Para especialista, Lei Kandir foi danosa para Minas Gerais
O professor de Direito Tributário da UFMG, Onofre Alves, fez um histórico e mostrou que a medida contribuiu para a situação atual de endividamento do Estado.
27/10/2023 - 15:11A Lei Kandir foi danosa para Minas Gerais e contribuiu para o Estado estar na atual situação fiscal. A informação foi destacada pelo professor de Direito Tributário da UFMG, com pós-doutorado na Universidade de Coimbra, em Portugal, Onofre Alves Batista Júnior, nesta sexta-feira (27/10/23), no ciclo de debates Endividamento de Minas Gerais, que é realizado ao longo de todo o dia pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Ele ministrou a palestra Lei Kandir: desindustrialização e impacto na arrecadação.
A Lei Kandir, que entrou em vigor em 1996, isentou de ICMS os produtos e serviços destinados à exportação, com o intuito de estimular a atividade.
O professor explicou que ela tinha como objetivo garantir a âncora cambial proposta pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, trabalhando de forma artificial a paridade do dólar com o real. Dessa forma, como relatou, produtos industrializados passaram a ter mais condições de competir fora do País.
Contudo, estados que têm como vocação a exportação de commodities, como minérios e produtos agrícolas, como Minas, foram prejudicados por conta dessa política, porque deixaram de arrecadar, com a promessa de serem recompensados, o que nunca ocorreu de fato, na opinião do professor.
Ele relembrou o movimento, encabeçado pela Assembleia, pelo acerto de contas entre Minas e a União, a partir do qual foi criada uma comissão extraordinária para tratar do assunto. Dados dessa comissão, de 2020, estimavam prejuízos da ordem de R$ 135 bilhões para o Estado em função da renúncia fiscal gerada pela Lei Kandir.
Posteriormente, um acordo foi feito com previsão de destinação, até 2037, de cerca de R$ 8,7 bilhões a Minas, de um montante total de R$ 65,6 bilhões a todos os entes da federação.
Ele ainda frisou que a política que desonera commodities deve ser evitada, porque garante o dólar alto e prejudica ainda mais a indústria de transformação, a qual não consegue competir com câmbio alto, gerando um processo contínuo de desindustrialização.
Onofre Alves também defendeu a importância dessa indústria que, como disse, gera empregos de maior qualidade, produtos de maior valor e desenvolvimento a longo prazo.
Assim sendo, sem ser ressarcida devidamente pelos prejuízos causados pela Lei Kandir, dependente de commodities e em um processo de desindustrialização, restariam para Minas poucas chances de resolver a questão da dívida, conforme disse o professor.
“Isso tira a esperança de solução de problemas. A sensação é de queimar cartuchos a cada rodada”, afirmou.
Caminho político como alternativa
A presidente da Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas, Sara Costa Teixeira, falou que, quando a Lei Kandir passou a vigorar, os auditores fiscais vislumbraram os impactos futuros da medida.
“Víamos naquilo um erro enorme e um prejuízo para nosso Estado por seu perfil ligado à mineração e à atividade agrícola”, falou.
Ela relatou que, junto a isso, o processo de desindustrialização preocupava e havia a dúvida sobre como Minas iria realizar políticas públicas nas diversas áreas como educação, saúde e segurança.
Sara Teixeira defendeu ainda que, sabendo do impacto da Lei Kandir para Minas, seja encontrado um caminho político para resolver a dívida do Estado com a União. “Não adianta pagarmos tudo aquilo e continuarmos devendo depois”, falou.
União deve compensar estados por desoneração de exportações
Discutindo benefícios fiscais e a reforma tributária, a professora titular de Direito Tributário e Financeiro da UFMG, Misabel Derzi, enfatizou que a União é a responsável pela política monetária e cambial que dá equilíbrio à balança comercial e que ela deve compensar os estados pela desoneração das exportações.
Diretor de Orientação e Legislação Tributária da Superintendência de Tributação da Secretaria de Estado de Fazenda, Ricardo Luiz Oliveira de Souza criticou a forma como a carga tributária se estabelece em nível nacional.
Jornalista, economista e auditor da receita estadual aposentado, Luiz Bernardes ressaltou que o atual sistema tributário não é capaz de gerar os recursos no volume e tempo que o estado precisa para fazer o seu papel, o que contribui para o endividamento e crises fiscais.
Para deputado, ônus da dívida não pode recair para servidor
O deputado Lucas Lasmar (Rede), que solicitou a realização do ciclo de debates, corroborou a fala anterior. Ele enfatizou que não há como resolver o problema da dívida pública e que o ônus não pode recair sobre os servidores.
Ele também defendeu que é preciso encontrar um caminho político para resolver esse problema. “O RRF é o pior acordo da história de Minas”, afirmou.
Macaé Evaristo (PT) salientou que a situação do Estado é complicada. "Minas sofre fortemente pela exploração desmedida de recursos naturais, que é agravada por escolhas políticas. Assim, as riquezas são escoadas e a população fica mais empobrecida”, disse.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) chamou atenção para o fato de que o setor mineral não é cobrado pelo uso de água e energia, embora a mineração tenha um grande impacto nas regiões onde atua.
"Se pagassem taxa, já seria uma compensação por todo o problema que causam. Mas nem isso. A discussão de imposto sobre herança também seria uma boa saída para aumentar a arrecadação”, completou.