Ouvidoria da PM instaura investigação sobre violência contra comunidade de Vargem da Lua
Anúncio foi feito em reunião da Direitos Humanos nesta quarta (18), após escuta de moradores agredidos por policiais em setembro deste ano.
18/10/2023 - 19:40O chefe da Terceira Seção do Estado-Maior da Polícia Militar de Minas Gerais, tenente-coronel Ricardo Novais, anunciou que a Ouvidoria da corporação vai instaurar procedimento investigatório para apurar possíveis excessos cometidos por policiais em 11 de setembro deste ano. Nessa data, militares cumprindo ordem judicial, teriam jogado gás lacrimogêneo e de pimenta, além de atirarem balas de borracha em moradores da comunidade de Vargem da Lua, em São Gonçalo do Rio Abaixo (Região Central).
As informações foram divulgadas, nesta quarta-feira (18/10//23), em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativo de Minas Gerais (ALMG).
De acordo com falas de participantes da reunião, a PMMG agiu a mando da Vale, que promoveria mineração ilegal em território que pertence a membros dessa comunidade. Segundo eles, a Vale está proibida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais de minerar na área. Ausente na audiência pública e criticada por isso, a empresa, segundo Ricardo Novais, buscava fazer reparos em tubulações de abastecimento de água da Mina de Brucutu, que pertence à empresa.
Mesmo reconhecendo a importância da providência informada pelo comandante, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a reunião, questionou alguns aspectos apresentados por ele. O militar afirmou que antes do cumprimento da ordem judicial, a PM realizou uma reunião para tentar o diálogo entre membros da Vale e da comunidade, mas só compareceram funcionários da empresa.
Depois de ter acesso à ata da reunião do dia 11/9, a parlamentar disse que na ocasião a própria PM avaliava que o cumprimento da ordem judicial poderia ter um desfecho ruim. Questionou ainda o fato de logo após a reunião, a PM já ir para a comunidade.
Ela também perguntou ao tenente-coronel se ele conseguia perceber o desnível entre o poder de uma empresa como a Vale, com funcionários altamente qualificados, e pessoas humildes da localidade. “Como aquela comunidade simples conseguiria acionar rapidamente um advogado? Isso deveria ser percebido pela Polícia Militar. Essa tentativa de reunião mostra essa desigualdade”, atentou.
Leandro Viana, advogado da comunidade, lembrou que desde 2019, vem obtendo vitórias na Justiça e, no entanto, a situação dos moradores só piora. Destacou que há cerca de 280 pessoas na Vargem da Lua, herdeiras do sr. Norberto ou compradores de partes do terreno que este adquiriu em 1941.
Em 2005, a Vale começou a minerar na região e em 2008, abriu estrada dentro dos terrenos. Incomodados, os proprietários entraram com ações na Justiça, que até hoje não foram finalizados.
Já um outro processo, afirma ele, obteve decisão favorável, transitado e julgado em 2012, proibindo a Vale de exercer qualquer atividade minerária em Vargem da Lua. Segundo o Viana, a empresa promoveu a invasão em terrenos dos moradores numa área de mais de 35 hectares. Apesar da decisão judicial, a Vale continua minerando no local.
O advogado registrou que, em fevereiro de 2019, a Vale acionou a PM para conter o que seria uma invasão de membros da comunidade à Mina de Brucutu. De acordo com Viana, a PM, como se trabalhasse para a empresa, levou “um batalhão inteiro para prender os moradores, inclusive crianças”.
Doze moradores foram levados à Delegacia de Itabira (Região Central), onde o delegado, após a averiguação de um perito, comprovou que essas pessoas estavam em seu próprio terreno, e não da Vale.
Moradores relatam abusos cometidos por militares
Vários moradores da Comunidade de Vargem da Lua relataram violações de direitos cometidos por policiais militares no dia 11 de setembro. Indignada, Marcilene dos Santos disse que foi atingida por bala de borracha atirada pela PM, assim como seu irmão.
"A Vale tem poder para dialogar e resolver o problema com a comunidade, mas ela prefere bater”, disse. Ela denunciou que seu irmão, depois de atendido no hospital, foi levado à delegacia local pela Polícia, que o teria pressionado para que assinasse um boletim de ocorrência em branco.
Maurício Lopes reclamou que a empresa não buscou diálogo com a comunidade antes de conseguir a liminar. E mesmo depois da ordem judicial, os moradores questionaram a ausência de um oficial de Justiça, mas a PM ignorou esse pedido. Já Junio dos Santos criticou a PM, por realizar apenas ações em favor da Vale e nunca em prol da comunidade.
Confiança
Respondendo aos questionamentos, o tenente-coronel Ricardo Novais ressaltou que não pretendia se sobrepor aos relatos apresentados na reunião nem promover uma guerra de narrativas. Ele pediu que os moradores se prontificassem a participar das apurações da Ouvidoria.
Ele lamentou o episódio do dia 11/9 e reconheceu que demoraria um pouco para a confiança da comunidade na polícia ser restabelecida. Sobre a ordem judicial, informou que foi feito contato com o juiz substituto que a emitiu e ele ratificou a solicitação.
Em relação à presença do oficial de justiça no ato, disse que o juiz afirmou não ser necessária. “A Polícia Militar estava lá para cumprir a ordem e, se houve excessos, tudo isso será apurado”, argumentou ele, acrescentando que na ocasião, foram levados conselheiros tutelares para tentar a retirada de crianças e idosos.
Quanto à crítica de atuação da PM somente em favor da Vale, Novais registrou que consultou vários B.O.s emitidos na unidade local, mostrando que a corporação atuou corretamente. Num deles, um morador aciona a polícia reclamando que a empresa estava minerando em terreno da Vargem da Lua. Segundo ele, os militares foram ao local e solicitaram aos funcionários da Vale a retirada de caminhões da área.
Semad defende verificação de licenciamento ambiental
Fernando Baliani, superintendente de Apoio à Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), sugeriu que a pasta promovesse uma diligência à Vale no município para averiguar os documentos de licença ambiental. “O licenciamento é um ato autorizativo, mas não tem o condão de autorizar mineração em área privada”, concluiu.
Já o promotor de justiça da Comarca de Santa Bárbara, Lucas Bacelette, declarou que seu maior objetivo era ouvir a comunidade. E que o caso de Vargem da Lua é o mais complexo que ele tem em mãos, por envolver interesses diversos. Também se comprometeu a defender a aplicação correta da lei, “tendo como norte o respeito aos direitos fundamentais da comunidade”.
Prevaricação
A deputada Andreia de Jesus (PT) cobrou do Ministério Público que apresentasse denúncias contra os policiais que estariam agindo em favor da Vale. Na sua avaliação, eles seriam enquadrados no crime de prevarização, quando o servidor público age em nome de interesse privado, não exercendo seu papel de defensor da lei.
O deputado Betão (PT) disse que a Vale busca a todo momento aumentar seu lucro sem se preocupar com as comunidades em que atua.