Projeto que reduz área de proteção ambiental em Araçuaí recebe críticas em audiência
Comunidades afetadas por riscos socioambientais da proposta não teriam sido consultadas, e novos limites da APA Chapada do Lagoão atenderiam a interesses minerários.
26/02/2025 - 18:23Pesquisadores, ambientalistas, moradores da região e representantes do Ministério Público Estadual e Federal criticaram nesta quarta-feira (26/02/25) projeto de lei da Prefeitura de Araçuaí (Jequitinhonha) que altera limites da Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão.
Impactos socioambientais de uma possível aprovação do projeto pela Câmara Municipal de Araçuaí foram discutidos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em audiência pública solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT).
A APA foi criada em 2007 por lei municipal. O prefeito Tadeu Barbosa de Oliveira apresentou o projeto, justificando haver necessidade de revisão dos limites devido ao fato de a unidade de conservação se estender também para Caraí, município vizinho.
Contudo, críticos ao projeto rebateram esse propósito, afirmando que, pela lei, a área da APA vai somente até a divisa com Caraí. Segundo eles, na prática, o projeto reduz a Área de Proteção Ambiental em 23%, havendo o temor de comunidades e ambientalistas de que o objetivo seja atender a interesses minerários na região, com prejuízos à biodiversidade.
“Não existe APA em Caraí e, mesmo se houvesse, bastava mudar algum limite um pouco e não reduzir nessa proporção”, afirmou o coordenador do Plano de Manejo da APA Chapada do Lagoão, Kaíque Cardoso, que é engenheiro florestal e professor do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais.
Segundo detalhou, a Prefeitura de Araçuaí alegaria ter sido provocada pela Prefeitura de Caraí, em setembro do ano passado, a fazer alteração no limite da área, quando na verdade estudo técnico encomendado para justificar a redução da APA já estaria praticamente pronto, tendo sido anexado ao projeto de lei municipal debatido na audiência.
Também o vereador da Câmara de Araçuaí Danilo Borges afirmou que a lei que criou a APA em 2007 diz de forma clara que o limite da APA Chapada do Lagoão vai até a divisa com o Município de Caraí.
Segundo Danilo Borges, ainda que houvesse dúvidas a esse respeito, elas poderiam recair apenas sobre 86 hectares na divisa, ao passo que o projeto retiraria da área de proteção 5.500 hectares, correspondentes aos 23% de redução apontados na audiência.
Lítio justificaria temor
Além do risco de uma redução expressiva na extensão da APA, o vereador e outros participantes da audiência questionaram a forma de apresentação do projeto à Câmara, com pedido de tramitação em regime de urgência. Conforme expressou o vereador Danilo Borges em alusão à atividade minerária na região, o fato seria indício de que as mudanças poderiam atender a “interesses conflitantes e ocultos”.
Avaliação semelhante foi feita pela professora e pesquisadora do Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Vanessa Juliana da Silva. Em sua apresentação, ela destacou mapas sobre a presença da mineração em Araçuaí e Itinga e seus impactos, assinalando áreas no entorno da APA em que há processos minerários relacionados ao lítio, a maioria com autorização de pesquisa.
Conforme alertou, se todos os processos forem aprovados, a região próxima será transformada em uma cratera, havendo projeções de reflexos sobre parte da borda da APA Chapada do Lagoão.
Consulta às comunidades foi descumprida
Representante do Ministério Público Federal, Helder Magno da Silva, procurador da República, alertou que as comunidades tradicionais que vivem na região, por força de lei, deveriam ter sido consultadas previamente sobre qualquer projeto de mudança relacionado à APA e disse que o órgão atuará nesse sentido.
O procurador pontuou que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados previamente pelos governos sobre possíveis mudanças que os afetem.
A deputada Andréia de Jesus (PT) e representantes de movimentos sociais e moradores da área da APA recorreram à mesma convenção para exigir a realização de consulta livre, prévia e informada - instrumento garantido aos povos originários em relação a políticas públicas que possam interferir em bens e direitos.
A consulta, segundo a deputada permite que "a comunidade saiba o que vai perder e se vai ganhar alguma coisa. Se haverá emprego e os impactos na água, na comida e nos recursos naturais". Em sua opinião, cuidar da APA é que gera emprego e renda.
Beatriz Cerqueira afirmou que o Ministério Público Estadual já fez uma recomendação à prefeitura de Araçuaí para retirar o projeto da Câmara e somente apresentar outro após a consulta à comunidade. Para a deputada, ainda que o projeto seja aprovado, a luta deve continuar, com denúncias em todas as esferas de poder e à comunidade internacional. "Muitos interessados no lítio não sabem que direitos estão sendo desrespeitados".
Lucas Martins Pereira, liderança da Comunidade Quilombola Córrego do Narciso do Meio e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), denunciou que a prefeitura não tem participado de nenhuma reunião do Conselho Gestor da APA, que também é contra a redução da área.
Convidado, o prefeito de Araçuaí não participou da audiência. O deputado Duarte Bechir (PSD) justificou que o gestor teria recebido o convite de última hora, mas que estaria aberto ao diálogo e que, por intermédio do deputado, manifestava sua disposição ao debate para buscar o equilíbrio entre as partes.
A deputada Beatriz Cerqueira rebateu. Ressaltou o envio de convites no último dia 20, às 12h15, bem como ligações de equipes da ALMG aos convidados, tanto que vários participaram de forma remota. Ela avaliou que a ausência e o motivo alegado tentariam desqualificar uma discussão necessária.
Deputados se manifestam contra proposta
A deputada Bella Gonçalves (Psol) criticou a ausência do prefeito e defendeu uma discussão sobre justiça tributária na mineração, o que também foi mencionado pela deputada Carol Caram (Avante), segundo a qual recursos oriundos da mineração precisam ser revertidos às localidades onde ocorre a atividade.
“A existência do lítio trouxe o sonho do progresso para a região, sendo preciso caminhar para uma extração sustentável e consciente”, afirmou Carol Caram, ao defender que a sociedade seja ouvida sobre o projeto debatido.
A deputada Leninha (PT), 1ª vice-presidenta da ALMG, lembrou que justamente Araçuaí sediou um dos encontros regionais do seminário sobre a crise climática realizado no ano passado pela Assembleia e ressaltou a necessidade de defender a APA.
Defendendo que desenvolvimento de fato se faz com participação popular, o deputado Doutor Jean Freire (PT) também cobrou que as comunidades de Araçuaí sejam ouvidas. Ele frisou ser autor de recente projeto de lei propondo criar uma APA Estadual em Chapada do Lagoão. “Se a confusão é por questão de limite entre municípios, está aí a solução, ter uma APA Estadual”, acenou.


