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Novo Socioeducativo é criticado por todos os convidados de audiência pública

Projeto do Governo de Minas, com gestão privada de unidades, é considerado inadequado para ressocialização de adolescentes.

14/12/2023 - 19:35 - Atualizado em 15/12/2023 - 11:54
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O projeto do Governo de Minas intitulado Novo Socioeducativo foi alvo de críticas de todos os participantes de reunião da Comissão de Direitos Humanos que discutiu o tema nesta quinta-feira (14/12/23). Solicitada por cinco parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a audiência reuniu representantes de Ministério e Defensoria Públicos, de servidores do socioeducativo, de entidades da sociedade civil, além de jovens que passaram pelo sistema.

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Todos eles condenaram o modelo de gestão adotado, uma parceria público-privada (PPP) que envolve, primeiramente, a construção e, depois, a gestão de dois centros de internação para menores que cometeram ato infracional. A previsão é de que os centros serão implantados em Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e em Santana do Paraíso (Região Metropolitana do Vale do Aço).

Além da desconformidade legal da gestão do sistema pela iniciativa privada, vários convidados destacaram que esse modelo dificultaria a fiscalização do poder público sobre maus-tratos dentro das unidades, facilitando a prática da tortura. Assinaram o requerimento pela reunião: Andréia de Jesus (PT), Bella Gonçalves (Psol) e Betão (PT), respectivamente, presidente, vice e membro da comissão; e ainda, Leleco Pimentel (PT) e Macaé Evaristo (PT).

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Lotação é inadequada segundo defensora

A defensora pública Daniele Bellettato, da Defensoria Especializada da Infância e Juventude, informou que os recursos para o Novo Socioeducativo vieram de multas aplicadas pela Operação Lavajato. E o Ministério de Direitos Humanos, ainda no governo Bolsonaro, destinou parte disso, R$ 33 milhões, para investimentos no sistema socioeducativo.

Ela informou que estão em construção os dois centros socioeducativos masculinos, com 90 vagas cada um, sendo que a orientação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) é de unidades com no máximo 40 pessoas.

De acordo com Bellettato, o Ministério dos Direitos Humanos atual, bem como a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos condenam a aplicação da verba da maneira como o Estado está fazendo. “O que mais choca é a total falta de investimento do governo para execução de medidas em meio aberto”, afirmou ela, apontando para alternativas ao projeto mineiro.

Ela disse ainda que a justificativa foi simplesmente a disponibilidade dos terrenos, sendo que não houve consulta às comunidades e às autoridades locais, que, na maioria, condenam a proposta. No caso de Santana do Paraíso, o fato de o município não ser sede de comarca dificultaria a participação de outras instituições essenciais no processo, como Judiciário, MP e DP.

Doença mental

Outra defensora, Ana Paula Canela, da Defensoria Especializada dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, alertou para um grave problema envolvendo o sistema socioeducativo, que é a ocorrência de doença mental:“Visitei unidade em Belo Horizonte, que abriga 50 adolescentes, dos quais 27 apresentam questões de saúde mental e precisam de atendimento diário. Hoje, esses equipamentos estão substituindo os manicômios.”

Ela também considerou grave a desumanização por meio da desterritorialização, uma vez que vários adolescentes ficam em unidades distantes até 700 km de suas casas. Isso dificulta, afirma a defensora, a manutenção de vínculos familiares e sociais desses menores. 

Falta de acesso a saúde

A promotora Josely Pontes, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, afirmou que o governo não tem um projeto efetivo para os adolescentes privados de liberdade. “Eles vão voltar para a sociedade do mesmo jeito que saíram dela; ao entrar para o sistema, vão ter certamente doença mental”, alertou.

Ela denunciou violação de direitos humanos, na condução de adolescentes algemados e, especialmente, na falta de acesso dos menores ao atendimento de saúde: “Não é possível o SUS não ser SUS no socioeducativo; o sistema tem o dever de fazer esse atendimento de forma adequada”, disse.

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Parlamentares indicam baixos investimentos no sistema

A deputada Andréia de Jesus avaliou que parte do problema tem relação com os baixos investimentos no sistema: “O secretário de justiça gasta R$ 600 milhões com a segurança pública e apenas R$ 600 mil com o socioeducativo”. Ela questionou ainda a máxima de que o crime não compensa: “Não compensa para quem? Para muitos promotores e juízes, compensa. Muita gente lucra com o encarceramento e com o Novo Socioeducativo, mais ainda”.

A deputada Bella Gonçalves afirmou estar exausta por lutar há tempos contra o Regime de Recuperação Fiscal.

Citação

Contra o projeto, defendeu a articulação dos parlamentares da ALMG com as bancadas federais dos partidos que apoiam a causa, para que se aprovem leis impedindo a privatização do sistema.

O deputado Leleco Pimentel considerou que o Novo Socioeducativo tem a ver com o que Zema entende por Novo - “a velha prática de corrupção em cima do serviço público, com o jovem servindo de mercadoria”. Na sua opinião, o governo pretende levar os jovens pretos para a jaula, porque é possível lucrar com eles.

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Construção de dois centros para internação de menores, com parceria privada, é motivo de preocupação TV Assembleia
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“O governo quer sucatear o serviço público, pauperizar o servidor público, mercantilizar tudo. E no caso do socioeducativo, mercantilizando a vida dos jovens.”
Bella Gonçalves
Dep. Bella Gonçalves

Vitória Murta, da Associação de Famílias e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade, fez a leitura de carta assinada por dezenas de entidades pedindo a suspensão do Novo Socioeducativo. Ela extraiu da correspondência argumentos que comprovariam o retrocesso representado pelo projeto, que seria racista e classista, por enclausurar jovens negros e pobres. Cerca de 28% dos jovens privados de liberdade são negros e 50%, pardos. Além disso, o modelo feriria a Convenção sobre direitos das crianças, a qual prevê que a privação de liberdade deve ser excepcional.

Já José Odon de Alencar, vice-presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo de Minas, defendeu a união das entidades civis e do poder público em torno de uma solução para o sistema. E pediu que elas parem de culpar o servidor dessa área pelos problemas.

Informou que atualmente há 1300 agentes de segurança, prisionais e do socioeducativo, e com possibilidade de chamar mais 250 aprovados em concurso.“Temos servidores suficientes para atender e, mesmo assim, o governo paga uma organização social para fazer isso”, condenou ele, enfatizando que essa função cabe somente ao servidor público. “Queremos o socioeducativo eficiente, com profissionais qualificados e com segurança para todos”, concluiu.

Documentos sigilosos

José Lino Esteves do Sindicato dos Auxiliares, Assistentes e analistas do sistema prisional e socioeducativo, reforçou que a Lei de Execuções Penais (LEP) proíbe a guarda e tutela de detentos pela iniciativa privada. Ele colocou em suspeição documentos tratando dessa parceria, aos quais ninguém teria acesso, inclusive contratos no socioeducativo em que o governo impôs sigilo. “Precisamos de mecanismos de auditagem dessas verbas repassadas para as OSs”, cobrou.

Outra irregularidade apontada foi a implantação de medidas disciplinares no socioeducativo pela iniciativa privada, em desacordo com a LEP, que determina essa obrigação somente ao poder público e a servidores públicos.

Marco Aurelio Carvalho, vice-presidente da Associação Desinterna, também participante da audiência, contou que trabalha com menores que saíram do socioeducativo. Psicólogo do Projeto Miguilim, atestou que esses adolescentes, considerados perigosos pela maior parte da sociedade, nunca lhe ameaçaram ou praticaram violência contra ele.

“Vemos esses jovens, que nunca tinham tido acesso a lazer e a cultura, participando de atividades culturais nos eventos que promovemos”, depôs. Ele citou festivais na periferia de Belo Horizonte, com “batalhas de Mcs”, entre as quais uma vencida por egresso do sistema socioeducativo. “Como construir uma nova sociedade se depois de preso, o adolescente sai e vê a mesma porcaria de vida de antes?; precisamos investir dinheiro nisso!”, conclamou.

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