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Violações de direitos humanos no Tejuco preocupam comissão

Moradores da região presentes a audiência na ALMG relataram problemas com a quantidade e qualidade da água que consomem.

19/04/2023 - 21:01
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O rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), após mais de quatro anos, além dos danos ambientais, sociais e econômicos diretos, gerou uma série de violações de direitos humanos, especialmente na comunidade do Tejuco.

Moradores do distrito que compareceram à audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (19/4/23), denunciaram os graves problemas que enfrentam na localidade.

Gestores presentes, mas sem grande poder de resolução, ouviram as queixas e se propuseram a relatar a instâncias superiores as demandas trazidas.

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Munido de várias fotos do Tejuco, antes e depois da entrada da mineração no local, Evandro de Paula, presidente da Associação de Defesa Ecológica da Serra dos Três Irmãos, resumiu o quadro que se apresenta na comunidade. O descaso das autoridades, que não têm dado solução aos problemas enfrentados lá, tem provocado suicídios frequentes em Brumadinho: foram registrados 90 casos de autoextermínio entre a população local. 

Sobre o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre Vale, Prefeitura de Brumadinho, Ministério e Defensoria Públicos e a Copasa, Evandro ironizou afirmando que se trata de um TAC-V, ou seja, comandado pela Vale.

Pelo acordo, a mineradora firmou o compromisso de perfurar poços artesianos no Monte Cristo, para posterior entrega à Copasa, que ficaria responsável pela gestão e abastecimento do Tejuco.

Contaminação

Na avaliação dele, a definição da execução do acordo, o qual não teve a participação da comunidade local, foi feita pela empresa, que cometeu o crime. O TAC foi firmado porque os cursos d’água locais estão todos contaminados com minérios e a Copasa passou a fornecer água, pela qual cobra tarifa dos moradores. 

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Uma das fotos apresentadas mostra o Tejuco antes da mineração, com a serra intocada, sem qualquer intervenção. Já as fotos depois da instalação das mineradoras revela buracos e terra solta na montanha, além de lama e poeira nas ruas do distrito.

Afora a contaminação dos córregos e nascentes, Evandro denunciou que foi jogado minério nos reservatórios do Tejuco, conforme mostrou outra foto, com manancial de água vermelha e barrenta.

Também o advogado Marco Antônio Cardoso, morador do Tejuco e ativista ambiental, lembrou que a comunidade teve início há 300 anos. O início da exploração do minério de ferro começou na década de 1940, mas o grande salto ocorreu entre 1990 e 2000, com a entrada da Vale e consequente fragilização das nascentes.

Após o crime em 2019, a comunidade passou a conviver com a situação absurda, de ter agua em quantidade menor e com qualidade ruim. 

Rejeitos na cava

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Para Maria Tereza Corujo, do Movimento pelas Águas de Minas, não se pode tratar com a Vale as formas de reparação às comunidades que a mineradora agrediu com suas ações.

Ela cobrou da empresa a instalação de tubulação para levar água limpa ao Tejuco, da mesma forma como instalou tubos para abastecer suas instalações. A ativista também criticou a atuação da Copasa, que sempre vota a favor de empreendimentos de mineração. 

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Maria Tereza Corujo ainda denunciou que a Vale estaria colocando rejeitos na cava da Mina do Córrego do Feijão, contaminando o aquífero.

Ainda segundo ela, a região do Tejuco e adjacências está cercada pelo interesse minerário e já conta com três mineradoras instaladas - Tejucana, Mineral do Brasil e Vale - e vários projetos para instalação. “Esse território já ultrapassou qualquer limite para a atividade minerária. Nascentes tinham que ser prioridade máxima e nenhuma poderia ser colocada em risco”, pontuou.

Também com essa linha de pensamento, Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra, refletiu que “a reparação do crime da Vale está resultando em aumento do poder das mineradoras no território”. Prova disso é que várias estradas foram abertas sem licenciamento ambiental e poços artesianos furados pela Vale sem outorga.

Ele também denunciou que há um projeto para fazer uma pilha de rejeito com tamanho de 12 hectares no Tejuco. Por tudo isso, pediu que sejam suspensas todas as licenças ambientais para a região. 

Autoridades se justificam

Após ouvir a população, os representantes de órgãos estaduais presentes tentaram trazer informações visando esclarecer pontos polêmicos e se colocaram à disposição para levar as demandas a instâncias superiores.

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Falando sobre o TAC, Lucas Trindade, promotor de Justiça das Promotorias de Brumadinho, disse que o documento foi celebrado com o objetivo exclusivo de assegurar saneamento básico, no que diz respeito apenas ao fornecimento de água.

“Não tratamos da proteção de nascentes, o que não significa que elas serão negligenciadas”, asseverou. Ele afirmou que o TAC não fecha as portas para outras pretensões da comunidade e que os danos relatados na reunião podem ser objetos de outras tratativas pelo MP e pela Defensoria Pública.

A defensora pública que atua no caso, Carolina Morishita, lamentou que a quantidade e complexidade das demandas às vezes superam a capacidade de atendimento da Defensoria. Por envolverem muitas instâncias do poder público e entes privados, exijam levantamentos técnicos, demorando um tempo maior do que a expectativa dos atingidos. 

Não taxação da água

Décio Júnior, secretário de Comunicação de Brumadinho, declarou que a prefeitura comungava da mesma opinião manifestada pelos representantes do Tejuco na reunião. Ele exemplificou com a situação da Copasa, tendo em vista que o município concorda que os moradores não devam pagar pela água.

“A Copasa vai receber uma obra pronta da Vale e ainda cobrar pela água? Não aceitamos isso”, disse. Para ele, essa questão é um pequeno fragmento do que Brumadinho tem passado desde o crime da Vale.

Já Fernando Janett, da Copasa local, abordando a questão das tarifas, disse que os custos seriam de operacionalização do sistema. E que a tarifação não é definida pela empresa, mas pela Arsae-MG, agência reguladora do saneamento no Estado. Sobre as inadequações no reservatório, ele se comprometeu a verificar as instalações.

Ele também respondeu à denúncia de que a Copasa teria colocado como inadimplentes moradores que saíram da comunidade do Parque da Cachoeira, que integra o Tejuco. Janett disse que procuraria a área comercial da Copasa para verificar a situação. Também pediu ao município que fizesse um relatório com todos os casos e encaminhasse à empresa.

Luiz Mendonça, gerente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), tratou da denúncia envolvendo a deposição de rejeitos na cava da mina do Córrego do feijão. Segundo ele, neste momento, essa ação não ocorre e que a fiscalização dessa parte cabe à Agência Nacional de Mineração (ANM). 

Wanderlene Nacif, diretora de Operações do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), confirmou que as águas do Tejuco não estão em boas condições para uso da população.

Ela reforçou que o Igam fez o monitoramento da água em quatro pontos do Rio Tejuco e verificou a presença de metais pesados, como ferro, manganês e cromo. Além disso, foi comprovada a contaminação pela bactéria Escherichia Colim, atestando que a água precisa de tratamento. 

Parlamentares 

A presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT), acrescentou que, após o crime da Vale, as comunidades tradicionais de Brumadinho estão sendo as últimas a serem atendidas.

Além do dano ambiental e social, ela lembrou do impacto na cultura local, pois muitas pessoas deixaram de fazer suas celebrações e festas. 

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Já a deputada Bella Gonçalves (Psol) reivindicou que a comunidade do Tejuco e outras atingidas pela mineração não tenham que pagar contas à Copasa. “Todos reconhecem que a Vale é a criminosa e que deve pagar pelo dano causado. Se a Copasa não arcará com nada, por que vai cobrar dos moradores?”, questionou. 

O deputado Betão (PT) afirmou que já foi a diversas comunidades atingidas por rompimentos de barragens e que em várias delas é comum o clima de medo e o adoecimento das pessoas, além da restrição à água.

A 1ª-vice-presidente da ALMG, deputada Leninha (PT), afirmou que a atual Mesa pretende inaugurar um novo tempo, de acompanhamento e cobrança de forma sistemática das ações do Executivo. 

O deputado Leleco Pimentel (PT) sugeriu que haveria um projeto por parte do governo Zema de privatização da água. “Estou preocupado com a situação deste crime que compensa e que avança; e com a possibilidade de passarem o domínio das águas para a iniciativa privada”, disse.

Comissão de Direitos Humanos - debate sobre o acesso à água em Brumadinho
“Hoje, comemos e bebemos minério e ainda querem que paguemos por ele”
Evandro de Paula
presidente da Associação de Defesa Ecológica da Serra dos Três Irmãos
"Ela não defende os aquíferos, as águas, porque o interesse minerário está dentro da Copasa"
Dep. Maria Tereza Corujo
"Embora tenhamos aprovado leis importantes aqui na Assembleia, percebemos que o crime é continuado, tanto que a comunidade do tejuco permanece invisível para a empresa"
Andréia de Jesus
Dep. Andréia de Jesus

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