Decisão nº 10, de 14/12/2023

Texto Original

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A presidência, em atenção à questão de ordem* suscitada pela deputada Beatriz Cerqueira, protocolada em 30 de outubro de 2023, relativa aos fatos ocorridos durante a 24ª Reunião Ordinária da Comissão de Direitos Humanos, realizada em 25 de outubro de 2023, e considerando que, embora as atividades do processo legislativo realizadas nas dependências da Assembleia Legislativa sejam atos públicos, o direito de filmagem e gravação nesses recintos não pode implicar a exploração das imagens de parlamentares e de terceiros nem a exposição de conversas particulares que ocorram durante as atividades do processo legislativo ou no intervalo das reuniões; comunica que a Mesa da Assembleia procederá às alterações normativas necessárias para impedir a realização de gravações indevidas nas dependências desta Casa.

Mesa da Assembleia, 14 de dezembro de 2023.

Tadeu Martins Leite, presidente.

* – A deputada Beatriz Cerqueira protocolou, em 30/10/2023, a seguinte questão de ordem:

Questão de Ordem

A deputada que este subscreve formula, nos termos dos arts. 165 a 169 do Regimento Interno, questão de ordem a respeito da aplicação do inciso X do art. 5º da Constituição da República e da Deliberação da Mesa nº 269, de 1983, com amparo nos argumentos que apresenta a seguir. No dia 25/10/2023 foi realizada a 24ª Reunião Ordinária da Comissão de Direitos Humanos no Plenarinho II desta Casa. Após exauridas todas as fases da reunião com a deliberação de matérias e pronunciamentos de parlamentares, que contou com o registro da presença desta Parlamentar, a reunião foi encerrada pela deputada Bella Gonçalves. Entretanto, após finalizados os trabalhos da comissão, a assessora do deputado estadual Caporezzo, Sra. Raquel Tavares Morato Moreira, matrícula 27159-4, começou a fazer o registro de vídeo com o seu smartphone, sem qualquer autorização desta Parlamentar e das demais ali presentes no plenarinho, posicionando o seu aparelho celular nos rostos das deputadas, em total afronta ao inciso X do art. 5º da Constituição da República, que assegura o direito da inviolabilidade da honra, imagem e privacidade das pessoas, além da violação aos incisos II, III, IV, V e VIII da Deliberação da Mesa nº 269, de 1983, que trata das normas do Regulamento Geral da Secretaria da ALMG, dentre elas, os deveres funcionais dos funcionários desta Casa. Naquele momento da filmagem, a assessora do deputado estadual Caporezzo, Sra. Raquel Tavares Morato Moreira, foi repreendida pelos presentes, pois não se tratava de uma reunião pública, mas sim de conversas particulares das parlamentares que não autorizaram qualquer registro das suas imagens. Embora as atividades do processo legislativo realizadas nos plenários da Assembleia Legislativa sejam atos públicos, o direito de filmagem e gravação nesses recintos não pode se estender à exploração das imagens de parlamentares e/ou de terceiros, nem à exposição de conversas particulares que ocorram durante as atividades do processo legislativo, sob pena de lesão aos direitos de personalidade. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, consagra a inviolabilidade da honra, imagem e privacidade das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Essa garantia constitucional também encontra amparo nos artigos 20 e 21 do Código Civil, que positiva a proteção ao direito da personalidade. Já a Deliberação da Mesa nº 269, de 1983, que regulamenta as normas desta Casa, dispõe, em especial, sobre as regras e condutas dos servidores do Poder Legislativo Mineiro. Vejamos a seguir, todos os dispositivos constitucionais e regimentais violados:

Art. 5º da CF/88:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.

Artigos 20 e 21 do Código Civil:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”.

Deliberação da Mesa nº 269, de 1983:

“Art. 210. São deveres do funcionário:

II – manter nas dependências da Assembleia atitude discreta;

III – tratar com urbanidade os Deputados, os superiores hierárquicos e demais funcionários da Secretaria e o público em geral;

V – observar as normas legais e regulamentares;

VI – manter lealdade às instituições constitucionais;

VIII – ter discrição, guardando sigilo de atos que ainda não tenham sido dados à publicidade;”.

Esta deputada encontrava-se em um ambiente restrito aos/as deputados/as e assessores/as da comissão que auxiliaram os trabalhos legislativos, quando foi surpreendida com a ação da assessora do deputado estadual Cristiano Caporezzo, que fazia várias gravações por vídeo, sem qualquer autorização após o término da reunião da Comissão de Direitos Humanos. O ocorrido transformou o espaço da atividade legislativa em um ambiente de agressão e violência contra as parlamentares mulheres. A ação da assessora parlamentar, sobremaneira, configura flagrante lesão aos direitos de personalidade, fere a imagem, o nome e a privacidade desta Parlamentar e das demais que se encontravam presentes naquele momento, quando procedeu à gravação das imagens sem qualquer autorização durante um momento de conversas privadas entre as mesmas. Ademais, muito embora as atividades do processo legislativo realizadas no Plenário, bem como aquelas realizadas pela comissões da Assembleia Legislativa, sejam atos públicos, o direito de filmagem e gravação nesses recintos não pode se estender à exploração das imagens de parlamentares e/ou de terceiros, nem à exposição de conversas particulares que ocorram nos espaços desta Casa. Os vídeos feitos pela assessora foram publicados nas redes sociais do Deputado Estadual Cristiano Caporezzo por meio dos perfis do Instagram: @caporezzodm e @caporezzoreserva, com informações caluniosas que não refletem a veracidade dos fatos e edição de conteúdos manifestamente ofensivos, que causam lesão à imagem, honra e privacidade desta Parlamentar e das demais que estavam presentes no ambiente no dia da reunião. Os vídeos publicados contendo a exposição ilegal das Parlamentares divulgados nas redes sociais do deputado Cristiano Caporezzo foram compartilhados em “colaboração” com outros perfis do Instagram: @rafael.udb e @uniaodireitabrasil. No perfil da página União Direita Brasil, é possível verificar no post de um dos vídeos que, até o presente momento, já contava com mais de 23.507 curtidas e 1.675 comentários ofensivos às Parlamentares, com conteúdos e discursos de propagação de ódio e violência, o que demonstra a gravidade da lesão ocasionada à imagem, honra e privacidade e segurança das mesmas, inclusive, a potencialidade e extensão do dano, já que a página conta atualmente com 38.700 (trinta e oito mil e setecentos) seguidores. Em relação ao perfil do instagram @rafael.udb, esclarece-se que se trata de conta cuja titularidade pessoal do assessor parlamentar, Sr. Rafael dos Santos de Campos, matrícula 28981, vinculado ao gabinete do deputado Cristiano Caporezzo. Além dos compartilhamentos indevidos dos vídeos contendo a exposição indevida da imagem desta Parlamentar com conteúdos vexatórios em sua página, o referido perfil é identificado como GDO – Gabinete do Ódio – Milícia Digital, isto é, servidor desta Casa Legislativa que utiliza as redes sociais para a divulgação de conteúdos que propagam discurso de ódio, intolerância e estimulam situações que ensejam a prática de violência política contra as mulheres. Tal perfil possui 36.400 (trinta e seis mil e quatrocentos) seguidores, o que demonstra a potencialidade do dano causado às parlamentares e o risco iminente do agravamento das hipóteses de violências contra as mesmas, já que, desde que foram eleitas pelo povo mineiro, suportam episódios de violências e ameaças, cuja situação tem-se intensificado nos últimos meses, pelo gênero e função que ocupam no Parlamento. Como dito, tais ações, indubitavelmente, ferem os direitos de personalidade desta Parlamentar, nestes incluídos os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade, que estão assegurados pelo inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Do mesmo modo, é importante destacar os deveres funcionais aos quais estão sujeitos os/as servidores/as desta Casa por meio Deliberação da Mesa nº 269, de 1983, especialmente, tratar com urbanidade os deputados; ter discrição, guardar sigilo de atos que ainda não tenham sido dados à publicidade; observar as normas legais e regulamentares e manter lealdade às instituições constitucionais. As condutas adotadas pela Sra. Raquel Tavares Morato Moreira e pelo Sr. Rafael dos Santos de Campos, ambos assessores parlamentares do gabinete do deputado Cristiano Caporezzo, violaram os direitos de imagem, honra e privacidade desta Parlamentar, bem como infringiram os seus deveres funcionais perante esta Casa, que estão previstos na Deliberação da Mesa nº 269, de 1983. Ademais, aquele ou aquela que produz e/ou divulga, compartilha conteúdos ofensivos ou lesivos à imagem, honra e privacidade, com o intuito de macular a imagem de outrem, são diretamente responsáveis pelos seus atos e pelos danos que causarem a outrem, principalmente, qualquer bem violado encontra proteção no ordenamento jurídico, sendo, por isso, possível a responsabilização administrativa daquele/a que atenta contra direito de personalidade de outrem. Por fim, sobre a situação de violência ocorrida contra esta Parlamentar apresentada na presente questão de ordem, é importante destacar que esta Casa aprovou recentemente a Lei nº 24.466, de 2023, que instituiu a política de enfrentamento à violência política contra a mulher no Estado. A legislação, pioneira no País, aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi grande destaque nacional, pois confere proteção legal à mulher que é vítima de ameaças, violências que colocam em risco a sua vida e de seus familiares, durante o exercício do cargo parlamentar. Diante de todo o exposto e da caracterização da violação do direito à imagem, ao nome e à privacidade desta Parlamentar estabelecidos no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal e nos arts. 11 e 20 da Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), bem como a identificação do cometimento de infrações funcionais previstas na Deliberação da Mesa nº 269, de 1983, a deputada que esta subscreve requer que seja QUESTÃO DE ORDEM conhecida e, observado o rito procedimental estabelecido no Regimento Interno da ALMG, resolvida em sentido positivo pelo Presidente da Assembleia Legislativa. Em vista do exposto, solicitamos a V. Exa. que resolva esta questão de ordem, considerando a fundamentação apresentada.