Notícias

Sociedade civil exige participar de comitê do Plano Nacional Pena Justa

Medida busca conter a situação de calamidade nos presídios. Portaria conjunta em Minas excluiu familiares dos detentos, servidores da área e movimentos organizados.

09/04/2025 - 19:40
Imagem

Representantes de associações e movimentos ligados ao sistema carcerário exigiram, nesta quarta-feira (9/4/25), assento no Comitê de Políticas Penais do Estado. Esse grupo interinstitucional será instância de governança em Minas do Plano Nacional Pena Justa, que cria um novo marco estatal sobre as violações de direitos fundamentais nas unidades prisionais do País.

A reivindicação foi feita durante audiência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), solicitada por sua presidenta, a deputada Bella Gonçalves (Psol).

A parlamentar será uma das representantes do Poder Legislativo no Comitê e aponta que "nenhum deputado ou deputada pode substituir as pessoas que lidam diretamente com o sistema prisional".

Botão

Para entender

O Pena Justa é o Plano Nacional para o Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras. Ele foi elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com a União e com o apoio de parceiros institucionais e da sociedade civil.

A determinação veio do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, em 2023, após denúncia do Psol.

O documento mostra sistemáticas violações de direitos humanos nas prisões, relacionadas, por exemplo, às condições de infraestrutura, higiene e alimentação, além de atendimento em saúde e gestão processual.

Vídeo

Detentos também sofrem com a superlotação dos presídios e há denúncias frequentes de tortura e maus-tratos. Esse quadro configura um estado de coisas inconstitucional (ECI), reconhecido pelo STF.

O plano tem metas nacionais, mas prevê também que cada unidade da federação terá um plano próprio, que deverá ser validado pelo STF. Tanto o acórdão do STF quanto um guia elaborado pelo CNJ determinam a participação da sociedade civil na elaboração e implantação do Pena Justa.

Mas em Minas, segundo os participantes da audiência, portaria conjunta que cria o Comitê de Políticas Penais do Estado não prevê a presença de representantes da sociedade civil.

Ela é assinada pelos titulares da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), do Tribunal de Justiça, da Corregedoria-Geral de Justiça, da Procuradoria-Geral de Justiça, da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG). 

Minas seria caso atípico

A não previsão de participação social em Minas foi considerada atípica pelo coordenador da Rede Nacional de Atenção a Egressos do Sistema Prisional (Renaesp), Francisco Augusto Cruz de Araújo. Segundo ele, a rede tem acompanhado a criação dos comitês em todo o País e nenhum estado afastou a sociedade civil da construção do plano.

“Aqui no Rio Grande do Norte temos assento permanente, assim como a universidade, a pastoral carcerária e outros grupos”, salientou Francisco, que participou da audiência por videoconferência. Ele disse “estranhar a conivência” do Judiciário em Minas, que assinou a portaria. “Já conhecemos a orientação do Executivo em Minas, mas precisamos constranger o Judiciário”, pontuou

Sociólogo e pesquisador da segurança pública, ele enfatizou que o Pena Justa não pode ser construído em gabinete, sem a escuta de organizações formais e informais, de familiares, de organizações que acompanham os relatos de tortura e dos próprios presos. Francisco apontou que Minas tem a segunda maior população carcerária do País. São 65 mil presos, segundo ele, sendo 25% sem julgamento.

Áudio

Sociedade majoritária

Guilherme dos Santos Azevedo Cardoso, do Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (LabTrab/UFMG), salientou que tanto o guia do CNJ quanto o acórdão do STF determinam que a participação social deve ser majoritária ou, no mínimo, paritária.

Outra questão, segundo ele, envolve a coordenação do comitê. No decreto do Executivo estadual, ela será exercida por integrante do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistemas Carcerário e Socioeducativo, como representante do Judiciário, e pelo titular da Sejusp, representando o Executivo.

“A orientação nacional é de que a coordenação seja feita por membro eleito pelo comitê, em caráter rotativo, com mandato de dois anos”, contrapôs o representante do LabTrab+UFMG.

Servidores do sistema prisional também participaram da reunião e exigiram compor o Comitê. Sandra Márcia Duarte, da Associação Nacional dos Técnicos e Especialistas Penais (Anatesp), denunciou o desmonte dos quadros funcionais de servidores qualificados, como psicólogos, assistentes sociais e médicos, entre outros. Eles estariam sendo substituídos por ex-carcereiros, com a nova denominação de polícia penal.

Não estamos pedindo para participar. Estamos exigindo o cumprimento da sentença. Sem a sociedade civil, ela não será cumprida e o plano não poderá ser homologado pelo STF”, afirmou. “Desse jeito não teremos pena justa, mas apenas uma retórica governamental”, reforçou José Lino, do sindicato dos servidores em Minas.

Familiares denunciam abusos

Não vamos aceitar nada para nós sem nós”. A frase de Miriam Estefânia dos Santos, presidenta da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, sintetizou a demanda trazida também por esse grupo. Ela salientou que a associação existe há 18 anos e é reconhecida legalmente.

A instituição, de acordo com a presidenta, oficiou todos os órgãos que assinam a portaria conjunta, mas recebeu apenas a confirmação de recebimento de dois deles. “O único planejamento que funciona hoje no sistema prisional em Minas é ‘tiro, porrada e bomba’. Quem sai de lá não é egresso e, sim, sobrevivente do cárcere”, denunciou.

Também Maria Tereza dos Santos, coordenadora da Rede de Atenção às Pessoas Egressas do Sistema Prisional (Raesp) e militante da causa, afirmou que a violência aumentou nos presídios na gestão de Rogério Greco, atual titular da Sejusp. “Há um projeto em curso para o genocídio da população carcerária”, pontuou.

Imagem

Segundo ela, o Ministério Público também está “rendido” nessa gestão e sequer responde às denúncias. Maria Tereza enfatizou que Greco não pode coordenar o Comitê, uma vez que não foi eleito para isso, conforme preveem as orientações do Pena Justa.

Representantes da OAB-MG e da Defensoria Pública se comprometeram a levar as demandas a esses órgãos e apoiar a revisão da portaria. Bella Gonçalves também apresentou requerimentos nesse sentido, endereçados aos órgãos signatários da portaria e, ainda, ao STF e ao CNJ.

Comissão de Direitos Humanos - debate sobre a execução do Plano Nacional para o Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras

Áudio
Escaneie o QR Code com o celular para conferir este audio

Escaneie o QR Code com o celular para conferir este video
Sociedade civil organizada cobra escuta em plano para o sistema carcerário no Brasil TV Assembleia
Comissão de Direitos Humanos - debate sobre a execução do Plano Nacional para o Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras

Receba as notícias da ALMG

Cadastre-se no Boletim de Notícias para receber, por e-mail, as informações sobre os temas de seu interesse.

Assine