Suposto desmonte da Rádio Inconfidência é repudiado na Assembleia
Participantes de debate das Comissões de Cultura e do Trabalho denunciam o que seria uma estratégia do Executivo, cobram soluções e funcionários demitidos são homenageados.
22/03/2023 - 20:52Demissões de forma irregular e sem o pagamento de direitos, conflito de regimes jurídicos distintos dos servidores, déficit de trabalhadores e sucateamento, baixos salários, ingerência política na programação com desvio de finalidade, aumento do número de comissionados e, ainda, ameaça de terceirização e privatização.
Esses são alguns dos supostos inúmeros problemas da Rádio Inconfidência e Rede Minas relatados na tarde desta quarta-feira (22/3/23) em duas reuniões em sequência promovidas conjuntamente pelas Comissões de Cultura e do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Por trás de tudo isso, segundo o consenso entre os participantes, estaria a suposta estratégia do Executivo de desmanche para facilitar o uso político das duas emissoras públicas que hoje pertencem à estrutura da Empresa Mineira de Comunicação (EMC), atualmente vinculada à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult).
Contudo, em breve a EMC pode ser absorvida pela futura Secretaria de Estado de Comunicação que o governo estadual pretende criar. É o que prevê o Projeto de Lei (PL) 358/23, de autoria do governador, que trata da reorganização administrativa do Estado e já tramita na ALMG.
Em meio a esse temor, o último capítulo da crise foi a demissão, em 17 de fevereiro último, de cinco radialistas da Rádio Inconfidência, de forma sumária, apesar de décadas de serviços prestados à emissora. Entre eles está o cantor e locutor José Parreiras de Oliveira, de 95 anos, prestes a contabilizar 75 anos de atuação na empresa pública.
Os demais foram a programadora musical Maria Lúcia Alves Carneiro, a “Lucinha”, 84 anos, 35 deles vividos profissionalmente na Rádio Inconfidência, o produtor Wladimir de Oliveira Penido, que tinha 35 anos na emissora, o mecânico Luiz Gomes, há cerca de 30 anos lá, e, ainda, o jornalista e produtor José Miguel de Resende Aquino, já aposentado.
Radialistas demitidos foram homenageados
Logo no início da programação, eles foram homenageados com diplomas referentes a votos de congratulações concedidos pela ALMG por meio da Comissão de Cultura. “E eles ainda foram demitidos sem receber um centavo das verbas rescisórias, multa do FGTS e aviso prévio indenizado”, denunciou a presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Alessandra Cezar Mello.
Para piorar, segundo a sindicalista, o termo de rescisão de contrato de trabalho teria sido fraudado devido a uma alteração irregular na data de desligamento, na qual consta 19 de janeiro em vez da data correta: 17 de fevereiro. O fato já foi denunciado à Delegacia Regional e ao Ministério Público do Trabalho.
Conforme confirmado pelos dois executivos da EMC, as demissões aconteceram para cumprir entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que não assegura estabilidade a servidores com vínculo menor do que cinco anos anteriores à promulgação da Constituição de 1988, o que também já é contestado juridicamente pelo Sindicato dos Jornalistas.
Mesmo pressionados por inúmeros questionamentos, a diretora-geral Renata Maria Renault dos Santos e o gerente de Gestão de Pessoas Luís Roberto Gusmão, ambos da EMC, não explicaram de quem partiu a ordem das demissões. “Senti muita dor ao saber que teria que dispensá-los”, resumiu a primeira.
Na rádio desde 1948, sem curso e sem concurso
Ao relatar emocionado sua trajetória na emissora, na qual ingressou em 1948, o radialista José Parreiras arrancou risos dos presentes ao questionar o suposto motivo de sua demissão.
“Vi dezenas de diretores irem e virem na Rádio Inconfidência e todos eles agiram errado? Quando eu entrei na rádio não existia nem curso de comunicação, nem concurso”, emendou. A Rádio Inconfidência AM foi fundada em 3 de setembro de 1936 e é a emissora mineira mais antiga em operação.
Essa postura dos gestores da EMC na audiência mereceu críticas da deputada Macaé Evaristo (PT). “É um absurdo passar uma vida lá dentro da rádio e ter que sair sem ao menos poder se despedir dos colegas e dos ouvintes”, lamentou, em referência ao programa Clube da Saudade, conduzido ininterruptamente por José Parreiras por 25 anos.
Presidente da Comissão de Cultura, o deputado Professor Cleiton (PV) apresentou uma lista de perguntas aos representantes da EMC e cobrou que, ao menos, elas sejam respondidas depois à ALMG, de maneira formal, pelo Executivo. Ele também anunciou que pretende aprovar requerimento para visitas técnicas da Comissão de Cultura às duas emissoras.
Deputados reforçam indignação com desrespeito
“Queríamos ter o poder da caneta para resolver tanta injustiça feita neste Estado. Será que o governador também se perguntou se a Adélia Prado tinha feito concurso na Rádio Inconfidência?", ironizou Doutor Jean Freire (PT).
"Quem não sabe quem é Adélia Prado com certeza não quer saber quem é José Parreiras. Pra esses, a cultura é o primeiro lugar a atacar porque ela nos dá conhecimento e energia para a luta”, completou o deputado.
A deputada Lohanna (PV) associou a tentativa de desmonte das emissoras como um primeiro passo para seu aparelhamento visando ao uso como instrumento de campanha pelo governador nas eleições de 2026. Ela ainda defendeu com os colegas a aprovação da convocação do titular da Secult para prestar esclarecimentos na ALMG.
Já Mauro Tramonte (Republicanos) lembrou que começou sua carreira de comunicador como radialista em Poços de Caldas (Sul de Minas) e disse que se hoje a Rádio Inconfidência é conhecida em todo o País foi pela dedicação dos seus profissionais.
Requerimento
As duas reuniões atenderam a requerimentos assinados por 18 dos 20 deputados do Bloco Democracia e Luta, de oposição ao governador Romeu Zema.
Entre eles estão a 1ª vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT), o líder do bloco, deputado Ulysses Gomes (PT), o líder da Minoria, Doutor Jean Freire, e os presidentes das duas comissões: Professor Cleiton, de Cultura; e Betão (PT), do Trabalho.