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Sem consenso, projeto do Rodoanel recebe críticas e elogios em reunião

Em audiência conjunta nesta quarta (14), representantes do governo do Estado apresentam proposta, acatada por prefeitos, mas bombardeada por comunidades atingidas.

14/06/2023 - 21:04
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Após apresentarem o projeto do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, representantes do Governo de Minas obtiveram reações antagônicas dos presentes à reunião conjunta das Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Assuntos Municipais e Regionalização.

De um lado, representantes da sociedade civil criticaram o Rodoanel, avaliando que ele atenderá prioritariamente à mineração e promoverá impactos ambientais e sociais negativos em seu entorno. Na outra ponta, prefeitos de alguns municípios atingidos pela obra elogiaram a proposta, considerando-a solução para problemas viários da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Esse é o resumo da audiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais realizada nesta quarta-feira (14/6/23) que teve o objetivo de detalhar o traçado da via e apontar os impactos para os municípios envolvidos e suas populações. A reunião foi solicitada pela deputada Ione Pinheiro (União Brasil).

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Aaron Dalla, subsecretário de Transportes e Mobilidade da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), anunciou que a empresa vencedora do leilão foi a INC SPA, empresa italiana, que terá a concessão por 30 anos. Serão investidos cerca de R$ 5 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões virão do acordo firmado entre o Estado e a Vale para compensar danos da tragédia em Brumadinho, e R$ 2 bilhões da empresa.

O gestor avaliou que o Rodoanel virá solucionar em parte o problema do Anel Rodoviário da Capital, já saturado e que se tornou líder em acidentes de trânsito: 4.500 por ano. Segundo ele, a nova via retiraria parte do fluxo de veículos das BRs 381 e 040 na RMBH, reduzindo o tempo de deslocamento. Ele apresentou ainda prospecções de aumento do PIB mineiro, entre 7% e 13% em 10 anos, e da produção na RMBH, de até 1,3%, com geração de 10 mil empregos.

Serão 70 km de pista dupla classe, com faixas mais longas e controle de entrada e saída da rodovia. Não haverá praças de pedágio, pois o pagamento será feito por km rodados, o que será controlado por câmeras. Por fim, Dalla destacou que os estudos levaram em conta fatores diversos, incluindo socioambientais, de tráfego e demanda, de engenharia, marcos regulatórios municipais, e ainda, a viabilidade econômica do negócio.

Vitor Tavares, subsecretário de Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ressaltou que o Rodoanel é sujeito a todo o processo de licenciamento ambiental e que não foi iniciado esse processo na Semad. Por enquanto, a secretaria está debruçada sobre os estudos de fauna e flora para a região diretamente afetada pelo empreendimento.

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Comunidades atingidas criticam “Rodominério”

A deputada Bella Gonçalves (Psol) capitaneou as críticas ao projeto do Rodoanel, considerando que, até o presente, não houve a escuta efetiva das comunidades afetadas. “Construímos na Assembleia uma frente parlamentar de enfrentamento ao Rodoanel que, para nós, é uma imoralidade”, disse.

Lembrou que o crime em Brumadinho ceifou a vida de 272 pessoas e agora, depois do acordo para reparação, parte dos recursos está sendo usada para um empreendimento que beneficiará às mineradoras.

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Na mesma linha, o deputado Leleco Pimentel (PT) afirmou não acreditar em nenhuma palavra trazida pelos representantes do governo, pois o projeto estaria passando por cima de tudo que é importante para os cidadãos comuns: suas casas e o meio ambiente. E por outro lado, privilegiaria quem quer explorar, ganhar dinheiro. “Considerar o ‘Rodominério’ uma solução para o problema viário de Belo Horizonte é brincar com a cara da gente”, indignou-se.

Duplicação de vias do anel rodoviário e metrô são apontados como alternativas

Na mesma toada, moradores de cidades atingidas pelo rodoanel e representantes de entidades foram mordazes nos questionamentos ao empreendimento. Frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra, considerou o projeto apresentado “uma propaganda mentirosa”. E contrapôs a ela uma proposta que considera ética, necessária e justa” de obras que resolveriam o problema de mobilidade na RMBH: ampliação do metrô para outras cidades da região; retomada do transporte de passageiros por trens; duplicação das vias do anel rodoviário; e ampliação do sistema público de transporte da RMBH.

Joviano Maia, assessor da deputada federal Célia Xacriabá (Psol-MG), repercutiu denúncia trazida pelo jornal sobre o leilão do Rodoanel, que seria “de cartas marcadas”. E questionou a omissão do Ministério Público que não havia se posicionado sobre isso.

Bruno Freitas, cidadão de Sarzedo, alertou que a agricultura familiar presente na RMBH e considerada o “cinturão verde” da Capital, seria dizimada pelo traçado do Rodoanel. “Se nada for feito, centenas de agricultores ficarão sem trabalho e a agricultura vai acabar em sarzedo, Mário Campos, Ibirité e outros”, profetizou.

Desapropriações

Valdir Pontes, do bairro Nascentes Imperiais, em Contagem, disse que nessa localidade, das 1.500 casas, de 400 a 600 terão que ser destruídas para passar o Rodoanel. Segundo ele, em todo o entorno da via, 15 mil casas serão retiradas com 60 mil pessoas impactadas.

Vanessa Portugal, líder do PSTU, criticou a falta de dados concretos sobre danos ambientais (como sobre a destruição de nascentes) e impactos sociais (sobre quantas casas serão destruídas, por exemplo). Muito menos, haveria dados sobre o plano de mitigação dos danos causados.

Glauco Durães, da comunidade quilombola de Pinhões, em Santa Luzia, declarou que o poder público a todo momento trata os atingidos como se fossem incapazes de discutir o tema. Ele ressaltou que a obra transgride a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pois atingira 70 comunidades tradicionais em todo o traçado.

José Casimiro, do Movimento Salve Santa Luzia, lembrou que o modelo do rodoanel mineiro segue o de São Paulo, obra que não funcionou, segundo ele. “Em Santa luzia, passarão 13 km da obra, com destruição de Mata Atlântica, sítio arqueológico e até de um cemitérios de escravos. No final, quem paga a conta é a sociedade”, lamentou.

Antônio Cândido, cidadão de Belo Horizonte, divulgou que o preço estimado a ser cobrado de quem trafegar no Rodoanel é de R$ 0,35 por km em cada eixo. “Quem vai querer pagar esse valor?”, questionou.

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Deputada e prefeitos apoiam projeto

A deputada Ione Pinheiro disse que o Rodoanel será a concretização de uma obra sonhada fruto de uma luta de vários anos. Ela informou que a reunião desta quarta será a primeira de várias que pretende realizar para debater outros aspectos do projeto, como o licenciamento ambiental.

“O governador foi corajoso ao propor esse trabalho grandioso, com cerca de 100 km de trajeto, passando por 11 cidades. É importante entrarmos nessa luta contra as mortes que ocorrem nas rodovias”, opinou.

Na mesma linha, o prefeito de Sabará, Wander Borges, analisou ser necessário buscar um caminho de união que dê segurança jurídica e ambiental ao projeto, ouvindo as pessoas afetadas. “Não se pode simplesmente dizer não por não. Essa época acabou. Precisamos de diálogo franco e correto, sem ‘jogar para a plateia’”, propôs.

Também Diego Silva, prefeito de São José da Lapa, considerou que uma obra que impactará 17 municípios da RMBH dificilmente encontrará consenso. Da sua parte, ele optou pela defesa do Rodoanel como forma de pelo menos reduzir as mortes que ocorrem em toda a região. “Temos que fazer um debate técnico e sereno, mas entendendo que o Rodoanel é indispensável para Minas Gerais”, concluiu.

O promotor de justiça Lucas Trindade, coordenador das Promotorias do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, fez o compromisso, em nome do Ministério Público, de acompanhar todo po licenciamento ambiental do empreendimento. “Tão logo o estudo de impacto ambiental esteja disponível, iremos avaliá-lo”, prometeu.

Tentando responder aos questionamentos, Aron Dalla afirmou que é prioridade adotar medidas para mitigar da melhor forma os impactos ambientais do Rodoanel. Ele também reafirmou o compromisso de ouvir as pessoas das regiões impactadas, pedindo inclusive os contatos dos participantes.

Sobre o anel rodoviário, o gestor afirmou que a via é de responsabilidade do DNIT. E enfatizou que, após a conclusão do Rodoanel, o fluxo de caminhões deve ser proibido no anel.

“Até hoje, tem sido uma obra autoritária, que prenuncia danos ambientais e sociais, tudo com sangue e lama, porque veio do acordo com a Vale.”
Bella Gonçalves
Dep. Bella Gonçalves
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