SÉRGIO SOARES BRAGA, Mestre em Ciência Política e Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Campinas - UNICAMP. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná - UFPR.
Discurso
Legislatura 16ª legislatura, 4ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 24/02/2010
Página 35, Coluna 1
Evento Painel temático: "As tecnologias da informação e comunicação a serviço da democracia."
Assunto CIÊNCIA E TECNOLOGIA. TELECOMUNICAÇÃO. LEGISLATIVO. (ALMG).
Observação Este evento é parte das ações da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais para subsidiar a elaboração de seu planejamento estratégico para 2010 - 2020. No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de "slides".
1ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 9/2/2010
Palavras do Sr. Sérgio Soares Braga
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, Deputado Alberto Pinto Coelho; demais membros da Mesa; Sr. Caio Túlio Costa; Sr. Cristiano Ferri de Faria; público presente, bom dia a todos. Para mim, é uma grande satisfação estar aqui discorrendo sobre um tema que venho pesquisando há algum tempo, que são as relações entre internet e política de maneira geral e os “websites” legislativos, em particular. O título específico de minha exposição é: “Como os ‘websites’ parlamentares podem contribuir para agregar valor à atividade parlamentar e para aproximar o parlamento dos cidadãos?”. A primeira coisa a que devemos responder é por que esse título. De acordo com a literatura internacional sobre o tema das relações entre internet e parlamento, que é bastante vasta - depois terei oportunidade de comentar algo a respeito -, o tema da internet, muitas vezes, é tratado como próximo à ficção científica. A internet dá asas à imaginação das pessoas. Os analistas, principalmente os filósofos sociais, tendem a abordar a internet como algo impressionístico, como se fosse uma realidade próxima à ficção científica. As expressões utilizadas para caracterizar a internet denotam um pouco isso, pois é conhecida como realidade virtual. O Prof. Caio utilizou o termo “modernidade líquida”, mas há outros que denotam essa tendência de colocar a internet como algo completamente novo, tão novo que iria desconectar as pessoas do seu mundo real, das suas experiências cotidianas.
No caso específico da literatura sobre a relação com o parlamento legislativo, isso se manifesta com a tentativa de se associar a internet a novas experiências de democracia que a poriam em xeque, superariam e liquidariam a democracia representativa tradicional que conhecemos, a democracia parlamentar. Essa vertente sobre as relações entre internet e política é muito forte na literatura internacional; sugere que pode ocorrer o surgimento de um novo tipo de democracia qualitativamente diferente da democracia parlamentar a que estamos acostumados e não teria nada a ver com a democracia representativa tradicional. Outra corrente da literatura procura aproximar a internet dos problemas cotidianos, ficando mais próxima da experiência das pessoas; considera positivo o impacto da internet no sistema político, julgando que ela não trabalha para acabar com a democracia representativa, com a liquidação do parlamento, com as eleições tal como conhecemos, mas trabalha para fazer articulações de maneira completa, aprofundando essa democracia. O título dessa exposição expressa a minha filiação a essa segunda vertente da abordagem do tema internet e política. O problema fundamental sobre o qual os analistas políticos, os pesquisadores, os filósofos, os sociólogos da comunicação têm de refletir de maneira científica, produzindo evidências empíricas sobre o assunto, é tentar especular, no bom sentido do termo, sobre como a internet vai articular as formas tradicionais de democracia, as instituições tradicionais da democracia parlamentar ou liberal, tal como nós a conhecemos desde o séc. XIX.
Outro ponto que enfatizarei - e essa ideia me ocorreu ouvindo a interessante palestra do Prof. Caio - é que, sem que houvesse articulação ou coordenação prévia, as três palestras têm conexão lógica entre si. Fiquei bastante feliz com isso. Vocês acabaram de ouvir uma introdução realizada por uma das pessoas mais competentes do ramo no Brasil, o Prof. Caio Túlio, que nos apresentou o panorama geral sobre os impactos da internet na política e nas atividades cotidianas das pessoas, principalmente as que estão envolvidas com política. Agregarei mais uma mediação a essas ideias que ele acabou de expressar. Falarei sobre o impacto da internet no parlamento propriamente dito. Logo após minha fala, o Cristiano falará sobre novas experiências de democracias representativas, que, usando as novas mídias para estimular a participação do cidadão no parlamento, estão contribuindo para aprofundar a democracia através das novas tecnologias de informação e comunicação. Realmente, até para nós que estamos na Mesa, as conferências estão sendo proveitosas. E há uma conexão lógica, bastante difícil de ocorrer em Mesas desse gênero.
A estrutura de minha exposição será essa. Primeiramente, explicitarei algumas ideias básicas subjacentes à minha fala. Posteriormente falarei rapidamente sobre as funções do parlamento e o papel dos “websites” parlamentares nas modernas democracias representativas e sobre o que têm a agregar ao parlamento. Em terceiro lugar, apresentarei algumas evidências empíricas, alguns resultados de pesquisas que tenho feito nessa área nos últimos três ou quatro anos. Para encerrar minha exposição, chamarei a atenção para algumas boas práticas, para alguns avanços do uso da internet pelos parlamentos, principalmente os estaduais, e alguns dilemas, alguns pontos de estrangulamento que começam a emergir do emprego sistemático das novas tecnologias de comunicação e informação das novas mídias pelos parlamentos, especialmente nas unidades subnacionais brasileiras.
Atualmente, estou envolvido em três projetos de pesquisa sobre as relações entre internet e política. No final de 2007, publiquei este livro, pela Câmara dos Deputados, que se refere ao papel das TICs na institucionalização da democracia, um estudo sobre a informatização dos órgãos legislativos na América do Sul, com destaque para o Brasil. Fiz uma análise comparada dos Legislativos, Câmaras dos Deputados e Senados da América do Sul, e das Assembleias Legislativas estaduais. Esse estudo foi objeto de um seminário na Câmara dos Deputados. Esse livro está “on-line” e pode ser baixado na internet no “site” onde foi feito esse seminário - Portal da Câmara, Trânsparência e Cidadania -, em abril de 2007.
O segundo projeto no qual estou envolvido, referente às relações ente internet e política, é financiado pelo CNPq. Estou começando a fazer um estudo sobre o uso que os 1.052 Deputados Estaduais e da Câmara Distrital brasileira estão fazendo da internet na atual legislatura. Quem tem “website” ou não, por que, quem tem “blog”, quem está usando “twitter” ou não. É a segunda linha de pesquisa.
Em meu terceiro projeto, estou coordenando um convênio com a Federação das Indústrias do Paraná, para implantar um sistema de monitoramento dos eleitos - Deputados Federais e Estaduais, Senadores e Governadores. Esse projeto, pioneiro nesse Estado, está hospedado na Rede de Participação Política do Empresariado. Posteriormente falarei um pouco sobre eles também. Não estou fazendo autopromoção; essas informações serão importantes para minha exposição posterior porque apresentarei evidências e resultados de pesquisas relacionados a essas três linhas de reflexão em que estou envolvido sobre o tema da internet e sobre as novas mídias, de maneira geral. Duas ideias, que considero importantes para fazermos uma reflexão menos impressionista e especulativa sobre a internet e mais próxima dos problemas reais das pessoas, são as do “virtual political system” e do “critical citizens”, produzidas por Pippa Norris, uma cientista política de Havard muito importante, orientanda do nosso Cristiano, que, aliás, falará aqui depois. Ela fez uma reflexão acerca de vários problemas relacionados ao impacto da internet em diversas instituições dos sistemas políticos contemporâneos e produziu duas noções importantes que depois ilustrarei com alguns gráficos. A primeira é o “virtual political system”, que é essa pressão que existe para que todas as instituições, todos os atores do sistema político migrem para a internet, interajam dentro do espaço virtual e transfiram suas bases de operação pela internet. A segunda são os “critical citizens”. O que são cidadãos críticos? São aqueles cidadãos que aderem aos valores democráticos, mas criticam as instituições políticas tal como existem nos sistemas políticos modernos. Em todas essas experiências que o Prof. Caio Túlio acabou de enumerar, como a campanha do Obama, a reação contra a manipulação eleitoral dos atentados em Madri, as manifestações contra Hugo Chaves na Venezuela etc., os cidadãos críticos, ou seja, aquela massa de jovens conectados, bem informados e habituados a acessar o Google e a participar de redes sociais, é que são os atores que emergem nessas manifestações e aderem aos valores da democracia. Ninguém está-se mobilizando para restaurar a ditadura, a tirania no Irã e voltar ao estágio pré-queda do Muro de Berlim. Eles querem ir para a frente. Agora, ninguém sabe que horizonte é esse, porque essas pessoas aderem à democracia, mas estão descontentes com o “status quo” tal como ele está aí. Então essa pressão cotidiana que entra pelos poros de todas as instituições e de todos os atores sociais gera esse sentimento difuso de que alguma coisa vai mudar, mas não se sabe exatamente para onde.
Vou só abrir um parêntese aqui. Fiz uma pesquisa no Scielo, que é um sistema de periódicos científicos no Brasil sobre as publicações científicas na internet nos últimos cinco anos. O assunto mais pesquisado na internet não é comunicação, não é ciência política nem sociologia, mas medicina. A internet está provocando um impacto enorme na relação entre médico e paciente. Hoje ninguém vai mais para o médico sem antes pesquisar no Google a sua doença, o remédio que o médico receita e sem consultar dois ou três médicos para checar o diagnóstico. Isso está provocando grande impacto na relação médico-paciente e na indústria farmacêutica, gerando uma copiosa produção científica sobre a questão. Como os médicos estão muito envolvidos por interesses profissionais e financeiros em todos esses problemas, eles produziram um “corpus” bastante denso e grande de artigos, textos e trabalhos para a internet.
Outra ideia básica subjacente são as outras funções desempenhadas pelo parlamento, além da de representação. Essa ideia é defendida pela Cristina Leston Bandeira, uma pesquisadora portuguesa radicada na Inglaterra e uma das grandes especialistas em estudo sobre a relação atual entre internet e parlamento no mundo. Segundo ela, quando formos refletir sobre o impacto da internet no parlamento, temos de ter uma visão complexa do parlamento como um sistema. O parlamento tem uma função estratégica que nem sempre é reconhecida pela mídia, pela população. Mas as pessoas que vivem cotidianamente o Legislativo sabem da sua importância para o funcionamento do sistema político como um todo. Não há arma mais eficaz contra um tirano populista, um líder populista ou uma imprensa manipuladora que um Legislativo que se afirme como instituição, que saiba contestar os grandes grupos da mídia, produzir as suas próprias notícias e fiscalizar o Executivo. Não é por acaso que todos os países de democracia institucionalizada e mais estável têm parlamentos fortes. Só conseguem afirmar-se dessa maneira porque desempenham outras funções além da mera função de representação. Estamos acostumados a considerar o parlamento como órgão de representação, só isso e apenas isso. Essa é outra ideia importante que se manifestará.
A terceira ideia corporifica tudo o que disse anteriormente: não há nenhuma evidência de que estamos indo na direção de uma superação da democracia parlamentar. Estamos iniciando um novo processo, uma longa marcha. Estamos testemunhando o início desse processo rumo a uma democracia parlamentar mais participativa e com mais espaços de deliberação. Essa ideia foi definida por Dominic Tinley. Creio que ela é Presidente da Escola do Legislativo da House of Commons, Casa dos Comuns, da Inglaterra. Ela tem um artigo monumental no livro “Parliaments in the Digital Age”, publicado no “Oxford Internet Institute”, que pode ser baixado “on-line”.
Depois fornecerei todas essas referências para vocês. Disponibilizarei o PDF para o Alaor. Tudo o que eu disse tem referências bibliográficas. Cederei essa apresentação para que vocês possam aprofundar-se nesses temas.
O diagrama do “virtual political system” é este. São basicamente os atores do sistema político que interagem entre si, por meio da internet. Aqui são as funções desempenhadas pelo parlamento, o conjunto de variáveis essenciais a uma compreensão mais aprofundada dos impactos da internet sobre a instituição parlamentar. É um diagrama apresentado pela Cristina Bandeira. Temos: fatores institucionais, que afetam o uso da internet pelos parlamentos, várias funções do parlamento que sofrem os influxos da internet e dos impactos da nova tecnologia, comunicação, disseminação da informação, gerenciamento da informação - isso causa impacto sobre a função de resolução de conflitos -, função educacional do parlamento, função de legislação do parlamento, função de legitimação do parlamento, função de representação propriamente dita e função de fiscalização do Executivo ou de escrutínio, como dizem lá.
Aqui são os vários atores que interagem com esse sistema: membros do parlamento, cidadãos, partidos, eleições; enfim, toda essa parafernália que estamos acostumados a acompanhar na atividade política.
Aqui é um diagrama que consta no artigo escrito pela Dominic Tinley, que acabei de citar. Esse diagrama representa o deslocamento que está ocorrendo em todos os órgãos parlamentares. Isso não ocorre somente no Brasil ou na América do Sul, mas em todo o mundo. Das cerca de 188 nações existentes no mundo, apenas 4 não possuem “websites” parlamentares. É um movimento tão avassalador que até mesmo as ditaduras, mesmo que não tenham parlamentos, mesmo que os parlamentos não se reunam, colocam o “website” lá.
Estamos no início desse movimento. Aquele quadradinho vermelho ali mostra onde se situa o parlamento médio brasileiro dentro dessa longa caminhada em relação ao parlamento mais transparente, mais participativo. Os cidadãos ainda não estão informados sobre a importância desses projetos, mas estão se deslocando para obter maior informação, existe mais interesse. Não há um jogo de soma zero entre a participação e a democracia parlamentar, mas há um efeito sinérgico entre essas duas instituições. Essas são as ideias fundamentais, e recomendo que, quando tiverem acesso à minha apresentação, busquem aprofundar-se nela, porque isso vai aumentar muito a autopercepção da importância do trabalho que estão fazendo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nesse planejamento estratégico para 2010, de que participaremos por meio deste evento. É mais ou menos para esse rumo que estamos indo. Não é um caminho que se percorre às cegas.
Temos essas funções básicas do Legislativo e dos “websites” parlamentares. Como a internet pode repercutir em cada uma delas, como poderia agregar valor em cada uma dessas funções? Na função de legislação, por exemplo, a internet aumentou enormemente a possibilidade dessas informações sobre sinopses legislativas e a criação de espaços de intervenção das pessoas, que podem participar dos processos legislativos e melhorá-los. A internet potencializou isso de forma muito rápida. Se entrarmos no “site” da Assembleia de Minas, da Câmara dos Deputados e de outras Assembleias, teremos acesso aos projetos de lei, aos projetos de resolução, aos requerimentos, às indicações. Pesquiso o Legislativo há mais de 20 anos. Antigamente, para se ter acesso a um “Diário” da Assembleia, tínhamos de entrar na Câmara dos Deputados, lá embaixo, nos subterrâneos, numa sala poeirenta; hoje, porém, tudo isso está digitalizado e acessível à população.
Quanto à função de representação, a internet potencializa a disponibilização de informações sobre parlamentares e a criação de espaço de contatos com os membros do Parlamento, com os Deputados. Antigamente não se conheciam os Deputados. As Assembleias eram verdadeiras caixas-pretas; aliás, algumas ainda são. Vou apresentar dados que comprovam isso. A Assembleia de Minas foi a que avançou mais nesse processo. Em muitos Estados, não existem informações apresentadas, de forma adequada, sobre os membros do parlamento. Não há informações mais singelas sobre quem são os Deputados, o que fazem, que perfil profissional têm. A resolução de conflitos também é uma função importante e pode ser potencializada por meio da internet. Vejo que a Assembleia de Minas também já avançou muito nisso, com a realização de fóruns com a participação da sociedade civil. Podemos citar o Parlamento Jovem e seminários setoriais. Tudo isso pode ser disponibilizado “on-line” e ser realizado de forma virtual.
Quanto à educação, o Legislativo tem uma importante função educativa. Para que servem todos esses programas, como o Parlamento Jovem, a TV Educativa, a transmissão “on-line”? Servem para mostrar o parlamento, persuadir o público sobre a sua importância e esclarecer como é importante o seu funcionamento para a manutenção do sistema político democrático. Isso tem múltiplas implicações na vida cotidiana das pessoas.
A quinta função é a fiscalização, o monitoramento das ações da administração pública, por meio de comissões e instrumentos regimentais. Também esse trabalho pode ser infinitamente potencializado pela internet. Antigamente, para se ter acesso a um relatório de uma comissão, a um parecer de algum projeto da CCJ, era necessário enfrentar uma verdadeira corrida de obstáculos burocráticos. Hoje, no entanto, não é assim: com um ou dois cliques, podemos acessar a ata de uma reunião da CCJ, podemos ter acesso a esse processo. Isso provoca uma pressão pela institucionalização das comissões legislativas, que é um dos pontos fundamentais a serem discutidos no Legislativo hoje. Qual é o formato das comissões legislativas? Será que os Legislativos precisam ter muitas comissões ou será que precisam ter comissões que correspondam, mais ou menos, ao desenho do organograma do Executivo Estadual? Existem muitos órgãos legislativos subnacionais, que têm 15, 18 comissões permanentes. Se clicamos no “site”, não há nada, parece cenário de filme de faroeste americano dos anos 50: só existe porta da frente; quando aberta, só há escuridão. A internet potencializará muito a institucionalização das comissões legislativas.
Finalmente, a função de legitimação, a afirmação do Legislativo em relação aos ataques que recebe, muitas vezes injustos. Todos aqueles que cometem uma injustiça num Estado democrático têm direito de defesa, inclusive o órgão legislativo. O Legislativo pode postar notícias em tempo real quando se sente atacado de maneira injusta pela mídia, pelos cidadãos, pelas pesquisas realizadas. Logo, isso contribui para a sua legitimação. A transparência é um instrumento importante para a legitimação.
Vou acelerar um pouco agora, porque apresentarei os resultados da minha pesquisa, para chegar à reta final da minha exposição, que é a parte mais importante. Os resultados que obtive estão neste livro. Procurei justamente avaliar os “websites” dos parlamentos sul-americanos e brasileiros com base nas várias funções que exercem. Fiz uma avaliação de 195 variáveis que podem estar presentes nos órgãos legislativos e que se desdobram nessas várias dimensões: navegabilidade, centros decisórios, informações sobre processos decisórios, relação com o público, administração, integração em rede, etc. Para fazer essa avaliação, apliquei esta planilha, que é uma espécie de DNA da informatização dos Legislativos sul-americanos e brasileiros. Esses dados podem ser consultados no livro. A partir daí extraí essas informações. A coluna azul mostra a situação no início desta legislatura e a coluna vermelha retrata o final de 2009. No espaço de dois anos apenas, há um movimento considerável no sentido de aumento do índice. O movimento que se percebia naquele diagrama, em direção a uma maior transparência e maior participação, de fato está acontecendo. E os Legislativos Estaduais brasileiros, conforme a previsão da Pippa Norris e de outros autores, estão migrando para o mundo virtual, como resultado de processos decisórios e parlamentares. Em todas as dimensões está havendo aumento.
Aqui temos o ponto central, que é a classificação geral. É uma avaliação de 29 Deputados, mais a Câmara e o Senado. O que obteve maior índice global foi a Câmara dos Deputados. Por uma série de fatores, ela apresenta o maior índice. Em segundo lugar, vem a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que melhorou algumas áreas que eles agregaram depois, como verba e despesas de gabinete, parecer de CCJ. Houve um aumento pequeno, mas mesmo aqueles que obtiveram maior pontuação no início conseguiram incrementar alguma coisa. Vê-se nesse ponto, em outra pesquisa que fiz, o índice de transparência global dos Legislativos Estaduais, com informações sobre os parlamentares. Em relação a Minas Gerais, pontuei cada variável sobre a qual existe informação sobre os parlamentares. Codifiquei, obtive o índice e o resultado foi este: a Assembleia Legislativa de Minas, mais uma vez, destaca-se como a de maior desempenho. De uma pontuação máxima de 100%, chegou a 71,5%. Depois vêm Rio Grande do Sul, Bahia e São Paulo. Aqui também está havendo um grande movimento em direção a maior transparência, por pressão da mídia e também por fatores endógenos às Casas Legislativas. Existe o compromisso de determinadas categorias de funcionários e parlamentares, numa visão mais moderna do processo político, de colocar tal visão “on-line”. Isso está contribuindo para agregar valor à prática parlamentar, tornando-a mais transparente, e as informações, mais acessíveis. O que os cidadãos vão fazer ou não com elas é outro problema, no qual não vou me aprofundar por falta de tempo.
Para finalizar a minha exposição, destaco aleatoriamente algumas boas práticas de uso da internet que devem ser reproduzidas pelos demais órgãos legislativos e também alguns pontos de estrangulamento, conforme mencionei. As boas práticas são, por exemplo, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a disponibilização das votações nominais. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul é a única do Brasil que tem um dispositivo regimental que obriga que todas as votações realizadas em Plenário sejam registradas no “Diário” da Casa e disponibilizadas nos “websites”. Eles têm um acervo de todas as votações nominais da Assembleia Legislativa realizadas no Plenário desde o ano 2000. É a única Assembleia Legislativa que tem isso. São informações preciosas tanto para o analista quanto para o eleitor que quer entender como o Legislativo funciona. Sabemos que o Legislativo brasileiro tem uma tradição de votação simbólica, ao contrário dos Legislativos mais institucionalizados, que fazem a votação nominal. Nos Estados Unidos, por exemplo, as votações mais importantes são nominais. Esse é um processo que tende a se difundir. Os parlamentares, os gestores de informação vão ter que aprender, progressivamente, a lidar com essa demanda da população, da opinião pública, para se saber como os parlamentares votam, como eles se posicionam em relação a cada proposição legislativa que é votada em Plenário. Estou num Estado onde essa informação inexiste até de forma impressa. Estamos fazendo um estudo sobre as votações nominais na Assembleia Legislativa do Paraná, e só existe material de outubro de 2008 para cá. Antes disso, não existe registro sobre votação nominal, porque todas elas foram simbólicas.
O segundo ponto de boas práticas é o Orçamento, informações sobre emendas orçamentárias e informação sobre execução de emenda orçamentária. Sabemos que um dos principais instrumentos de chantagem do Executivo sobre os parlamentares é a execução orçamentária. A falta de transparência de informações sobre a autoria das emendas do Orçamento e sobre a execução orçamentária contribuiu e contribui muito para que o Legislativo fique refém de chefes do Executivo autoritários e manipuladores do parlamento. É fundamental que o parlamento, para se afirmar, apresente e disponibilize, da maneira mais sistemática possível, essas informações.
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo já começou a discutir o Orçamento de 2010 e colocou um artigo no PDF com todas as emendas ao Orçamento que estão sendo sugeridas. E existe o artigo retroativo, de 2005 para cá. Eu também estou num Estado em que essas informações são interditadas ao cidadão. Eu quis fazer uma pesquisa sobre o Orçamento nas últimas legislaturas e, simplesmente, não existe informação sobre autoria de emendas de execução orçamentária.
Uma terceira prática é da Assembleia Legislativa de Minas, que tem várias boas práticas, mas essa está adquirindo uma grande visibilidade. Além do seu elevado grau de transparência, há o Parlamento Jovem, a Escola do Legislativo. Existem monografias excelentes que usamos como fonte de estudo no Paraná. É um conjunto de monografias e serviço de mídia que influencia não só a vida de vocês, mas também a vida acadêmica de outros Estados. E o Parlamento Jovem, programa muito interessante relacionado à função de educação do Executivo, está sendo desenvolvido aqui e tem um “website” muito interessante.
Vou citar três pontos problemáticos que podemos ver em cada casa legislativa do Brasil, mas os exemplos poderiam ser facilmente multiplicados. Primeiro, informações incompletas e inadequadas sobre as sinopses legislativas. Um exemplo que acabo de dar é o da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde essas informações não se encontram disponíveis para o cidadão. Ao contrário da Assembleia Legislativa de Minas, Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, ao contrário da Câmara dos Deputados, as informações sobre o trâmite das proposições legislativas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro são extremamente obscuras, como qualquer um pode verificar por si mesmo.
Outro aspecto problemático nos “websites” legislativos é a ausência de informação de comissões parlamentares. Cito como exemplo a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. A lista das Comissões não mostra a filiação partidária dos parlamentares, não há “link” para os perfis dos parlamentares, como ocorre na Assembleia de Minas, nem relação de projetos. Para termos acesso a parecer de proposição exarado pela CCJ, é necessário gastar dois ou três pares de sapato. Essa informação poderia estar disponível na internet. Outro aspecto problemático que detectamos é a forma de apresentação dos perfis dos parlamentares. Muitas Assembleias, como a de São Paulo e a do Rio Grande do Sul, delegam às assessorias pessoais dos parlamentares a forma de apresentação dos perfis dos Deputados, as quais, muitas vezes, tendem a transformar os perfis institucionais das Casas Legislativas em “outdoors” institucionais, em peças de propaganda, sem fornecer aos cidadãos as informações relevantes, como data de nascimento, formação educacional, profissão e região eleitoral, como se faz nesta Assembleia. As Assembleias que mais avançaram no uso da internet usam formulários-padrão e aplicam questionários aos Deputados no início da legislatura para padronizarem as informações, que são muito importantes.
Há outro ponto de estrangulamento, objeto de verdadeira luta nas Assembleias: os parlamentares, às vezes, têm visão amadorística do processo político e se recusam a prestar tais informações aos funcionários, como se fossem donos dos seus perfis institucionais, e não funcionários públicos que devem estar subordinados às regras das instituições políticas. Conclusão: aspectos positivos e negativos do uso da internet pelos parlamentos. Os “websites” agregam muito valor às seguintes funções: de representação, de educação e de legitimação. Muitos perfis parlamentares estão disponíveis na rede; há as tevês “on-line” e os programas das Escolas do Legislativo e outros afins, além de muita postagem de notícia.
Outras funções não estão sendo desempenhadas de maneira inadequada. Com o risco de cansá-los, apresentei aquele conjunto de gráficos. Há uma tendência, que pode ser empiricamente acompanhada, de aumento das informações disponibilizadas nos “websites” parlamentares, devido até à operação do famoso efeito-demonstração. Há dois “websites” diferenciados em relação aos demais: os das Assembleias Legislativas de Minas e do Rio Grande do Sul. As outras Assembleias veem isso e começam a imitar. Esse processo ocorre, embora não haja sempre a boa vontade e o entusiasmo cívico necessários. Observamos ainda a pressão da mídia, os escândalos. Aos trancos e barrancos esse processo está acontecendo. O grande problema não é tanto a disponibilidade das informações, mas a qualidade delas. Provavelmente haverá uma frente de batalha desses atores - parlamentares com visão mais moderna da administração pública, funcionários comprometidos com a modernização da instituição e jornalistas com consciência cívica modernizante, que querem aprofundar e contribuir com o processo democrático, e não apenas se autopromovendo e ganhando audiência com os escândalos dos noticiários políticos. A coalizão desses atores pode provocar mudanças significativas em relação a esses aspectos na próxima legislatura.
Aspectos insuficientemente tratados nos “websites”. Não encontramos muita evidência de que ocorrem processos desse gênero: primeiro, criação de mecanismos de participação e interação com a comunidade e evidência de que isso está sendo efetivo. Trata-se de um problema não apenas do Brasil, mas também geral. Agora começam a surgir os primeiros programas mais avançados de promoção da democracia participativa, de participação política no processo legiferante por meio da internet. Segundo: problema para o qual também não temos muita clareza. Como as informações estão sendo processadas internamente? Qual é a efetividade disso? Como as Casas Legislativas estão tratando isso? Faltam muitos estudos. Aliás, vocês podem fazer pesquisa sobre isso na Escola do Legislativo, que tem um campo para agregar as já excelentes monografias existentes aqui. Há um campo enorme, não só de pesquisa teórica, como fazemos na academia, mas também de pesquisa aplicada, que serve para melhorar a instituição em que vocês trabalham e ganham o sustento. Há um campo enorme de pesquisa, e está começando a surgir muita coisa interessante, aliás, nos parlamentos internacionais.
O terceiro ponto que penso ser importante é a efetividade das TICs no processo decisório e nas funções de legislação e fiscalização do Executivo. Então, é preciso começar a mensurar, a criar mecanismos para se mensurar a efetividade disso, e não só colocar na internet. Refiro-me a esses mecanismos que o Caio Túlio apresentou para nós de maneira bastante estimulante, mecanismos de mensuração, de gráficos para ver como isso está se efetivando na prática legislativa e contribuindo para melhorar e afirmar o Legislativo como instituição importante no processo legislativo.
Sei que já passei do tempo e peço desculpas. Para finalizar, quero mencionar alguns “websites” para vocês navegarem e se aprofundarem em todas essas questões. São os “websites” da cientista política Pippa Norris, os quais têm uma quantidade enorme de estudos importantes para quem trabalha nessa área - talvez ela seja uma das mais talentosas cientistas políticas vivas; o do Global Center for Information and Communication Technologies in Parliament, que disponibiliza diversos estudos - há lá um “link” só de estudos sobre parlamentos do mundo inteiro; ainda, o “site” CongressoAberto.com.br, uma iniciativa de ONGs e estudiosos, o qual visa ao acompanhamento das atividades da Câmara dos Deputados. Vocês poderão avaliar a importância para a coletividades das informações que estão aqui. São cientistas e analistas políticos que procuram dar um tratamento analítico de maior qualidade para as informações que vocês disponibilizam. Muitas vezes, o cidadão não acessa diretamente essas informações, mas elas passam em efeito cascata. Hoje há vários “sites” de monitoramento de Legislativos, como o Congresso em Foco, os quais utilizam os “websites” legislativos como fonte muito importante de informação. Isso repercute rapidamente entre os estudantes, cidadãos e pesquisadores. Em Minas, aliás, estão fazendo um. Então, essas iniciativas tendem também a se propagar a partir da próxima legislatura.
Finalmente, menciono o “site” da Fiep, a Rede Empresarial, uma rede de participação política que utiliza toda essa linguagem de rede, novas mídias, “nings”, a fim de promover medidas de impacto para a coletividade e de desenvolvimento local e articulado, isso com um monitoramento das instituições representativas. O projeto de estímulo ao desenvolvimento local está articulado a um aprofundamento da democracia representativa. Então, não há uma relação de soma zero, e quem está na instituição representativa - e isso, aliás, será tema do próximo seminário - tem de aprender a conviver com isso, sem rejeitar essas experiências de participação como se elas fossem antagônicas ao Parlamento, como se as pessoas quisessem destruir o Parlamento. Elas não querem destruí-lo, mas aperfeiçoá-lo e colocá-lo em novos patamares de funcionamento, mais democráticos e compatíveis com a sociedade moderna que, cotidianamente, fiscaliza o destino dos recursos que transfere à esfera pública do Estado e, em particular, do sistema político. Então, esse “site” é uma experiência bastante interessante da rede de participação política do empresariado que corporifica essa concepção de democracia que penso estar começando a emergir por meio de todos os fenômenos enumerados tão bem pelo Prof. Caio.
Muito obrigado pela atenção e me desculpem da demora. Passei um pouco do tempo, mas, como pesquiso isso, esse assunto me empolga, ou seja, o fortalecimento do Legislativo e o aprofundamento da democracia por meio do aperfeiçoamento dos órgãos legislativos e da concepção de maior credibilidade a eles. Obrigado pela atenção.
- No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de “slides”.