DEPUTADO LELECO PIMENTEL (PT)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 2ª seção legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 07/11/2024
Página 26, Coluna 1
Indexação
45ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 5/11/2024
Palavras do deputado Leleco Pimentel
O deputado Leleco Pimentel – Boa tarde, deputados e deputadas, deputada presidenta Leninha, deputada Maria Clara Marra. Hoje, 5/11/2024, o crime da Vale, da BHP e da Samarco completa nove anos, deputada Beatriz. Estive, de manhã, na Arena Mariana e levei um abraço, inclusive, de V. Exa., porque sei do compromisso que tem com esta luta, e de todos os deputados do Bloco Democracia e Luta. Portanto nós, que todos os anos vamos à celebração no Distrito de Bento Rodrigues, neste ano, vamos ter com o povo, que veio do Sul da Bahia, que veio do Estado do Espírito Santo e de Minas Gerais. E o tema do encontro não poderia ser outro senão “Os impactos da assinatura da repactuação do Ttac”, que, não tenham dúvida, é hoje uma das grandes angústias dos atingidos e atingidas.
Nós podemos dizer aos atingidos que lamentamos a postura da Justiça, que estabeleceu, durante esse processo, um sigilo. Que sigilo é esse? Um sigilo que tirou dos atingidos, as vítimas, o direito à voz, o direito a apresentar suas propostas e deu às criminosas, à BHP, à Vale e à Samarco, junto com a Justiça, que nada fez, o direito de responder e de assinar junto aos governos de Minas e do Espírito Santo esse Ttac. O presidente Lula tinha que ter assinado mesmo, deputado Betão, porque, em alguns meses, a somar a partir de hoje o nono ano, o crime prescreverá no décimo ano.
Então é preciso trazer esclarecimento, porque muita gente está dizendo que Lula não deveria ter assinado, já que o valor é baixo. E é mesmo, porque muitos trabalhadores informais permanecerão na informalidade, não conseguindo comprovar que estavam ali trabalhando, sejam pescadores, sejam faiscadores, sejam garimpeiros, sejam agricultores. Mas, com a possível prescrição, as empresas queriam “barrigar” ainda mais. E o pior: Zema quis assinar um acordo, ainda no governo do inelegível, de R$42.000.000.000,00. Os termos deste acordo o permitiam continuar espalhando aquilo que ele acha que espalhou, o dinheiro para Minas Gerais, mas a fim de fazer as suas obras eleitoreiras. Pois Zema deu com os burros n'água, porque ele não conseguiu, e a assinatura desse Ttac, deputado Betão e deputado Doutor Jean, fez com que 95% desse recurso fosse gasto na bacia, na calha da bacia.
Lamentamos o conservadorismo daqueles que conduziram o processo, que não tenham entendido que o Oceano Atlântico, que Abrolhos, Nova Viçosa, municípios que estão no Estado da Bahia, também tiveram interrompidos as visitas, o turismo. Ninguém come um peixe de uma água envenenada. Não seria no Sul da Bahia que teriam a tranquilidade de continuar com o seu pescado. E hoje, em Mariana, o povo da Bahia resolveu, nesta visita simbólica – e são quase quatro ônibus de atingidos e atingidas –, juntar-se ao povo do Espírito Santo e de Minas Gerais.
Nós não podemos confundir o que acontece no dia de hoje com uma celebração. Para muitos de nós, celebração é quando se tem uma colheita farta, quando se tem algo a agradecer. Mas nós não temos isso neste momento. E também não queremos aqui apedrejar esse acordo e dizer que ele não traz alguns avanços. Inclusive, pude, ontem, deputado Doutor Jean, deputado Betão, enviar um ofício, em nome da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos da Bacia do Rio Doce – Cipe Rio Doce –, criada nesta Casa em 1999, endereçado ao ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Nesse ofício, solicitamos que, nesse Ttac que ele tem o prazo de homologar, não seja permitido que os trabalhadores e as trabalhadoras – mesmo assinando essa mixaria que não paga a reparação de tantas doenças que ainda não conhecemos e que ainda estão por vir – fiquem restringidos a assinar e depois perder o direito de recorrer à Justiça, seja aqui, seja na Inglaterra, seja onde acharem que têm direito.
Não é justo colocar a faca no pescoço de quem, há nove anos, espera por uma reparação, e agora dizer que assinaram um acordo de R$35.000,00 ou, no caso de pescadores e daqueles que comprovam nexo de trabalho na bacia naquele período, de até R$95.000,00. Isso é uma mixaria, que não tem a ver nem com a reconstituição do espaço de pertencimento onde esse povo vivia. Eu duvido que alguém aqui consiga adquirir uma casa, refazer um pomar, refazer a sua vida com um valor tão pequeno, com tanta ninharia.
Por essa razão, no dia 5 de novembro, hoje, comemoramos apenas uma questão: a luta não parou. É por isso que nós estivemos em Mariana. Depois de longos dias pelas estradas, cumprindo agendas, eu, o Padre João, a deputada Bella – que também está chegando de Mariana, esteve lá conosco nesta manhã – podemos apontar quais são os problemas graves que esse documento, se homologado da forma como está, poderá trazer.
Nós dissemos, também, que nenhum parlamentar, nenhuma comissão nem os atingidos fomos chamados para essa tratativa. Estamos aqui a, talvez, 300m da sede do Tribunal Regional Federal da 6ª Região – TRF6. Lá estivemos para tentar dialogar com o desembargador, o juiz Roberto, na tentativa de obter informações, com a Comissão Externa de Mariana e Brumadinho, com a comissão especial de repactuação criada na Assembleia ou até com o coordenador da Cipe Rio Doce. Não obtivemos nem resposta, até hoje.
Inclusive, sobre o debate público que realizamos na Assembleia, além das diligências – desde Regência, Colatina – das audiências públicas, assim como bem fizemos, enviamos relatório e documento e não obtivemos uma resposta sequer, nem dos comitês de bacia, nem das assessorias técnicas, nem das comissões e movimentos que puderam dar amplitude também àquilo que tem princípio e diretrizes para uma reparação, no mínimo, justa – para não dizer que isso é impagável. O valor novo é R$100.000.000.000,00. O valor que a Renova disse que gastou é R$37.000.000.000,00. Ninguém, nenhuma alma viva neste planeta tem coragem de assinar dizendo que a Renova o gastou, porque, deste valor, eles dizem que quase 50% – pasmem – foram para pagamento operacional e administrativo. Eles chegaram a ter mais de 7 mil pessoas trabalhando, com salários que, se somados, chegavam a quase R$500.000,00, Doutor Jean. Sem contar que já denunciamos, aqui, nesta tribuna, a presença até de um padre que não era padre. Havia um falso padre na política, que disputou as eleições, ajudando o inelegível; e havia um outro que mentiu para um juiz e que acabou sendo consultor também contratado pela Renova. Esses milhões de reais, bilhões, R$18.000.000.000,00, foram gastos sem nenhuma prestação de contas.
Ora, o que se aproxima é uma grande cortina de fumaça. O Ttac anuncia o fechamento da Renova, mas, com isso, as empresas estão se escondendo para continuar a fazer aquilo que sempre fizeram. Provavelmente, extinta a Renova, todos os servidores que ali estão e que têm informações privilegiadas – vocês podem escrever isso, porque a minha voz não é profética somente – estarão contratados, seja pela Renova, seja pela BHP, seja pela Vale, porque o crime compensa. O crime compensou tanto que eles desnudaram a Justiça e disseram a ela, como um grande tapa na cara: “Vocês não têm competência”. Além de haver um juiz que criou um sistema de indenização não funcional, eles permitiram uma empresa roubar e promover corrupção, e eu já anunciava até a influência nas eleições municipais que acabaram de acontecer. As eleições se deram com o dedo sujo de lama das mineradoras: escolheram quais prefeitos estariam eleitos, escolheram meia dúzia ou metade de vereadores, investiram dinheiro e agora estão dominando consórcios, prefeituras e câmaras.
Depois que fizeram tudo o que fizeram, não existe sequer uma pessoa presa nem pelo crime ocorrido na Bacia do São Francisco, o crime que aconteceu anos depois e que continua a nos assustar, o crime que é chamado erroneamente de crime de Brumadinho, nem pelo crime que aconteceu na Bacia do Rio Doce, que, erroneamente, traz uma chaga para a cidade de Mariana. Não é o crime de Mariana; é o crime daquelas inescrupulosas que continuam a lucrar!
Sabem o que está acontecendo agora? As empresas conseguiram licença para continuar a explorar em cima da catacumba, em cima da cova coletiva, em cima do túmulo daqueles que morreram em Bento Rodrigues. A Samarco continua a operar e a retirar minério em cima do túmulo, da dor, do cheiro de enxofre, porque essas empresas só podem ter, por trás de si, o diabo! O cheiro de enxofre, nesses nove anos, é o cheiro da crueldade e da maldade que perpetuam inclusive com a complacência de governadores como o governador de Minas Gerais.
Hoje, nove anos depois do crime, a imagem que nos marca é a de Zema, com quatro malinhas cheias de adesivos, partindo não sei para onde ou para fazer o quê, com cara de coitado. Sem dó nem piedade, ele não deve ter feito nem o nome do Pai ao lembrar das vítimas dos crimes das mineradoras que ele tanto apoia em Mariana e em Brumadinho e das vítimas nas Bacias do Rio Doce e do São Francisco.
Por essa razão, nós estivemos no palácio e vimos o presidente Lula apontar o dedo para as empresas e dizer: “Vocês são os responsáveis pela desgraça e pela tristeza e vocês haveriam de aprender para nunca mais cometer crimes, como fizeram, deixando essas barragens estourarem sobre a cabeça do nosso povo”. Aliás, a mesma situação está acontecendo em Santa Bárbara: a AngloGold Ashanti soou mais uma vez a sua buzina, o seu alarme, porque crime de barragem compensa, e eles mostram, cada dia mais, que isso está acontecendo.
As nossas últimas palavras são de um conforto para as vítimas, para os familiares dos mortos. Não assinem, não assinem nenhum acordo individual, não percam o direito de recorrer à Justiça, não percam o direito e a dignidade ao assinarem essa migalha, porque nós vamos provar que esse crime é impagável e que esse crime deveria ter colocado todas as pessoas na cadeia. Dia 5 de novembro: nove anos de um crime que gostaríamos de ter esquecido, mas que, infelizmente, continua a atormentar o sono de tanta gente! Nós esperamos que, da Assembleia Legislativa, ecoem também as nossas palavras, e que, no Bloco Democracia e Luta, nós continuemos firmes para não nos debruçarmos e nem nos ajoelharmos diante desse capital que exclui, degrada e mata.
Obrigado, presidenta Leninha, deputada Andréia e todos os que se fazem presentes no Plenário. Que este dia seja também para a gente trazer aqui todas as nossas denúncias e as angústias que carregamos todos esses anos.