O Seminário Legislativo Águas de Minas III foi organizado pela ALMG em Paracatu com o objetivo principal de discutir o uso racional dos recursos hídricos
Na parte da tarde, os participantes do seminário analisaram e votaram as propostas

Uso de energia solar pode dar alívio a recursos hídricos

Seminário da ALMG em Paracatu aponta possibilidade de a região receber investimento em nova matriz energética.

18/08/2015 - 15:11 - Atualizado em 18/08/2015 - 19:09

Água de menos, sol demais. O assunto principal era o uso racional dos recursos hídricos, mas as novas perspectivas de geração de energia solar no Estado foram destaque no oitavo encontro regional do Seminário Legislativo Águas de Minas III - Os Desafios da Crise Hídrica e a Construção da Sustentabilidade. O evento, organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi realizado desta vez em Paracatu, no Noroeste de Minas, ao longo desta terça-feira (18/8/15).

Pela manhã, foi apresentado um panorama sobre a situação dos recursos hídricos na região, a partir de diagnóstico formulado pelos comitês de bacias hidrográficas (CBHs) e pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Ao longo da tarde, grupos de trabalho consolidam as propostas relacionadas à temática do evento, que serão encaminhadas para a plenária final, a ser realizada na ALMG, em Belo Horizonte, entre 29 de setembro e 2 de outubro. Os trabalhos foram coordenados pelo deputado Iran Barbosa (PMDB), presidente da Comissão Extraordinária das Águas.

“Pode faltar água para a agropecuária, pode acabar o minério, mas energia solar não vai acabar nunca”, destacou o parlamentar, que coordenou as discussões pela manhã. Coube a ele anunciar a inclusão de Paracatu na área de estudos para implantação de um complexo de geração de energia solar no Estado. Nesse caso, água e sol se relacionam. Segundo o parlamentar, o estímulo a essa nova matriz energética é uma alternativa para não sobrecarregar o uso dos recursos hídricos em Minas, onde a base de geração é a hidrelétrica.

“A Comissão das Águas assumiu uma série de atribuições ao tratar de um tema tão amplo. A geração de energia é um dos assuntos que também estamos discutindo”, explicou o deputado Iran Barbosa. De acordo com o parlamentar, uma parceria entre o Governo Federal e o Estado permitirá o licenciamento de quatro usinas que prometem transformar Minas no principal produtor de energia solar do País. Uma delas, em Pirapora, no Norte de Minas, deve ocupar uma área de 800 hectares e ser a maior da América Latina e a terceira maior do planeta.

O investimento total previsto é de R$ 1,5 bilhão, com a geração de 2 mil empregos diretos em cada uma dessas usinas. No total, estão previstas 12 novas usinas em todo o País até 2025, com R$ 25 bilhões em investimentos. Paracatu, portanto, estaria no páreo para instalar uma usina semelhante à planejada para Pirapora.

Até lá, o desafio é equacionar o uso dos recursos hídricos e garantir a sobrevivência econômica, já que historicamente os cursos d'água nortearam a ocupação da região e, até que uma nova alternativa se consolide, ainda hoje são indispensáveis à economia regional em atividades como, por exemplo, a agropecuária.

Seminário - Diante disso, o deputado Iran Barbosa destacou a importância do seminário, que ele classificou como histórico. “Esse trabalho vai nortear a elaboração, na Assembleia, do primeiro marco regulatório das águas, do saneamento básico e dos resíduos sólidos em Minas Gerais. O desafio hídrico em Minas é enorme. A falta de chuva só expôs o problema, que tem se aprofundado em todas as regiões do Estado nos últimos anos”, afirmou.

“Minas Gerais já foi reconhecida por ter um dos maiores estoques hídricos do País, famosa por sua abundância de água, e agora vivemos essa crise que ainda não conhecíamos na nossa história. Sempre é bom lembrar que boa parte dessa crise não decorre da falta de água, mas do mau uso dela, seja pela utilização predatória, até mesmo dentro das nossas casas, sem consciência, ou pela contaminação”, lembrou o deputado Iran Barbosa.

Condições climáticas têm superado esforço de comitês de bacia

A analista ambiental do Igam, Teresa Eistrup Santos, abriu a apresentação do panorama hídrico na região, listando as medidas já tomadas para estruturar melhor os comitês de bacias hidrográficas. O primeiro passo para isso, no caso dos CBHs dos Rios Paracatu e Urucuia, já foram tomados e ambos contam com um plano diretor de recursos hídricos. Segundo ela, cabe aos dois órgãos implementar, em nível regional, ações baseadas nas politicas estadual e nacional de recursos hídricos.

Mas essas ações, segundo ela, têm sido sobrepujadas pela evolução das condições climáticas. Um exemplo disso é que no ciclo chuvoso que vai de outubro de 2014 a março de 2015 foi registrada uma queda, na área dessas duas bacias, de 20% a 50% da média histórica de chuvas. “Esse monitoramento hidrológico não deixa dúvidas de que estamos lidando com uma crise hídrica. Esses levantamentos são realizados diariamente pelo Igam, com a emissão de relatórios semanais. Em alguns pontos, a vazão está abaixo de 50%, o que leva a um estado de restrição, com medidas para redução de uso da água”, lamentou.

São 44 estações de monitoramento nas duas bacias que avaliam aspectos que vão da qualidade da água à vazão. Neste último caso, o objetivo é controlar o uso para irrigação, já que mais de 90% das outorgas são para esse fim. Quanto à qualidade, a maioria das amostras está entre o nível bom e médio, segundo a analista do Igam, mas há uma preocupação latente na região quanto à contaminação das águas por esgoto e poluentes como chumbo e arsênio (resultado da exploração de metais preciosos, como o ouro, tradicional na região). O aumento de casos de câncer, supostamente provocados pela contaminação por arsênio, é uma preocupação permanente dos moradores e já ganhou inclusive repercussão nacional.

Comitês - Na sequência, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu, Osvaldo Batista de Souza, apresentou como exemplo a ser seguido na gestão de conflitos o que foi feito na Bacia de Entre-Ribeiros, uma porção menor do mesmo sistema hídrico. Coube ao produtor rural e engenheiro agrônomo Adsom Roberto Ribeiro contar os percalços da articulação feita entre os produtores após o rio ter secado completamente em duas oportunidades recentes, no início e no final dos anos 2000, em virtude da exploração desenfreada. Foram instaladas 14 estações de monitoramento, o que permitiu otimizar o uso da água e evitar a escassez.

“Nossos dados confirmam a crise hídrica. Agora temos plantado de acordo com o que permite a vazão do rio. Desde 2008, temos a adesão de 80% dos irrigantes sem que seja necessária a intervenção do Estado. Nossos rios não estão secando mais, mas a crise hídrica esta aí. Se antes tínhamos até três safras no ano, hoje são só duas, praticamente de feijão e milho, com menor receita para os produtores, mais ociosidade da mão de obra, maior custo de produção e grande impacto negativo nas economias dos municípios”, lamentou Osvaldo Souza.

A vice-presidente do CBH do Rio Urucuia, Ivonete Antunes Ferreira, destacou que o grande desafio em sua região é viabilizar o sistema de cobrança pelo uso dos recursos hídricos, paralelamente à implantação de um programa de gestão integrada de todas as bacias do Noroeste de Minas. Ela lembrou ainda a mobilização para viabilizar a implantação da Ferrovia Anápolis/Corinto para o escoamento de cereais e a dinamização da economia da região. “Mas para isso fazer sentido precisamos ampliar o uso inteligente da água e garantir sua disponibilidade a longo prazo”, avaliou.

Seminário dá sequência a esforço de duas décadas da Assembleia

O nome “Águas de Minas III” remete a seminários anteriores da ALMG, realizados em 1993 e 2002. Há, pelo menos, duas décadas, o Parlamento mineiro busca, em conjunto com a sociedade, debater o tema e apontar caminhos para as políticas públicas do setor. Em parceria com órgãos do poder público, entidades sindicais, empresariais e movimentos sociais, o seminário aborda, nesta edição, questões como crise hídrica, gestão dos recursos hídricos, saneamento básico e usos da água na mineração, indústria, agricultura e geração de energia.

Na pauta do evento estão duas das dez unidades de planejamento de recursos hídricos do Rio São Francisco, onde os conflitos por água são frequentes e tendem a se intensificar com a escassez de chuvas e a redução da vazão dos rios. A Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu, onde estão municípios como Paracatu e Unaí, abrange 13 sedes municipais, com uma área de drenagem de 41.512 km² e população estimada de 259.717 habitantes. Já a Bacia do Rio Urucuia tem área de drenagem de 25.135 km² e população total estimada de 76.441 habitantes.

O principal problema na região é o conflito por água. A presença de irrigantes irregulares impede que se faça o acompanhamento real do consumo dos recursos hídricos. Sem planejamento, as ações são pautadas levando em conta o uso autorizado, mas a demanda é, na prática, subestimada. Uma ação enérgica do Estado é necessária, seja regularizando ou excluindo essas captações. Um dos entraves é a morosidade na emissão das outorgas (autorização para uso de recursos hídricos), que pode levar até quatro anos. Um reflexo disso são inúmeros barramentos clandestinos, inclusive em veredas.

Entre as ações urgentes estão a melhoria do manejo do solo para permitir a infiltração de água, proveniente tanto da chuva como da irrigação, de modo a reduzir as perdas de recursos e erosões; o cercamento e a limpeza das nascentes e a construção de bacias de contenção de enxurradas para evitar o assoreamento nos rios (acúmulo de sedimentos) e de barramentos para manter a água no próprio manancial.

Participantes avaliam propostas para aprimorar preservação

Os participantes do seminário se dedicaram, ao longo de toda a tarde, a analisar e votar 36 propostas, todas de abrangência estadual, formuladas por técnicos e especialistas indicados pelas entidades que compuseram a comissão organizadora do evento. Foram votadas e aprovadas também outras 17 propostas inéditas, de caráter regional, formuladas ao longo das discussões em Paracatu dos dois grupos de trabalho. Dessas, 12 foram classificadas como prioritárias para a fase final, conforme o regulamento do seminário. Todas as propostas serão disponibilizadas para consulta pública no portal da ALMG.

As propostas foram organizadas em torno dos seguintes temas: Crise hídrica; Gestão de recursos hídricos; Fomento, custeio, receitas e destinação; Saneamento e saúde; Atividade minerária, indústria e energia; e ainda Agricultura, pecuária e piscicultura.

Em uma primeira etapa dos trabalhos, os participantes do seminário puderam aprimorar os textos das propostas elaboradas previamente. São medidas como a que prevê no tema crise hídrica a criação de uma lei que, em situações de saturamento de usos e níveis de poluição de recursos hídricos, restrinja a concessão de licenças ambientais, outorgas e financiamentos públicos para projetos que demandem usos intensivos de água e estabeleça ainda incentivos fiscais e créditos para financiamento público de tecnologias de produção, beneficiamento e transporte sustentáveis e com uso não intensivo de água.

Ainda no tema crise hídrica, foi sugerida, como proposta inédita, a recuperação de estradas rurais e a construção de barragens nas cabeceiras dos rios e córregos e o cercamento de nascentes. Proposta semelhante foi aprovada também no grupo de trabalho que discutiu o tema Agricultura, pecuária e piscicultura. Como a região Noroeste de Minas reúne, segundo estimativas, cerca de 10 mil nascentes, a preocupação se justifica, já que as estradas rurais seriam a maior ameaça a essas fontes de água.

Para se ter uma ideia, somente o município de Paracatu tem 10 mil quilômetros de estradas rurais, e a Região Noroeste tem uma extensão dez vezes maior, a maioria construída e mantida em condições totalmente adversas à preservação de nascentes e cursos hídricos. Até mesmo o cascalho utilizado para a manutenção delas representa uma ameaça, já que ele é, na maioria das vezes, retirado de áreas próximas a cursos d'água.

Por fim, nos dois grupos de trabalho, foram eleitos os representantes que vão participar da etapa final do seminário, em BH. Foram seis em cada um, sendo dois terços da sociedade civil (4) e o restante (2) do poder público, além dos respectivos suplentes.

Consulte o documento final do encontro regional de Paracatu.