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Presença de entidade de direito privado na saúde é rechaçada

Enquanto Executivo defende novo modelo de gestão que consta do Projeto de Lei 2.127/24, críticos denunciam em audiência pública que iniciativa apenas camufla nova tentativa de privatização.

02/04/2024 - 21:04
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A criação do Serviço Social Autônomo de Gestão Hospitalar (SSA-Gehosp) para gerir unidades hospitalares da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) seria mais uma tentativa “camuflada” de privatizar o Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado.

A denúncia foi feita pela maioria dos participantes da audiência pública da Comissão de Administração Pública realizada, na tarde e noite desta terça-feira (2/4/24), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião, que durou quase cinco horas, foi conduzida pelo deputado Roberto Andrade (Patriota), vice-presidente do colegiado.

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Embora os representantes do Executivo, autor da proposta, defendam que a iniciativa é essencial para ampliar e melhorar a qualidade dos serviços, parlamentares de oposição, Ministério Público, conselhos de saúde e sindicatos repudiam o modelo e exigem ampliar a discussão. Por isso, defendem a suspensão da tramitação do Projeto de Lei (PL) 2.127/24, de autoria do governador Romeu Zema, que contém a proposta e aguarda parecer de 1º turno nas comissões da ALMG.

O debate atendeu a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT), que se diz preocupada sobretudo com o impacto da medida sobre os servidores da saúde. A parlamentar alega que a tentativa de privatização da saúde pública no Estado estaria em curso desde que o atual governador assumiu o cargo, em 2019.

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“Outros projetos parecidos já foram vencidos aqui por meio do debate no Poder Legislativo, já que sempre falta transparência nesse tipo de assunto que impacta a vida de tantas pessoas”, afirmou Beatriz Cerqueira. Ela classificou o projeto como “genérico” e reforçou para o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti Vitor, a necessidade de suspensão imediata da tramitação.

“Se o governo tem tanta certeza que o projeto é bom, qual o problema de discuti-lo melhor? O projeto tem problemas sérios e lá na frente podemos concluir que não deu certo, mas a conta ficará toda para a sociedade”, criticou Beatriz Cerqueira.

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Doutor Jean Freire (PT) apoiou o pedido de suspensão de tramitação do projeto e sugeriu a formação de um grupo de trabalho para discutir alternativas. Mesma posição foi defendida pela deputada Lohanna (PV).

Doutor Jean Freire lembrou ainda que o PL 2.127 deveria constar da pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) realizada nesta terça (2), mas isso não aconteceu graças a acordo entre deputados de oposição e da base de apoio ao governador.

O presidente da Comissão de Saúde, Arlen Santiago (Avante), lembrou as dificuldades de gestão enfrentadas pelas instituições hospitalares ligadas diretamente ou conveniadas com o SUS em virtude da defasagem da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), daí a necessidade de buscar novas alternativas de gestão.

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O que faltaria é dinheiro, não novo modelo de gestão

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Entre as críticas à ideia, a promotora Josely Ramos Pontes, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, apontou que o PL 2.127 combinaria indevidamente duas figuras jurídicas da administração indireta, já que o SSA vai assumir funções de uma fundação, no caso, a Fhemig.

A presidente do Conselho Estadual de Saúde, Lourdes Aparecida Machado, e o 1º-secretário do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Érico Colen, alegaram que as duas entidades não foram consultadas, contrariando o que preconiza o SUS com relação ao controle social.

“Temos que reforçar o financiamento do SUS, não repassá-lo a instituições privadas. Esse projeto não tem legitimidade e não pode continuar tramitando. Ele prevê que os conselhos sejam chamados depois para participar de um modelo em que deveriam ter sido chamados já para sua concepção”, pontuou Lourdes Machado.

Ela disse ter encaminhado uma lista de dúvidas dos conselheiros sobre o projeto para o Executivo, que não teria ainda respondido.

“O principal gargalo do SUS não é o modelo de gestão, mas a falta crônica de financiamento. Como servidor público da saúde me preocupa como essas ideias nascem do nada nesse governo, já que os estudos que temos apontam que no SUS produzimos mais com menos”, completou Érico Colen.

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Hospital Alberto Cavalcanti é o primeiro alvo

Para o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, a iniciativa atenderá a uma deficiência atual da Fhemig em atender sobretudo a chamada alta complexidade na saúde pública, como as necessidades dos pacientes com câncer, por exemplo.

Nesse aspecto, o primeiro alvo do SSA deve ser o Hospital Alberto Cavalcanti, em Belo Horizonte, de atuação destacada nesses casos, conforme também confirmou a presidente da Fhemig, Renata Ferreira Leles Dias, em sua apresentação.

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Os dois gestores informaram que o modelo adotado atualmente no Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro, da Prefeitura de BH, e em unidades da área hospitalar e de urgência da Prefeitura de Contagem (RMBH) serviram como referência para a proposta.

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“Precisamos avançar para um modelo mais moderno e eficiente de gestão e o SSA é o que mais se encaixou. A Fhemig pode fazer mais com os recursos que ela já tem”, resumiu Renata Dias.

No caso do Alberto Cavalcanti, segundo ela, a projeção é passar de cerca de 3,1 mil consultas de especialidades mensais realizadas atualmente para mais de 6 mil, crescimento de 91%. E aumentar as atuais 2 mil cirurgias anuais para 2,6 mil, aumento de 30%.

Em resposta às dúvidas e críticas de diversos representantes sindicais que participaram da reunião, a presidente da Fhemig garantiu que o SSA não ameaça a segurança jurídica dos servidores, que poderão trabalhar em melhores condições.

“Não vamos repassar a folha de pagamento. Os servidores continuarão com sua carreira e gratificações. Nada deixará de ser pago”, afirmou.

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Comissão de Administração Pública - debate sobre os impactos da criação do Serviço Social Autônomo de Gestão Hospitalar

O SSA-Gehosp, de acordo com as explicações do governador que acompanham o PL 2.127, será uma pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com prazo de duração indeterminado e que atuará na prestação de serviços públicos de saúde, exclusiva e gratuitamente aos usuários do SUS, de forma complementar às políticas públicas de saúde do Estado.

O texto estabelece que o órgão observará os princípios e as diretrizes do SUS previstos no artigo 198 da Constituição da República e no artigo 7º da Lei Federal 8.080, de 1990, bem como as políticas, as diretrizes estratégicas e normas do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde (SES) e da Fhemig.

De acordo com o artigo 3º do projeto de lei, caberá ao Poder Executivo estabelecer as áreas de atuação assistencial do SSA, de acordo com a Política Estadual de Saúde e o planejamento estratégico da Fhemig. Mediante ajustes, convênios e contratos de gestão, o órgão poderá atuar:

  • na prestação de serviços de saúde e assistência hospitalar;
  • na promoção da qualidade e da eficiência na prestação dos serviços de saúde, com a adoção de mecanismos que possibilitem a integração entre o setor público, a sociedade e o setor privado;
  • na execução de políticas públicas de saúde e no desenvolvimento de programas de formação e educação permanente dos agentes com a atuação na saúde, de extensão e de pesquisas sobre temas relacionados à área.

De acordo com o artigo 15 do projeto de lei, o SSA-Gehosp poderá contratar pessoal nos termos da legislação trabalhista. De acordo com o artigo 16, o novo órgão seguirá regulamento próprio para contratação e administração de pessoal e poderá conceder gratificações conforme o alcance de metas e resultados. Já o artigo 17 autoriza a cessão de servidores públicos para o SSA-Gehosp, observada a legislação específica.

Bens, instalações e equipamentos públicos poderão ser destinados ao SSA-Gehosp, conforme legislação vigente. As receitas do novo órgão serão constituídas por subvenções do poder público, recursos provenientes da celebração de convênios ou de contrato de gestão, recursos provenientes da celebração de contratos com instituições públicas e privadas, receitas próprias provenientes de suas atividades ou receita provenientes de outras fontes.

Por fim, o artigo 18 determina que a Fhemig prestará apoio logístico, operacional, administrativo e material para o funcionamento do SSA-Gehosp, até a sua completa organização.

“Querem, mais uma vez, burlar os mecanismos de controle social do SUS. Nossa luta é sempre para proteger a sociedade por meio de um serviço público e gratuito de qualidade, porque o setor privado não tem esses mesmos interesses. Não são projetos como esse que vão atender as reais necessidades da população”.
Beatriz Cerqueira
Dep. Beatriz Cerqueira
“O Estado diz, mais uma vez, que não dá conta de fazer a gestão da coisa pública. Aí fica insistindo sempre em criar figuras jurídicas para fazer o que ele deveria fazer. Já veio com as OS (Organização Social), as OSCIPS (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e agora isso”.
Josely Pontes
Promotora de Defesa da Saúde
“Não vamos privatizar, terceirizar, nem contratar uma empresa para gerir as unidades de saúde. A SSA é um modelo de gestão vinculado diretamente ao governo. O equipamento continua sendo público, com servidores vinculados ao governo, tudo ainda 100% do SUS. Vamos ganhar rapidez, por exemplo, na compra insumos, na manutenção de equipamentos e até em pequenas reformas”.
Fábio Baccheretti
Secretário de Estado de Saúde
Comissão de Administração Pública - debate sobre os impactos da criação do Serviço Social Autônomo de Gestão Hospitalar
Deputados ouvem secretário de Saúde sobre proposta de gestão hospitalar TV Assembleia
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