Privatização de serviços essenciais recebe críticas em audiência
Deputados e convidados de audiência pública condenaram, nesta sexta (15), proposta do governo mineiro que pode facilitar venda de Cemig e Copasa.
15/09/2023 - 16:35Demissões, má prestação de serviços, tarifas oneradas e situações de desabastecimento foram apontadas em audiência, nesta sexta-feira (15/9/23), como consequências negativas de processos de privatização ocorridos no País em áreas essenciais.
O assunto foi discutido na Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT), tendo em vista a proposta do governo mineiro de tentar mudar a Constituição do Estado para facilitar a privatização de estatais, como Cemig, Copasa, Copanor e Gasmig.
Todos os convidados da audiência se posicionaram contra essa intenção, objeto de proposta de emenda à Constituição (PEC) enviada pelo Poder Executivo à ALMG, por meio da qual o governo pretende acabar com a exigência de referendo popular para a privatização nas áreas de energia e abastecimento de água, além de reduzir o quórum necessário para a aprovação de leis desse tipo.
Representantes de entidades da sociedade civil e trabalhadores lotaram o Auditório José Alencar, tomado ainda por faixas e cartazes contra a PEC, que ainda não começou a tramitar na ALMG porque mensagem do Executivo sobre a matéria ainda precisa ser lida em Plenário, marcando seu recebimento formal.
Desde 2001, a Emenda à Constituição 50 estabelece que a aprovação de leis para desestatização de empresas estatais de distribuição de gás, saneamento básico e de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica exige quórum de 3/5 da ALMG, ou seja, 48 deputados, além da realização do referendo.
Retrocesso é apontado
Deputados presentes e convidados criticaram a justificativa que tem sido usada pelo governo na defesa da privatização, de que ela seria necessária à recuperação fiscal do Estado, à modernização das empresas e à maior competitividade.
Fernando Duarte, supervisor do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, lembrou que a Copasa e a Cemig são empresas de economia mista, controladas pelo Estado, mas com ações privadas na bolsa.
Segundo ele, a Cemig gerou um lucro superior a R$ 4 bilhões no ano passado e a Copasa, de R$ 937 milhões, resultando em expressivos dividendos para o Estado.
Para ilustrar, Fernando Duarte fez um histórico do que ocorreu no mundo, destacando que países como França e Inglaterra chegaram a ter serviços como os de energia privatizados.
"Hoje o que estamos observando em outros países é um movimento de reestatização para garantir serviços públicos essenciais de qualidade à população", advertiu ele.
O supervisor do Dieese também avaliou que o argumento de maior competividade, usado para justificar essas privatizações, não se sustenta em atividades como energia e saneamento, porque estas seriam naturalmente áreas de monopólio.
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) fez um histórico da mobilização que gerou em Minas a garantia do referendo popular e do quórum qualificado para a aprovação das privatizações. Ele, que foi o relator da PEC sobre a matéria na época, frisou que ela foi aprovada pela ALMG quase por unanimidade e taxou de retrocesso a intenção do atual governo.
"Municípios pequenos são os mais prejudicados com a privatização na área do saneamento e na energia a Eletrobras privatizada já é um problema", afirmou Rogério Correia.
Blecaute
Fabíola Antezana, vice-presidenta da Confederação Nacional dos Urbanitarios (CNU), é trabalhadora da Eletrobras e endossou as críticas.
Ela também fez um histórico do processo de privatização da empresa, retomado em 2020 e finalizado recentemente. Segundo Fabíola, houve um processo intencional de sucateamento da empresa ainda durante a gestão estatal. Dos 17 mil trabalhadores que a Eletrobras tinha em 2016, restaram 6,5 mil, lamentou ela.
“Isso já está trazendo consequências, como o blecaute que acometeu o Brasil em agosto, mostrando a falta que fazem trabalhadores experientes no sistema”, frisou ela.
Prejuízos ao estado e ao consumidor são mencionados
Arilson Maroldi Chiorato, deputado estadual e coordenador da Frente Parlamentar das Estatais e Empresas Públicas da Assembleia Legislativa do Paraná, denunciou o processo de privatização ocorrido no setor de energia de seu estado, hoje entregue à Copel.
Segundo o parlamentar do Paraná, a empresa estatal era lucrativa, eficiente e premiada, e praticava a menor tarifa de energia elétrica do Brasil. Ainda assim, teria tido seu patrimônio, avaliado em R$ 47 bilhões, subavaliado na primeira rodada do leilão de privaização, caindo para R$ 5,2 bilhões.
Já Luiz Carlos Teixeira, presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop), falou sobre a situação danosa, segundo ele, que a população da cidade enfrenta desde que a concessionária atual de água, a Saneouro, controlada por uma empresa da Coréia do Sul, assumiu o serviço, em outubro de 2019, onerando em muito as tarifas cobradas.
Segundo ele, a empresa anunciou que este ano foram feitos 2.726 cortes no abastecimento por problemas de pagamento, significando que 11 mil pessoas, de uma população de 74 mil moradores, ficaram sem o direito à água. “Ou seja, 14% da população teve sua água cortada. São pessoas negras, pobres e periféricas, e não caloteiras”, desabafou Teixeira.
Parlamentares endossam críticas
As deputadas Lohanna (PV) e Bella Gonçalves (Psol) e os deputados Professor Cleiton (PV) e Ricardo Campos (PT) defenderam uma ampla mobilização da sociedade contra a privatização de serviços essenciais.
Lohanna ainda criticou posicionamento do Governo de Minas segundo o qual o Estado não teria como fazer referendos sobre o assunto. "Dizer isso em pleno ano de 2023 é menosprezar a potência do Estado", disse.
Bella Gonçalves advertiu que muitas comunidades ainda lutam para garantir acesso a energia, água e saneamento, que são de interesse público e não podem ser vistos como mercadoria.
Na mesma direção, Professor Cleiton afirmou que recentemente, na cidade goiana de Rio Verde, a Santa Casa local teria tido a energia cortada por questões de pagamento, resultando, segundo, ele na morte de quatro pacientes. No seu entendimento, isso não teria ocorrido se o serviço fosse estatal e comprometido com critérios sociais.
Sindicalistas
Representantes de entidades sindicais acusaram o governador Romeu Zema de usar mentiras como argumentos para convencer a população acerca da privatização.
O coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética (Sindieletro), Emerson Leite, afirmou que o governador tem priorizado mais a transferência de lucros para o mercado financeiro do que o investimentos nos serviços essenciais.
O presidente da Central Única dos Trabalhadores em Minas (CUT-MG), Jairo Nogueira Filho, lembrou declaração de Zema segundo a qual o consumidor mineiro poderia, com a privatização, escolher a empresa de energia que quisesse. O sindicalista explicou que isso não é possível, pois não existiria tecnologia que permita colocar mais de um cabo de energia na rede. “O que ele está propondo, na verdade, é um monopólio privatista de energia”, disse Jairo.
Everson Tardelli, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas, chamou atenção para a venda de unidades da Cemig, como pequenas centrais hidrelétricas. “Mesmo antes da PEC, a Cemig já está sendo vendida", denunciou.
A coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-Ute/MG), Denise Romano, anunciou a criação de uma Frente em Defesa do Serviço Público, que já conta, segundo ela, com 22 instituições representativas de trabalhadores. Uma das ações previstas é pressionar os deputados estaduais contra a PEC que flexibiliza as privatizações.