Saída para a dívida é política e não passa pelo RRF, reforçam lideranças
Impactos sobre os serviços prestados à população foram enfatizados durante debate sobre o endividamento de Minas Gerais.
26/10/2023 - 18:41“Políticas públicas concorrem com a dívida por recursos”. “Cortes de gastos ceifam vidas”. O dilema expresso pelas frases de participantes do ciclo de debates Endividamento de Minas Gerais foi aprofundado no painel “Os impactos da dívida nas políticas públicas destinadas à população”, na tarde desta quinta-feira (26/10/23). A solução passaria longe do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Seria, na verdade, política: sentar com o credor e negociar.
O ciclo de debates é realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e reúne autoridades e especialistas na busca de um caminho viável para o equacionamento da dívida pública do Estado. A programação continua nesta sexta (27), com os painéis “A arrecadação: Lei Kandir, benefícios fiscais e a reforma tributária”; e “As soluções propostas: o Regime de Recuperação Fiscal e as alternativas possíveis”.
Para a maioria dos participantes, a solução para a dívida não deve ser técnica. Nesse sentido, eles criticaram o governador Romeu Zema pela “negação” da política e pela falta de habilidade nesse campo. “Zema não tem essa estatura. Não há movimento para procurar as lideranças”, pontuou Lohanna (PV). O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) acrescentou que, em jantar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ele teria dito que nunca foi procurado pelo governador para discutir qualquer demanda de Minas.
O ex-deputado estadual Sávio Souza Cruz reforçou que é preciso mobilizar lideranças em favor do problema da dívida. Também para ele, não se faz ajuste por lei porque a realidade se impõe à norma. “O ajuste é no campo da política. Mas Minas insiste em um instrumento proposto pelo governo federal anterior, que tinha uma lógica oposta ao atual”, criticou.
“Economia é política social aplicada. O tecnicismo vai nos fazer errar. O que resolve é sentar com o presidente e fazer política”, reiterou Gelton Pinto Coelho, do Conselho Regional de Economia e do Conselho Municipal da Pessoa Idosa de Belo Horizonte. Ele citou o fluxo de atendimento aos idosos, que começa no Disque 100 e envolve a ação da Polícia Civil. “Sem gasolina ela não vai chegar”, frisou, citando impactos para a população.
Máquina pública pode emperrar
Para Gelton Coelho, a adesão ao RRF apenas muda o perfil da dívida, mas não soluciona o problema e ainda impede o funcionamento da máquina pública. Já Denise Romano, coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), lembrou que em muitos municípios do interior de Minas os salários dos servidores públicos são o que faz a economia girar. “Com nove anos de congelamento previstos no plano, o impacto será imenso”, apontou.
Falando pela segurança pública, o coronel Ailton Cirilo da Silva, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, destacou as perdas inflacionárias da categoria e os impactos que podem advir do RRF: redução do poder de compra, bicos como segunda jornada, faltas ao trabalho e, consequentemente, queda na qualidade do serviço público. A saúde mental dos policiais também foi enfatizada.
Renato Barros, diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde, citou o desmonte que já vem ocorrendo na rede Fhemig e o agravamento que pode ocorrer com o RRF. Também o deputado Lucas Lasmar (Rede) citou que, entre 2019 e 2021, o Estado deixou de investir R$ 7 bilhões na saúde, entre o que foi previsto e o que realmente foi investido. Ele conclamou os colegas a tomarem consciência dos impactos do RRF e votarem contra a proposta, independentemente de serem apoio ao governo.
Já Doutor Jean Freire (PT) conclamou os participantes ao convencimento da sociedade sobre esses impactos. “O secretário Gustavo Barbosa (Fazenda) foi o arquiteto do mesmo plano no Rio de Janeiro e admitiu que ele está em ruínas. Como vamos autorizar que ele faça o mesmo em Minas?”, questionou.
Estado condiciona políticas públicas à renegociação
Na defesa do RRF, o representante da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), Túlio de Souza Gonzaga, comparou o valor da dívida a ser pago em 2024 com o RRF (R$ 4,3 bilhões) e sem o RRF (R$ 18,8 bilhões). Essa diferença, de cerca de R$ 14 bilhões, segundo ele, pagaria um ano da folha de servidores ativos do Estado, exceto da segurança e da educação; ou sete anos de custeio da segurança; ou, ainda, 100 anos do orçamento da Defesa Social (Sedese).
Ele também listou os valores programados por áreas no PPAG 2024 e enfatizou que os R$ 14 bilhões seriam superiores ao orçamento da segurança (R$ 12 bilhões). “De forma simplificada, o que gasto com a dívida, deixo de gastar com políticas públicas. E se a dívida é alta demais, inviabiliza essas políticas”, sintetizou. Segundo Túlio Gonzaga, a dívida de Minas chegou a R$ 160 bilhões em 2022, contra Receita Corrente Líquida de R$ 90 bilhões.
O representante da Seplag também citou o deficit previdenciário como outro concorrente das políticas públicas na disputa por recursos. Em 2022, segundo ele, esse deficit foi de R$ 18 bilhões, chegando a R$ 12 bilhões até agosto de 2023.
Nesse ponto, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que presidiu a mesa, questionou os resultados da reforma da previdência, aprovada durante a pandemia, com a premissa de resolver o deficit previdenciário. A parlamentar propôs uma análise do que poderia ser pago com os valores de renúncia fiscal do governo Zema, calculadas em R$ 16 bilhões em 2023.