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Precarização dos serviços nas colônias de hansenianos seria nova forma de segregação

Em reunião na Direitos Humanos, moradores e egressos dessas unidades registraram sua insatisfação com cortes promovidos pelo governo.

08/11/2023 - 19:28 - Atualizado em 09/11/2023 - 15:15
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A precarização dos serviços de saúde, assistência social e outros prestados nas colônias de hansenianos e casas de saúde mantidos pela Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig). Em suma, essa foi a principal denúncia feita por moradores e egressos dessas unidades, que participaram de reunião da Comissão de Direitos Humanos nesta quarta-feira (8/11/23).

Cerca de 200 pessoas vinculadas à causa lotaram o Auditório José Alencar da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para mostrar sua insatisfação com a atuação do Governo de Minas na questão, na audiência requerida pelo deputado Cristiano Silveira (PT). Estiveram presentes membros das colônias da Fhemig no Estado: em Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte), Ubá (Zona da Mata), Três Corações (Sul), Bambuí (Centro-Oeste) e Juiz de Fora (Zona da Mata).

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O presidente da Associação Comunitária de Moradores da Colônia Santa Izabel, Hélio Dutra, deu exemplos dos impactos da precarização levada a cabo pelo governo, que prejudica especialmente os idosos da unidade. Relatou que um deles, já com movimentos comprometidos, ficou um dia sem medicação e sem os cuidados básicos, como troca de fralda.

Também questionou a chamada linha de cuidados, que exclui todos os hansenianos que não precisam de cuidados especiais, encaminhando-os para o atendimento em unidades comuns de saúde do município. Reclamou ainda do fim do atendimento médico a domicílio nas colônias, do fechamento do bloco cirúrgico e da sapataria ortopédica. 

Eduardo Rabelo, médico especialista em hanseníase da colônia, detalhou os impactos dos cortes promovidos pelo governo nas colônias. Conforme apresentou, em Minas, 10 mil hansenianos estão sem acesso à reabilitação terciária. Esse fato inviabiliza, por exemplo, cirurgias de transposição de tendão (para corrigir o problema da garra curta) e cirurgias de reparação no rosto, todas comuns em hansenianos.

O fim da sapataria ortopédica, segundo ele, agravaria outro problema crônico nesse público, o mal perfurante plantar. “Queremos de volta esses serviços básicos para as pessoas mutiladas terem direito à cirurgia”, protestou. 

Antônio Rodrigues, dirigente do Somos Todos Colônia, acrescentou que o Estado também está atrasando o fornecimento da alimentação dos colonos. 

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Negação de atendimento

Ivone Machado, do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), mostrou vídeo em que moradora da colônia de Ubá denunciou a negação de atendimento a seu pai no hospital da unidade, abreviando sua morte. 

Também membro do Morhan, Cordovil Souza denunciou que o governador Romeu Zema (Novo) extinguiu na Secretaria de Estado de Saúde (SES) a coordenação da hanseníase. Segundo ele, a Fhemig recebe R$ 11 milhões por mês para atender pessoas nas colônias, mas, a cada dia, é reduzido o número de profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros e outros. Ele reivindicou que seja proposto o tombamento das cinco colônias, de modo a preservar a memória desses espaços. 

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Troca de enfermeiros por cuidadores é tentativa de burlar piso da enfermagem

Profissionais da enfermagem denunciaram a tentativa do governo de burlar o pagamento do Piso Nacional da Enfermagem, recentemente regulamentado. Para Neuza Freitas, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas, registrou que a Fhemig publicou pregão para substituir profissionais da enfermagem por cuidadores de idosos. “Cuidador não é profissão regulamentada; enfermagem, sim. Só fizeram isso para burlar o piso da enfermagem”, opinou. 

Ela reivindicou a apresentação de projeto de lei prevendo o número adequado de pacientes a serem atendidos por cada profissional de saúde, já que o tema é normatizado apenas por resolução. Ela abordou ainda outro lado da precarização das colônias, que seria o atendimento de pacientes críticos, não hansenianos, pelos hospitais das colônias, o que seria um risco à saúde deles

Carlos Martins, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Rede Fhemig, exigiu que o governo cumpra as leis que garantem o atendimento preferencial aos hansenianos. Nesse sentido, propôs uma reunião com a presidente da Fundação, Renata Ferreira Leles, e ainda a abordagem do tema na sabatina da qual ela participa na ALMG. O pedido foi acatado por Cristiano Silveira, que propôs ainda que se questione os cortes nas colônias durante o Assembleia Fiscaliza. 

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Assédio moral

Ondina Flausino, enfermeira aposentada da Fhemig, denunciou o assédio pelo diretor da Colônia Santa Izabel aos trabalhadores da saúde do hospital. “Tem pessoas com depressão por terem sido insultadas pelo diretor. Outras não reclamam seus direitos por medo do assédio”, relatou. 

Já Ticiane Rogério Madureira, do Conselho Regional de Farmácia, indignou-se ao dizer que é inadmissível que a assistência à enfermagem para pacientes com necessidades especiais seja retirada e feita por outros profissionais. 

Por sua vez, o defensor público Paulo Almeida, da Coordenadoria de Tutela Coletiva da Defensoria Pública, colocou-se à disposição da causa, especialmente quanto às indenizações oferecidas pelo Estado aos filhos de hansenianos separados dos pais. O governo propõe pagar R$ 14 mil para cada um. 

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Comissão de avaliação agilizou pagamento de indenizações

Jéssica Gonçalves é suplente da presidente da Fhemig na comissão de avaliação do direito à indenização aos filhos segregados. Ela informou que o valor de R$ 14 mil foi definido em gestões anteriores da Fhemig. Segundo ela, com a criação da comissão, foram ampliados as análises e os pagamentos das indenizações: em março de 2022, 587 requerimentos foram analisados, enquanto em 2023, o número saltou para 3.077, com o pagamento de 1.570 indenizações.

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Com relação à falta de produtos da cesta básica, respondeu que a Fhemig é responsável ainda pelo fornecimento, aos moradores das colônias, de leite, carne, gás e outros itens. Para que os produtos sejam fornecidos, é necessária uma licitação para buscar fornecedores. No entanto, afirmou, fornecedores interessados em participar do processo não têm aparecido. Com isso, a Fhemig resolveu substituir a licitação por um vale social, o qual foi questionado e teve de ser suspenso.

Sobre a redução de médicos e outros servidores da saúde, Jéssica confirmou que esse é um problema crônico no Estado, que teria relação com as restrições legais que não permitem aumentar gastos com pessoal. 

Já Artur Mendes, coordenador de enfermagem da Fhemig, lembrou que não foi retirado nenhum profissional de saúde e que houve o acréscimo dos cuidadores. Sobre a sapataria ortopédica, disse que há dificuldade par conseguir o profissional responsável e, por isso, a Fhemig propôs a terceirização do serviço. 

Tombamento

Ao final da reunião, o deputado Cristiano Silveira (PT) anunciou requerimentos de providências no sentido de corrigir os problemas apontados na reunião. Entre eles, há um pedido para que o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Iphan) promova estudos técnicos para o tombamento das colônias de hansenianos.

Também participaram os deputados Betão, Leleco Pimentel e a deputada Andréia de Jesus, todos do PT. Eles concordaram que a precarização do atendimento nas colônias é fruto da política neoliberal do Governo de Minas. Esse processo está sendo agravado agora com o envio à ALMG do projeto de implantação do Regime de Recuperação Fiscal.

“Uma verdadeira tragédia para os servidores e para a população mineira que depende dos serviços públicos”, avaliou Betão.

Comissão de Direitos Humanos - debate sobre egressos das colônias de hanseníase
“O governo quer transferir as colônias para as Organizações sociais (OSs) e nem os moradores nem a sociedade foram consultados. Pedimos socorro. Não nos deixem segregar mais uma vez.”
Antônio Rodrigues
Dirigente do Somos Todos Colônia
“A lei que trata da indenização é um avanço, mas não contempla todos e nem é satisfatória. Ela ignora filhos que foram para outras famílias, muitos em trabalho análogo à escravidão.”
Paulo Almeida
Defensor público

Deputados condenam violações de direitos humanos em colônias de hanseníase

Audiência pública ouviu moradores e egressos de colônias pelo Estado. Participantes denunciaram precarização dos serviços de saúde e demora no pagamento de benefícios. TV Assembleia
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