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Morte de dez presos em Juiz de Fora revela precariedade do sistema prisional

Comunidade e autoridades denunciam essa e outras violações cometidas nas prisões do município, em reunião nesta quarta (30).

30/08/2023 - 21:01
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A morte de dez detentos nos últimos meses em unidades prisionais de Juiz de Fora (Zona da Mata) é a ponta do iceberg de um sistema onde diversas violações de direitos humanos persistem. Superlotação, má qualidade da alimentação, falta de água e iluminação em celas, redução do horário de visitas foram alguns dos problemas relatados em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (30/8/23).

Solicitada pela deputada Andréia de Jesus (PT), a audiência pública ouviu autoridades e representantes da comunidade local sobre as precárias condições das prisões de Juiz de Fora. De um lado, defensores da dignidade dos presos trouxeram denúncias e, de outro, o dirigente do sistema penitenciário regional apresentou as medidas que começou a colocar em prática para minimizar os problemas.

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Ilegalidade

Na avaliação de Rayana Costa, do Centro Referência em Direitos Humanos, o Governo de Minas está em situação de ilegalidade em função dos vários crimes cometidos. Ela replicou denúncias quanto a má qualidade da alimentação, com os presos recebendo comida estragada, azeda e com baratas.

Para ela, “é dever do Estado cuidar das pessoas encarceradas, que estão sob sua responsabilidade”. Rayana Costa acrescentou que que, em Juiz de Fora, a principal violação foi quanto ao direito à vida, já que o Estado não conseguiu proteger os dez detentos mortos. A versão oficial é que eles se suicidaram, o que foi contestado por convidados.

Manoel Paixão dos Santos, vice-presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca, detalhou como se deram essas mortes e concluiu que, em vez de suicídio, ocorreram execuções.

Dos dez mortos, apenas um tinha a pele branca e, à medida que os fatos ocorriam, a imprensa local encampou essa versão, estampando manchetes sobre o autoextermínio de detentos.

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Descaso

Fernando Gonzaga, vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Conedh), declarou que os problemas do sistema prisional são crônicos, mas que, no governo Zema (Novo), a situação se agravou. “Neste governo, parecer haver profundo descaso com o cidadão que está na prisão e completa indiferença em relação à busca por soluções”, analisou.

Outro problema grave apontado por ele foi a dificuldade dos detentos no acesso à justiça e à assistência jurídica. Ele defendeu como solução a parceria do Estado com as inúmeras instituições jurídicas tanto públicas quanto privadas, incluindo os serviços de assistência jurídica das universidades.

Por fim, Gonzaga criticou a ausência na reunião de um ator fundamental na discussão sobre os problemas penitenciários: o Ministério Público. “A eloquência do silêncio desse órgão é ensurdecedora. A sociedade merece esclarecimento quanto a essa postura”, cobrou.

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Sem água e sem luz

Por sua vez, Michelle Leal, da Comissão de Direitos Humanos da OAB em Juiz de Fora, denunciou que, na Penitenciária José Edson Cavalieri (PJEC), os presos ficam grandes períodos sem iluminação nas celas e sem água.

Segundo ela, seria uma forma de torturar os detentos. Além disso, o diretor da unidade estaria se recusando a conversar com a Comissão da OAB e com outros envolvidos na questão. A advogada denunciou ainda que, numa visita a uma das unidades prisionais, os agentes jogaram spray de pimenta em mulheres e crianças.

Por fim, a vereadora de Juiz de Fora Tallia Nunes reclamou da demora na reinauguração do Ceresp local, já adiada várias vezes.

“Se não inaugurar, a superlotação vai continuar”, alertou ela, lembrando que a Penitenciária Professor Ariovaldo Campos Pires está com o dobro do número de presos recomendado.

Ela completou que eles não têm acesso ao atendimento básico de saúde, o que acarreta doenças respiratórias, grastrointestinais, cardíacas, e ao final, mortes precoces.

Sobre as visitas, Nunes lamentou a redução do prazo dessa atividade para as famílias, que teriam direito a ficar quatro horas com seus familiares presos. Na mesma prisão, foi proibida ainda a visita de amigos, o que estaria em desacordo com o Regulamento e Normas de Procedimentos do Sistema (REMP).

Ela condenou ainda regra adotada pelo Estado de aceitar apenas duas sacolas de itens levados pela família ao preso e exigiu o cumprimento do REMP também nesse aspecto. 

Superlotação é agravada pelo atraso na reativação do Ceresp

Jefferson de Alcântara, diretor regional da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (RISP) de Juiz de Fora, enfatizou que está há a menos de quatro meses no cargo e que lida com problemas complexos em uma RISP com 18 unidades prisionais, com diferentes dificuldades e vários níveis de risco.

Ressaltou o alto índice de criminalidade na região, com atuação de diversas organizações criminosas, especialmente em Juiz de Fora, como o Comando Vermelho (majoritário), o PCC e outras. Confirmou que há superlotação no sistema local, com cerca de 2.700 presos, o que é agravado pelo atraso da reinauguração do Ceresp.

Contudo, apresentou as ações que vem empreendendo para fazer frente aos gargalos encontrados. Uma das medidas foi a separação por tipo de preso em diferentes pavilhões da Penitenciária Ariosvaldo Pires. No pavilhão 1, foram locados os apenados do regime fechado; no 2, os presos provisórios; no 4, todo o público LGBTQIAPN+.

E, no pavilhão 3, os presos envolvidos com facções criminosas. Ele enfatizou que, quando chegou, eram 1.250 detentos na unidade e hoje são 950.

Outra medida importante foi a criação da chamada porta de entrada no sistema penitenciário regional, que passou a funcionar no município vizinho de Matias Barbosa (Zona da Mata).

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O diretor acrescentou que o adiamento da volta do Ceresp ocorreu em função de problemas verificados na estrutura da unidade e da nova divisão de presos criada por ele. Ele afirmou que a superlotação será reduzida com a reativação dessa unidade e a inauguração de outra em Ubá (Mata).

Sobre a alimentação, ele reconheceu que havia muitos problemas e que a nova empresa, Total Alimentação, iniciou seu trabalho em maio deste ano. E que os diretores das unidades estão atentos e a fiscalizam constantemente. Quanto ao abastecimento de água, respondeu que a RISP recebeu três novos reservatórios para atender às unidades. E rebateu as denúncias, afirmando que não faltou água para os presos.

Em relação a visitas, afirmou que está aberto à discussão com as famílias. E que no caso das sacolas, confirmou que havia diferenças de orientação entre unidades, mas que vai cumprir o que o Departamento Penitenciário determinar.

Cortes internacionais

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A presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus, manifestou preocupação com as denúncias de tortura apresentadas na reunião. “Estamos falando de um crime contra a humanidade. Dói saber que a tortura está sendo praticada por pessoas pagas com dinheiro público”, afirmou.

Lamentou que as várias audiências e visitas sobre o tema não estejam sensibilizando o Estado e, por isso, anunciou que pretende levar as denúncias a cortes internacionais. A parlamentar disse ainda que vai cobrar da Secretaria de Estado de Justiça os resultados das apurações sobre os crimes desse tipo cometidos nas unidades prisionais.

O deputado Betão (PT) lembrou que as unidades prisionais do Estado são fonte de problemas há muito tempo. Na avaliação do parlamentar, se esses problemas não forem resolvidos, os presos não serão ressocializados. 

Deputados recebem denúncias de maus-tratos em penitenciária de Juiz de Fora TV Assembleia
“Todos esses presos eram acostumados no sistema prisional e jamais se suicidariam.”
Manoel Paixão dos Santos
Vice-presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca
“O Ministério Público deve dizer qual o nível de responsabilização vai atribuir ao Estado em relação a essas violações. Estamos diante de crimes praticados por autoridades contra os detentos.”
Fernando Gonzaga
Vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos
“Criamos um serviço de inteligência dentro das unidades para identificar membros de facções. E aí distribuímos os presos nas 18 unidades da 4ª RISP respeitando o risco prisional de cada uma.”
Jefferson de Alcântara
Diretor regional da 4ª Região Integrada de Segurança Pública

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