Movimentos evidenciam baixa entrega de casas populares pelo governo
Tentativa de destinar a um fundo privado os direitos creditórios da Cohab também foi criticada.
29/11/2024 - 14:57Deputados e representantes de movimentos de luta por moradia reivindicaram foco na construção de casas populares e na participação popular, no planejamento e na execução das políticas habitacionais em Minas Gerais, durante audiência pública nesta sexta-feira (29/11/24). Representantes do governo estadual apresentaram as ações em andamento, como oferta de auxílios para compra de imóveis, mas foram criticados pelos presentes.
A reunião foi realizada pela Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a partir de requerimento de todos os deputados do Bloco Democracia e Luta, de oposição ao governador Romeu Zema (Novo). O encontro foi motivado por projeto que visa criação de fundo privado com direitos creditórios da Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab), criticado pelos participantes.
O déficit habitacional de Minas Gerais foi o ponto de partida das discussões. De acordo com a deputada Bella Gonçalves (Psol), meio milhão de famílias não têm casa no Estado, enquanto 1,2 milhão de imóveis estão vazios. “Qual a relação entre essas coisas? É que quanto mais gente está sem casa, maior o valor desse imóvel. O nome disso é especulação imobiliária”.
A parlamentar indagou os representantes do governo estadual sobre quantas casas foram construídas nos últimos anos pela Cohab. Ela também questionou a venda de terras da Cohab, que, na sua opinião, poderiam ser usadas para construção de moradias. Por fim, apontou a falta de parcerias com o governo federal, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, o que poderia facilitar a entrega de mais moradias.
As primeiras respostas foram dadas pelo diretor-presidente da Cohab, Márcio Almeida Bernardino. Segundo ele, em 2023 a companhia construiu 170 casas, enquanto em 2024 foram 89 casas. Sobre a venda de terrenos, ele afirmou que se tratam de terras em locais sem vocação residencial, como zonas industriais.
O subsecretário de Política de Habitação da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), Henrique Oliveira Carvalho, por sua vez, disse que terrenos estaduais já foram colocados à disposição para construção de casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
Desde o ano passado, segundo Henrique Oliveira Carvalho, foram construídas 450 moradias viabilizadas pelo programa federal e este ano já foram assinados acordos para construção de outras 450, além de 3 mil banheiros e mil casas para reforma.
Henrique Carvalho disse que a discussão da política habitacional em Minas foi interrompida para aguardar o rito da Conferência das Cidades, que será realizada em 2025. Ele garantiu que até o final deste ano o Estado divulgará o edital de chamamento para a composição da comissão organizadora, incluindo movimentos sociais e representantes da sociedade civil.
Os presentes apresentaram outros projetos de construção de casas populares para ressaltar a insuficiência da atuação da Cohab. Segundo o deputado Professor Cleiton (PV), o Município de Itabuna, na Bahia, construiu 90 casas em um ano – ou seja, o mesmo que todo o Estado de Minas Gerais.
As 30 mil casas construídas pelos movimentos sociais em Belo Horizonte nos últimos anos foram lembradas pela deputada Bella Gonçalves. Já o representante da Pastoral Metropolitana dos Sem Casa, Carlos Alberto Santos da Silva, destacou que o último empreendimento de casas populares de Belo Horizonte foi entregue em 1995.
Ainda em contraste com os números apresentados pelo governo estadual, a representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Carolyne de Souza Sobrinho, destacou que o grupo foi contemplado no edital do governo federal e vai construir 900 unidades de moradia pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
A experiência de parceria entre governo federal e movimento social foi elogiada pelo deputado Leleco Pimentel (PT). Ele lembou do Projeto de Lei (PL) 195/23, que institui a Política Estadual de Produção Social de Moradia por Autogestão, e foi recentemente aprovado na ALMG. O parlamentar pressionou pela sanção do projeto e pela sua efetivação.
Por outro lado, o deputado criticou a fragmentação da política habitacional em Minas. "É patente que é para desmontar qualquer possibilidade do sonho da casa própria", acusou.
Governo cita prioridades diferentes de construção de casas
O subsecretário Henrique Oliveira Carvalho indicou que as ações prioritárias da pasta atualmente não são de construção de moradias. No lugar, uma das ações atuais seria o programa Porta de Entrada, por meio do qual são oferecidos auxílios de R$ 20 mil para cada família para compra de imóveis. “A ideia é aproximar o valor pago no aluguel do valor pago nas prestações”, disse.
Henrique Carvalho citou projeto de melhoria de residências, em especial com a construção de banheiros nas casas. Segundo ele, um contrato acaba de ser assinado para a entrega de 3 mil “módulos sanitários” nas regiões Norte e Vale do Jequitinhonha/ Mucuri. Além disso, há ações para construção de cisternas e fossas sépticas.
Participantes da reunião questionaram, porém, o formato dos projetos da Cohab e insistiram na prioridade de construção de novas moradias, bem como no apoio para permanência dos moradores em suas casas. O programa Porta de Entrada, por exemplo, seria insuficiente para atender a população com a renda mais baixa, como evidenciou o deputado Professor Cleiton.
Edneia Aparecida de Souza, do Movimento Nacional de Luta por Moradia, afirmou que muitas pessoas estão sendo despejadas por inadimplência em taxas de condomínio. Ela reivindicou mudanças na legislação que trata de contratos de compra e de aluguel de casas para garantir a proteção de pessoas de baixa renda contempladas por programas sociais de moradia. Segundo Edneia Aparecida, a falta de condições de arcar com custos de condomínio tem gerado a expulsão das pessoas e sua consequente inabilitação a receber outra moradia pelos programas estatais.
Edneia também questionou a venda de terrenos da Cohab sem a devida transparência. A convidada citou documento construído em conferências estaduais na década de 1980 que pedia o levantamento de terras devolutas e pertencentes ao Estado na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Até hoje, tal levantamento não foi apresentado.
A deputada Bella Gonçalves também disse que requerimento com o mesmo levantamento já foi enviado para a Cohab com o mesmo pedido e não teve resposta.
A negativa do governo estadual em ceder seus terrenos para a construção de moradias populares foi, por sua vez, ressaltada por Camila Cecconello, secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Ouro Preto. De acordo com ela, a prefeitura firmou um acordo com a ocupação Chico Rey e já tem um plano urbanístico pronto para construção de novo bairro, com praças, anfiteatro e condomínios residencias.
Para colocar o plano em prática, porém, é necessário que o governo estadual doe 19 hectares de uma área de 130 hectares que possui naquele município. Apesar das tratativas terem sido iniciadas há dois anos, não se chegou a nenhum acordo.
Direitos creditários em fundo privado
Márcio Almeida Bernardino, da Cohab, também ressaltou a situação deficitária da companhia. Ele afirmou que 70% dos mutuários da Cohab são atualmente inadimplentes. Por isso, ele defendeu a aprovação de projeto que visa criar um fundo privado para gestão dos recursos. De acordo com ele, a Cohab será a única cotista do fundo, mas o gestor será privado, o que facilitaria a cobrança dos inadimplentes.
A proposta em questão foi incluída em substitutivo de 2º turno do Projeto de Lei (PL) 14/23, que pretende assegurar o direito de preferência das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e dos idosos no sorteio para aquisição de moradias de programas habitacionais da Cohab.
Um dos artigos do novo texto autoriza o Poder Executivo a transferir para a Cohab os direitos creditórios, presentes e futuros, originados nos contratos de financiamento habitacional firmados com recursos do Fundo Estadual de Habitação (FEH). O texto indica que eles deverão ser integralizados num Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Os resgates e amortizações deverão então ser integralmente destinados, direta ou indiretamente, às ações do Pehis.
Os presentes se posicionaram contrariamente à proposta. Segundo o deputado Professor Cleiton, a manobra, que ele chamou de "emenda sorrateira" incluída em 2º turno, vai tirar recursos que deveriam ser destinados à construção de moradias. Grande parte da verba seria usada, para ele, no pagamento de pessoal. Leleco Pimentel defende que os recursos do fundo sejam transformados em moradias.