Potencialidades regionais devem nortear pesquisa e inovação
Encontro do Fórum pela Ciência no Norte e Noroeste de Minas destaca riqueza pouco explorada da região e os desafios para reverter esse cenário.
26/08/2024 - 17:15O aproveitamento das potencialidades regionais no desenvolvimento da pesquisa e inovação pode ser um caminho para reduzir desigualdades e garantir a sustentabilidade. Mas ainda há vários obstáculos nesse trajeto, conforme destacaram especialistas e autoridades durante o encontro regional do Fórum Técnico Minas Gerais pela Ciência – Por um Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável, realizado em Montes Claros (Norte) nesta segunda-feira (26/8/24).
O evento, organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em parceria com dezenas de instituições, está percorrendo o Estado e colhendo contribuições para elaborar o Plano Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação. Além do encontro em Montes Claros, realizado na Unimontes, o fórum passou por Diamantina e também será levado à Viçosa, Lavras, Belo Horizonte, Ipatinga e Uberlândia.
No caso do Norte e Noroeste, o doutor em Fisiologia e Farmacologia Sérgio Henrique Sousa Santos destacou a riqueza do Cerrado, segundo ele, uma das savanas mais diversas do mundo, com plantas e frutos ricos em nutrientes, mas sem distribuição como produtos. “Faltam conhecimento, incentivo à pesquisa e apoio aos produtores”, afirmou. Ele citou como exemplo os benefícios das plantas conhecidas por unha d’anta e lixeirinha na reversão de alterações metabólicas que levam à obesidade e ao diabetes.
Mas o foco do professor do curso de Engenharia de Alimentos da UFMG e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Unimontes foi o buriti, outro fruto do Cerrado, considerado um superalimento. Na tentativa de fazer a pesquisa chegar à sociedade, ele fundou uma empresa para comercializar os suplementos, mas enfrenta a concorrência desigual com grandes marcas, diante da falta de recursos para divulgação e marketing. “Também nos falta um parque tecnológico na região”, acrescentou.
Outra palestrante do encontro, a professora Sara Gonçalves Antunes de Souza, doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia e coordenadora de Inovação Tecnológica da Unimontes, enfatizou que a inovação precisa ter conexões com múltiplos participantes e chegar à sociedade, embora não necessariamente ao mercado privado. “Podemos inovar e fazer uma mudança para reduzir a fila do SUS”, exemplificou. Mas citou também a transferência de tecnologia da Unimontes para uma empresa produzir combustível a partir da macaúba.
Sara Souza falou sobre o crescimento da participação das universidades no campo das patentes, em função de exigências da Lei Federal 13.243, de 2016. Por outro lado, citou estudos que abarcam a América Latina e mostram as universidades isoladas com seus estudos, e as empresas, inativas. Em 2023, dos 20 maiores depositantes de patente de invenção, somente quatro são empresas e há um instituto de ciência e tecnologia (ICT) privado. Todos os demais são ICTs públicos.
Os dois professores defenderam uma maior presença de cientistas nas empresas, de forma a reverter esse cenário. “Minas Gerais exporta o seu solo, e isso só muda com a inovação”, pontuou Sara Souza, salientando que, no caso de Montes Claros, 80% das exportações são de medicamentos embalados.
Participantes abordam a questão dos recursos e apontam avanços
Na mesa de abertura do encontro, autoridades e parlamentares cobraram mais recursos para pesquisa e inovação, mas também apresentaram ações que representam avanços na área e que são, justamente, fruto da conexão entre instituições e universidades. É o caso do banco de material genético de pessoas desaparecidas, em desenvolvimento pela Polícia Civil, ou a implantação de energia fotovoltaica em poços artesianos, capitaneada pelo Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas (Idene).
O promotor de Justiça Franklin Mendes citou pesquisas feitas com recursos de termos de ajustamento de conduta, uma delas sobre o Rio São Francisco e outra sobre as plantas medicinais do Rio Pandeiros – ambas em parceria com instituições de pesquisa.
Já Cristiana de Brito, secretária da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), propôs uma reflexão sobre como uma política pública pode fomentar especificidades da região, como a produção de cachaça, frutas e energia fotovoltaica.
Mais recursos
Mesmo cobrando da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) investimentos para infraestrutura, o reitor da Unimontes, Wagner Santiago, comemorou a destinação de mais recursos para as universidades estaduais, como prevê a Lei 24.821, de 2024. Entre outras mudanças, a norma elevou de 20% para 30% a destinação de verbas para ciência, tecnologia e inovação, distribuídas pela Fapemig a essas instituições.
“Temos essa dívida impagável com a Assembleia. Para o ano que vem, num cenário pessimista, teremos R$ 63 milhões para Unimontes e Uemg. Entre tantas frentes de ataque, nós, da Unimontes, vamos fortalecer a pós-graduação porque, assim, teremos uma pesquisa forte”, adiantou o reitor.
Já o pró-reitor de Pesquisa da UFMG, Fernando dos Reis, apontou como “alento” a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/24, que assegura autonomia científica e administrativa à Fapemig.
O deputado Ricardo Campos (PT) avaliou que uma região tão rica merece avançar em ciência e tecnologia. Ele comparou os investimentos federais nessa área, na casa de R$ 66 bilhões até 2026, com os estaduais, limitados, segundo ele, à imposição legal de 1% da Receita Corrente Líquida.
Já a mensagem enviada pelo presidente da ALMG, deputado Tadeu Leite (MDB) acentuou a importância da ciência e tecnologia para fazer frente a problemas de alcance planetário, como crise climática e a pandemia de Covid-19.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, fez um histórico do fórum, iniciado em 2019 e interrompido pela pandemia de Covid-19. “Naquele momento, a ciência sofria os maiores ataques e a tentativa de desconstrução. Então, além da resistência, várias instituições sugeriram também construir uma política de Estado”, afirmou.
Grupos de trabalho
Após as palestras, os participantes se dividiram em grupos para analisar as propostas do documento inicial do plano e também sugerir outras contribuições.
A dinâmica é a mesma para todos os encontros regionais e a discussão é organizada em torno de quatro eixos temáticos:
- estruturação do sistema de Ciência Tecnologia e Inovação em Minas Gerais
- desenvolvimento social com qualidade de vida
- interação entre natureza e sociedade
- concepção de cidades inteligentes, sustentáveis e criativas
Entre as novas propostas apresentadas, uma busca garantir apoio a incubadoras de empresas nos ICTs estaduais, com destinação de recursos para sua atuação. Outra propõe a criação de um marco regulatório para uso e desenvolvimento da Inteligência Artificial no âmbito da tecnologia e inovação em Minas.
Há, ainda, a proposta de implementar infraestrutura e fomentar a criação e o uso de tecnologias de informação, incluindo a transformação digital, voltadas para a promoção de segurança pública e da gestão integrada do Sistema Único de Segurança Pública em todas as regiões do Estado.