Norte de Minas já tem municípios no clima árido
Área de seca do semiárido também cresceu na região, onde 40% da vegetação original se perdeu, conforme alertaram pesquisadores em Montes Claros, durante seminário da ALMG.
14/06/2024 - 19:01A área do clima semiárido do Brasil aumentou, conforme revisão territorial feita neste ano de 2024. A nova extensão mostra que a mesorregião do Norte de Minas, conforme classificação do IBGE, está inteira incluída na área do semiárido, que duplicou em cinco anos. Além disso, muitos municípios já passaram a integrar o clima árido, como é o caso de cidades como Gameleiras, Espinosa e Mamonas.
Os dados foram apresentados nesta sexta-feira (14/6/24), em Montes Claros (Norte de Minas), no quinto encontro regional do Seminário Técnico Crise Climática em Minas Gerais: Desafios na Convivência com a Seca e a Chuva Extrema, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para buscar soluções capazes de minimizar os impactos das mudanças climáticas.
O seminário segue ainda para dois últimos encontros regionais, da série de sete, em Uberlândia, nesta segunda (17), e em Unaí (Noroeste), na sexta (21), antes da etapa final, em agosto, em Belo Horizonte.
Em apresentação sobre o panorama climatológico da região após a abertura do encontro, realizado na Unimontes, o professor Mário Marcos do Espírito Santo, do Departamento de Biologia Geral da Unimontes, ainda acrescentou que nos últimos 40 anos o nível dos rios diminuiu 20% por década na região. Houve no período uma queda de 7% no volume de chuvas e um aumento de 18% na seca hidrológica (1979-2016).
Os dados preocupantes sobre a diminuição de chuvas e aumento de temperatura por ele apresentados fazem parte de estudo feito por professores da USP e do Instituto Federal de Januária, a partir de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) sobre estações climáticas no Norte de Minas.
Outro estudo citado por Mário Marcos do Espírito Santo, feito no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Januária, mostrou um aumento sem precedentes na temperatura nos últimos 70 anos.
A pesquisa analisou a Caverna da Onça, preservada sem impactos da presença humana, na qual foi verificada uma estabilidade na temperatura até 1950. Mas de lá para cá, a temperatura na caverna sofreu um aumento de 3 graus, confirmando que há uma tendência de alta, com reflexos maiores em se tratando de áreas já ocupadas pelo homem.
“Apesar das variações anuais, a partir de 1950 é inconstestável que a temperatura vem aumentado, sendo preciso considerar também o efeito humano na questão. Não há mais tempo para o negacionismo climático, e no Norte de Minas isso fica muito claro”, frisou.
Perda de bioma original supera 40%
Mário Marcos do Espírito Santo ainda destacou que, no Brasil, assim como no Norte de Minas, o fator que mais tem contribuído para o aquecimento global não é a queima de combustíveis fósseis, e sim o desmatamento.
Segundo o professor da Unimontes, o Norte de Minas perdeu mais de 40% de sua vegetação natural de cerrado e mata seca.
Ele considerou que extremos de estiagem e chuvas preocupam, sim, mas que no Norte de Minas prevalece a preocupação com os efeitos da seca, agravados pela perda de vegetação.
˜São vários os cenários estudados, sendo o melhor possível o razoavelmente suportável e, no pior, a seca tomando tudo; é catastrófico”, resumiu, sobre a situação.
Ele ainda registrou preocupação com as epidemias que podem surgir da perda de cobertura vegetal, a exemplo do que já tem ocorrido com arboviroses como a dengue.
Estudo da Unimontes, segundo ele, mostra a relação entre desmatamento e dengue, tendo sido o Norte de Minas muito afetado pela doença e a região do Estado que mais teria perdido vegetação entre 2009 e 2019, quando o balanço foi negativo.
Armazenamento de água precisaria ser revisto
Na parte da tarde, três professores do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG participaram como comentaristas de plenária sobre diagnóstico regional dos impactos da crise climática.
Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro ressaltou que a organização local é o maior diferencial para o êxito de ações relacionadas ao meio ambiente, sendo o grande valor a ser considerado para a convivência com as mudanças climáticas.
Ele alertou que no semiárido a armazenagem de água é fundamental para essa convivência, mas expôs dados mostrando que os investimentos nas chamadas águas técnicas, soluções para obtenção de água, estariam na contramão.
Segundo ele, as cisternas respondem por somente 13% dos investimentos, mesmo sendo a alternativa que mais dá autonomia, segurança e sustentabilidade; ao passo que a alternativa do caminhão-pipa recebe 83% dos orçamentos dedicados à seca, mesmo sendo a forma menos sustentável e a que mais cria dependência, conforme frisou.
Justamente as alternativas de futuro têm ficado só com 2%, como cercamento de nascentes e instalação de barraginhas.
Flávia Maria Galizoni trouxe angústias sobre a questão e defendeu que os desastres não devem ser naturalizados. Ela alertou que o semiárido mineiro convive com grandes projetos de monocultura de eucalipto, pecuária, irrigação e mineração, que têm acentuado os cenários de mudança climática e deixado grandes ônus para o território.
Entre eles, citou a carência de água nas secas, mas ressaltou que, em relação ao Nordeste brasileiro, o semiárido mineiro tem como peculiaridade a existência de pequenas nascentes de águas, erupções de água de uso restrito, mas que estão morrendo. “Não se pode flexibilizar programas de conservação das águas. Água é um direito inalienável”, defendeu.
Por fim, Flávio Gonçalves ponderou que a alternativa da barragem para a questão hídrica deve ser vista como uma opção, e não como inimiga para a região, mas devendo passar por análise criteriosa, na busca da solução mais barata e que atenda o maior número de pessoas.
Deputados apontam urgência do tema
Na presença de autoridades regionais, gestores municipais, vereadores, acadêmicos e órgãos ambientais que lotaram o evento pela manhã, o presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), abriu o encontro regional alertando para a importância do seminário e frisando sua construção coletiva, por mobilizar mais de 60 parceiros e praticamente todos as universidades de Minas.
“O seminário foi lançado em 14 de março, antes, portanto, da tragédia que assola o Rio Grande do Sul (desde maio). Mas o que aconteceu lá só reforça a urgência do tema”, pontuou o deputado.
Segundo Tadeu Martins Leite, extremos climáticos gritantes têm ficado cada vez mais em evidência. “A estiagem afeta muito a região, mas também temos que aprender a conviver com as chuvas fortes em espaços curtos de tempo. O importante é se debruçar sobre a discussão de ações, de forma técnica como tem sido feito pela Assembleia neste seminário", destacou o presidente do Legislativo Mineiro.
A vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT), também defendeu ações de convivência, mas também de prevenção a questões ambientais e climáticas, com mais recursos.
“É preciso de fato uma ação incisiva também no Orçamento do Estado, porque sem isso e sem prevenção, daqui a pouco teremos os refugiados ambientais", alertou Leninha.
O deputado Gil Pereira (PSD) ressaltou, por sua vez, que, apesar das dificuldades, o Norte de Minas tem contribuído para a transição energética do Estado, respondendo por mais de 90% dos investimentos em energia limpa, importante para o meio ambiente, conforme frisou.
O deputado Arlen Santiago (Avante) também abordou a questão orçamentária para dar suporte ao enfrentamento das questões climáticas, criticando os altos juros cobrados por conta da dívida do Estado com a União. O deputado Oscar Teixeira (PP) defendeu a importância do seminário e ilustrou as variações climáticas citando que, na véspera, Montes Claros amanheceu com 14 graus, chegando a 30 graus horas depois.
Também presente, a deputada Lohanna (PV) elogiou as discussões. “Se Minas politicamente é uma síntese do Brasil, do ponto de vista ambiental também somos, por isso é tão importante a Assembleia ter a possibilidade de estar nos territórios, perto do cidadão, com este seminário”, ressaltou ela.
Boas práticas de convivência com desafios climáticos são apresentadas
Assentado da reforma agrária no primeiro assentamento extrativista de Minas Gerais e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas, José Rodrigues apresentou no encontro regional o Projeto Agroextrativista de Vereda Funda, um dos exemplos de ações exitosas na convivência com os desafios climáticos.
A comunidade geraizeira do município articulou uma ação em rede para manter o seu modo de vida tradicional e proteger sua terra. Isso após famílias terem perdido seu território para a monocultura do eucalipto e na sequência também a água, expôs ele.
Segundo o agrônomo envolvido na iniciativa, o projeto beneficia comunidades tradicionais expropriadas por empreendimentos que trouxeram degradação ambiental, como a produção de carvão para a siderurgia.
A partir da mobilização social, criou-se a iniciativa também com parcerias de instituições como Embrapa, valendo-se de saberes tradicionais e de planos de uso e manejo mais adequado do eucalipto, com foco na disponibilidade hídrica.
Outro exemplo foi a do Assentamento Americana, implantado em 2001 em Grão Mogol, tido como uma proposta diferenciada de ocupação e uso dos recursos naturais.
O agricultor rural Cristovino Ferreira, assentado da reforma agrária, disse que hoje é possível no assentamento plantar no cerrado para proteger o meio ambiente e produzir alimento, mas defendeu que haja maior fiscalização de licenciamentos na região e maior apoio dos órgãos públicos.
Outra ação, o Programa Minascoop Energia, do Sistema Ocemg, tem contribuído, segundo frisou Alexandre Gatti, para a transição energética em Minas. As cooperativas afiliadas à Ocemg são incentivadas a construir usinas de energia solar em terrenos improdutivos por conta da seca, com parte dela sendo doada hoje a mais de 60 organizações sociais e entidades filantrópicas, disse ele, gerando renda na região.
Já a prática de Manejo integrado de bacias hidrográficas, desenvolvida pela Emater-MG para compatibilizar a produção agropecuária com a preservação ambiental, tem ações envolvendo 89 municípios caracterizados por temperaturas elevadas e menos chuvas.
Segundo exemplificou a empresa no encontro, são contempladas ações, em parcerias, como instalação de barraginhas com apoio técnico especializado, recuperação de estradas no modelo ecológico, recuperação de cobertura vegetal e incentivo a áreas de recarga hídrica, fazendo da terra uma esponja para absorção da água por meio, por exemplo, de sistema de furos no solo, além de estímulo a práticas de reciclagem e captação de água da chuva.