alocação Negociada para que todos possam ser de alguma forma contemplados”, explicou.

“Na maioria das vezes, é uma questão de assistência técnica, pois nem é preciso o uso de tanta água. Há culturas que podem ser irrigadas à noite, por exemplo. Há uma área nesta região em que os próprios produtores chegaram à conclusão de que diminuir o número de culturas anuais equacionaria a questão. Por isso, a iniciativa da Assembleia com este seminário é importante. Um debate aberto deixa claro que, se cada um ceder um pouco, vamos garantir que haja água para todo mundo”, acrescentou Breno Lasmar.

Portanto, se no Triângulo Mineiro o panorama hídrico parece tranquilo, o desafio, segundo conclusão dos participantes do seminário, é justamente garantir que, no futuro, não falte água para o desenvolvimento da região. Essa foi a tônica das discussões em Uberlândia, encerrando o cronograma de encontros regionais.

Seguindo o modelo dos eventos anteriores, pela manhã foi apresentado um panorama técnico sobre a situação dos recursos hídricos na região, a partir de diagnóstico formulado pelos CBHs e pelo Igam. Ao longo da tarde, grupos de trabalho consolidam as propostas relacionadas à temática do evento, que serão encaminhadas para a plenária final, a ser realizada na ALMG, em Belo Horizonte, entre 29 de setembro e 2 de outubro.

Integração - Os trabalhos em Uberlândia foram coordenados pelo deputado Iran Barbosa (PMDB), presidente da Comissão Extraordinária das Águas. Ele ressaltou a importância do seminário já ter percorrido todo o interior do Estado. “A realidade muda conforme a região. Belo Horizonte tem praticamente 100% do esgoto tratado, mas enfrenta uma crise hídrica. Em Teófilo Otoni, por exemplo, não há crise hídrica, mas quase 100% do esgoto é jogado in natura nos rios. O que o seminário mostrou é que precisamos integrar as ações dos comitês de bacias. A cidade que polui um rio pode estar comprometendo a situação de outra”, ponderou o parlamentar.

Apesar de no Triângulo Mineiro não haver sinal de crise hídrica, segundo o representante do Igam, Breno Lasmar, não dá para relaxar. De acordo com ele, na região, a precipitação no último período chuvoso, de outubro de 2014 a março de 2015, ficou dentro da média climatológica. Em alguns pontos, foi superado em até 20%. “Mas isso não significa que não precisamos de atenção. O uso da água é crescente, e os prognósticos não indicam o aumento da chuva nos próximos anos”, apontou.

Em sua apresentação, ele traçou ainda um panorama da situação nas 36 unidades de planejamento do Estado, destacando fatos relevantes alusivos aos CBHs que compõem o Triângulo Mineiro. O aspecto mais importante, a formulação de um Plano Diretor de Recursos Hídricos, já foi concluído no CBH do Rio Araguari, estando em fase adiantada nos demais.

Além dos três pontos de conflito de Uberlândia, há também outro em Tupaciguara e mais um em Uberaba, todos relacionadas à demanda da irrigação, que corresponde a 55,98% de todos os pedidos de outorgas em Minas. Para efeito de comparação, esse mesmo índice para consumo público é de 21,82% e, para uso industrial, é de 13,34%. O Igam também vigia a qualidade da água por meio de 43 estações de monitoramento. Embora a situação aí também seja favorável, os principais fatores de pressão são o lançamento de esgoto sanitário e efluentes industriais, a mineração e a agropecuária.

Desperdício de água é preocupante

“Na questão do mau uso da água, todos são culpados e todos são vítimas. É uma questão de consciência”. A afirmação é do presidente do CBH dos Afluentes Mineiros do Baixo Paranaíba, Marcelo Gouveia Guimarães. Além dele, representantes de todos os CBHs da região traçaram um panorama da situação nas áreas que atuam e sugeriram ajustes para melhorar a gestão dos recursos hídricos no Estado.

Marcelo Guimarães, por exemplo, comemorou o fato de que apenas dois pontos nos 21 municípios que compõem sua área de atuação são preocupantes: a necessidade de abastecimento por caminhão-pipa em uma comunidade de Gurinhatã, mais grave, e a grande demanda no meio rural em Uberaba, que inspira cuidados. Mas mais preocupante ainda, segundo ele, é o desperdício, que chega a 37% de toda água que é captada e tratada no País. “Isso sim é mais vergonhoso do que os 7 a 1 que levamos da Alemanha no futebol”, criticou.

Preocupação semelhante, mas focada nos resíduos sólidos, tem o presidente do CBH do Rio Araguari, Antônio Giacomini Ribeiro. “De toda a água da chuva que cai, 85% vai imediatamente para os rios, levando junto todo o lixo jogado nas ruas. É por isso que a gestão dos resíduos sólidos está diretamente ligada à questão das águas”, comparou. Segundo ele, em 14 dos 20 municípios da sua área o CBH está apoiando a formulação de um plano municipal de resíduos sólidos.

Já o vice-presidente do CBH do Rio Paranaíba, Deivid Lucas de Oliveira, classificou como confortável a situação dos recursos hídricos nos 56 municípios da sua área. Ele defendeu apenas um maior esforço político para fortalecer os CBHs. “É preciso maior atenção na implementação dos planos diretores para que possamos utilizar todos os instrumentos que ele prevê, inclusive a cobrança pelo uso dos recursos hídricos”, defendeu.

Produtor rural - O vice-presidente do CBH dos Afluentes Mineiros do Alto Paranaíba, Sérgio Bronzi, também cobrou maior participação do Estado para fomentar a gestão compartilhada dos recursos hídricos, com uma maior atenção aos produtores rurais. “A água é gerada no campo. É o produtor rural quem deve preservar as nascentes e fazer a gestão do solo para permitir que essa água retorne para a natureza. Por isso, ele precisa ser ouvido. A legislação atual, por exemplo, dificulta a contenção de água. Se ele quiser fazer uma represa, não consegue, e isso precisa ser reavaliado”, ponderou.

Por fim, o coordenador-geral do Fórum Mineiro de CBHs e presidente do CBH dos Afluentes Mineiros do Baixo Rio Grande, Hideraldo Buch, lembrou o envolvimento do Fórum na implementação da Comissão das Águas da ALMG. “Se a comissão existe, é graças à pressão do fórum, que começou essa articulação. A visão anterior era de que o assunto deveria permanecer com a área de meio ambiente, mas defendemos que sua importância merecia uma comissão própria”, destacou.

Deputados elogiam visão de futuro em Uberlândia

A situação confortável do Triângulo Mineiro, e em especial de Uberlândia, na gestão dos recursos hídricos, sobretudo em comparação com outras regiões do Estado, foi destacada pelos deputados que participaram do seminário. “Uberlândia tem uma das melhores águas do Brasil, água boa e barata. Quase a totalidade da água é tratada, faltando apenas a região de Morada Nova, o que já está sendo solucionado. Há também um projeto de R$ 300 milhões em implantação para transposição de águas que vai garantir que, no futuro, não enfrentemos escassez de água, como em São Paulo”, lembrou o deputado Professor Neivaldo (PT).

O deputado Felipe Attiê (PP) destacou que a preocupação com a gestão dos recursos hídricos em Uberlândia é resultado direto da intervenção de seus governantes desde a fundação da cidade. “A primeira captação e tratamento de água de um córrego data do início do século passado. É um esforço contínuo que tem o apoio da Assembleia na luta pela preservação dos cursos d'água para garantir o crescimento da região, agora e no futuro. Os prefeitos fizeram o seu trabalho. No Triângulo é assim. Montamos uma companhia de água, de telefone, de energia e buscamos uma ferrovia porque o Estado nunca apareceu aqui para fazer isso”, criticou.

O deputado Arnaldo Silva (PR) também adotou um tom crítico ao cobrar uma atuação mais enérgica do poder público. “No Brasil, discute-se muito, mas falta ação. Já estamos cansados disto. Muitos dos diagnósticos dos nossos problemas já são antigos. Isso reflete diretamente na credibilidade da classe politica. Com esse seminário, esperamos dar nossa contribuição para enfim implementar as medidas que são necessárias”, analisou.

O deputado Doutor Jean Freire (PT) também reclamou do abandono da gestão dos recursos hídricos do Estado nos últimos anos. “Nossa preocupação com a água não deve ser apenas quando ela falta na torneira. No Jequitinhonha, onde o problema é antigo, a culpa era atribuída a São Pedro. Mas quando a água faltou em São Paulo, ganhou o bonito nome de crise hídrica”, comparou.

Direito - A coordenadora regional da Defensoria Pública em Uberlândia, Bárbara Machado, lembrou que o acesso à água é um direito fundamental do ser humano. “A situação é tranquila na nossa região, mas se as nascentes estão secando em todo lugar, temos que cuidar porque aqui também elas podem secar um dia”, destacou.

O comandante da Companhia Independente de Meio Ambiente e Trânsito Rodoviário, major André Márcio, advertiu que, em prol da preservação dos recursos hídricos, é preciso que a sociedade estabeleça logo suas prioridades. “Temos duas opções: ou reforçamos a educação e a prevenção ou teremos que focar só na repressão. É dever de todos trabalhar por um futuro melhor”, finalizou.

Histórico - O nome do evento, “Águas de Minas III”, remete a seminários anteriores da ALMG, realizados em 1993 e 2002. Há, pelo menos, duas décadas, o Parlamento mineiro busca, em conjunto com a sociedade, debater o tema e apontar caminhos para as políticas públicas do setor. Em parceria com órgãos do poder público, entidades sindicais, empresariais e movimentos sociais, o seminário aborda, nesta edição, questões atuais como crise hídrica, gestão dos recursos hídricos, saneamento básico e usos da água na mineração, indústria, agricultura e geração de energia.

Participantes apresentam propostas e elegem delegados

Como nas etapas anteriores, os participantes do seminário em Uberlândia se dedicaram, ao longo de toda a tarde, a analisar e votar 36 propostas, todas de abrangência estadual, formuladas por técnicos e especialistas indicados pelas entidades que compuseram a comissão organizadora do evento. Depois foram votadas e aprovadas outras 19 propostas inéditas, de caráter regional, formuladas ao longo das discussões de dois grupos de trabalho. Dessas, 16 foram classificadas como prioritárias para a fase final, conforme prevê o regulamento do seminário.

Entre as propostas inéditas aprovadas estão, por exemplo, a criação de lei que torne obrigatório, tanto para edificações residenciais quanto industriais, um projeto para a instalação de um sistema de calhas, cisternas e manilhas, com brita e areia, para possibilitar a infiltração da água no solo, visando à recarga da água subterrânea.

Todas as propostas, as estaduais e regionais, foram organizadas em torno de seis grandes temas: Crise hídrica; Gestão de recursos hídricos; Fomento, custeio, receitas e destinação; Saneamento e saúde; Atividade minerária, indústria e energia; e ainda Agricultura, pecuária e piscicultura. Todas as sugestões oriundas dessa etapa e das realizadas anteriormente serão disponibilizadas para consulta pública no Portal da ALMG até este domingo (23).

“O encerramento das etapas regionais do seminário não encerra a participação da sociedade neste trabalho, já que, pela internet, ainda é possível que cada um dê sua contribuição. Afinal, todas elas são importantes para a construção de uma solução para a crise hídrica”, destacou Dalton Macedo, gerente de Eventos Institucionais da ALMG.

No encerramento da etapa regional do seminário em Uberlândia, os integrantes dos dois grupos de trabalho elegeram seus representantes que vão participar da etapa final do evento, em Belo Horizonte. Foram seis em cada um, sendo dois terços da sociedade civil (4) e o restante (2) do poder público, além dos respectivos suplentes.

Consulte o documento final do encontro regional de Uberlândia.