Posição dos municípios não teria sido respeitada no novo acordo de Mariana
Avaliação é do presidente da AMM, que participou de reunião com governo, MP e outras autoridades na Assembleia.
14/11/2024 - 19:43Mesmo tendo sido considerado o maior acordo do mundo envolvendo crimes ambientais, o novo acordo de Mariana está sendo questionado pela Associação Mineira de Municípios (AMM). O presidente da entidade, Marcos Vinícius da Silva Bizarro, afirmou que os prefeitos não foram chamados para assinar o novo pacto de reparação pelo rompimento da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues.
Na visão de Marcos Vinícius, imputaram-se aos municípios muitas responsabilidades na recuperação ambiental, que seriam atribuições das mineradoras responsáveis pelo crime ocorrido em 2015.
Junto a outras autoridades do Governo de Minas e do Ministério Público, o presidente da AMM participou de reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na quinta-feira (14/11/24). Na audiência, representantes do governo e do MP consideraram que o acordo, mesmo não sendo perfeito, foi o melhor possível.
Também prefeito de Coronel Fabriciano (Vale do Aço), o representante da AMM lembrou que o acordo se refere a um dos maiores desastres ambientais do mundo e, apesar dos números grandiosos, não foi generoso com os municípios. “O que ficou para nós foram responsabilidades por executar algumas ações ambientais, a meu ver, atribuição das empresas envolvidas”, reclamou.
Marcos Vínícius Bizarro apontou outros problemas no acordo firmado, como o repasse gradual de recursos para os municípios, em 20 anos, “a conta-gotas”. O valor de R$ 2 bilhões destinados para o saneamento foi considerado insuficiente para os 200 municípios da Bacia do Rio Doce. O acordo também não previu repasses para as demais 653 cidades mineiras, impactados indiretamente com a perda de arrecadação do Estado.
Absolvição é questionada
Por fim, o representante da AMM questionou a decisão da Justiça Federal da última quinta-feira (14), que absolveu, pelo rompimento da barragem as empresas Samarco, Vale, VogBR e BHP Billiton, além de sete diretores, gerentes e técnicos.
O Tribunal Regional Federal, em Ponte Nova (Mata), justificou a absolvição com base na ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal direta e individual de cada réu envolvido. “Foi um crime, mas a justiça não reconheceu como crime, no momento em que deveriam ser punidas essas pessoas”, lamentou o prefeito Marcos Bizzarro.
O advogado da AMM, Acácio Emílio dos Santos, detalhou as queixas dos prefeitos e divulgou que a entidade ingressou com um recurso no Supremo Tribunal Federal contra o acordo.
O advogado justificou que o acordo tem mais de 1200 páginas, com cláusulas complexas, muitas trazendo obrigações sérias e de forma unilateral aos municípios mineiros e capixabas, sem a consulta prévia a estes. Membro do Consórcio dos Municípios do Rio Doce (Coridoce), Acácio Santos disse que essa entidade também não foi ouvida e, por isso, o acordo merece ajustes. “Precisamos de um estudo técnico para dizer qual obrigação imputada é exequível, qual não é”, postulou.
Recursos precisam chegar aos municípios
O deputado Antonio Carlos Arantes (PL), que solicitou a reunião, defendeu esforços para que os recursos cheguem rapidamente aos cofres dos municípios. Ele lembrou que, no Acordo de Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), a ALMG conseguiu intervir e fazer com que boa parte dos recursos fosse depositada diretamente para os municípios.
Essa atuação, de acordo com o parlamentar, propiciou ganhos nas ações. Ele exemplificou com o caso de Mateus Leme (RMBH), onde a construção de um posto de saúde, orçado em R$ 10 milhões, ficou em R$ 2 milhões. Também reclamou da ausência no acordo de repasses aos municípios não diretamente atingidos.
Antônio Carlos Arantes propôs três requerimentos, solicitando ao Congresso, ao STF e ao presidente da Assembleia, a retomada do diálogo com a AMM e o Governo de Minas.
O deputado Adriano Alvarenga (PP) defendeu que os municípios recebessem não os R$ 6 bilhões previstos, mas R$ 17 bilhões e propôs requerimento à Samarco para que analise sua proposta. “Precisamos de ações para as famílias ribeirinhas, além de criar cooperativas, para gerar emprego e renda; e dar sustentabilidade para essas pessoas continuarem na região”, concluiu.
Para governo, acordo foi vitória dos atingidos e da sociedade
Já Luís Otávio Milagres de Assis, secretário-adjunto de Planejamento e Gestão do Estado, considerou o novo acordo de Mariana “uma vitória dos atingidos e da sociedade e a coroação de uma construção coletiva”. Ele agradeceu à Assembleia de Minas por ter apresentado muitas ideias que foram incorporadas ao texto final.
Coordenador do Comitê Pró-Rio Doce, o gestor lembrou que foram realizadas dezenas de audiências e 14 visitas às cidades mais impactadas. Ele apresentou os valores do acordo, para viabilizar as ações que ficarão a cargo do poder público, com o cronograma de desembolso financeiro, realizado em 20 parcelas anuais.
Segundo o subsecretário, o primeiro pagamento, de um total de R$ 132 bilhões, será feito 30 dias após a homologação judicial, que ocorreu no dia 6 de novembro.
Serão R$ 100 bilhões para as ações do poder público, mais R$ 32 bilhões para as obrigações a serem cumpridas pelas empresas envolvidas. R$ 38 bilhões foi o valor informado por elas como investido pela Fundação Renova na reparação. Totalizando, seriam R$ 170 bilhões, dos quais R$ 81 bilhões para o estado de Minas Gerais.
Entre os valores a serem investidos, o secretário-adjunto citou:
- R$ 3,75 bilhões no Programa de Transferência de Renda, com auxílio mensal a pescadores e agricultores atingidos, por até quatro anos, no valor inicial de 1,5 salário mínimo e 1 salário mínimo nos últimos doze meses
- R$ 1 bilhão no Programa para Mulheres vítimas de discriminação de gênero durante o processo
- R$ 8 bilhões para Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais
- R$ 1,65 bilhão somente para ações em Mariana
- R$ 5 bilhões para o Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, gerando o “maior orçamento participativo do mundo”
- R$ 8,3 bilhões para o Fundo Ambiental da União, para projetos de recuperação ambiental coordenados pela União
- R$ 6 bilhões para Iniciativas Socioambientais Estaduais.
Por outro lado, o gestor reconheceu que o acordo não é perfeito, mas foi o possível diante da negociação com o governo federal, que teria adotado “uma posição muito dura, especialmente sobre o papel dos municípios”. Ao final, disse que contava “com a parceria de todos na fiscalização e aperfeiçoamento do acordo”.
Renato Brandão, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), considerou o acordo um avanço significativo. “Havia um processo grande de judicialização com a Renova; agora, o Executivo vai receber recursos para melhorar a qualidade da bacia, investindo em parques, na melhoria das condições do rio, para que se retome a pesca”, disse.
Coordenador do Comitê Extraordinário para Recuperação Ambiental das Bacias dos Rios Doce e Paraopeba, ele avaliou que a primeira delas já apresentava um nível de degradação considerável antes do rompimento. Renato Brandão enfatizou que os valores do acordo para o saneamento serão importantes para os municípios implementarem programas de tratamento de esgoto e da água.
Falou ainda dos R$ 3 bilhões destinados para ações socioambientais, com foco no reflorestamento. “É importante fazer um corredor verde às margens do Rio Doce”, propôs. Ele frisou também que a área atingida pela lama continua sendo obrigação das empresas e que a Semad vai acompanhar esse trabalho de perto.
MP priorizou comunidades atingidas e meio ambiente
O promotor de justiça Lucas Marques Trindade declarou que foram mais de 3,5 anos desde o início das negociações e a homologação do acordo, que resulta num “mérito coletivo”. Responsável pela Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente e Mineração (Cema), ele avaliou que “Minas Gerais, na pauta de defesa da sociedade, está trabalhando de modo harmônico”.
No que se refere ao Ministério Público, o promotor apontou que o órgão enfatizou a defesa das comunidades atingidas e a pauta ambiental. Na primeira, relatou que as pessoas do Distrito de Bento Rodrigues vão receber mais de R$ 2 bilhões de indenizações e transferência de renda.
Na questão ambiental, informou que o MP insistiu para que a reparação fosse integral: “As obrigações de recuperação ambiental não tem teto financeiro e as empresas se responsabilizam até sanar o dano”.