Modelo da escola mínima é repudiado na Comissão de Educação
Participantes de audiência sobre segurança nas escolas reivindicam mais investimentos na infraestrutura física e de pessoal e não apenas o incremento do aparato de segurança.
20/04/2023 - 20:45Não existe soluções simples para problemas complexos. A adaptação da citação atribuída ao jornalista norte-americano Henry Louis Mencken cai como uma luva para o desafio de prevenção da violência no ambiente escolar.
Mas, contraditoriamente, uma medida aparentemente simples, o fim do modelo de “escola mínima”, foi quase um consenso como ponto de partida para isso entre os participantes da audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde desta quinta-feira (20/04/23).
“A gente vive numa época de defesa do estado mínimo e, agora, da escola mínima. Os governos acham que tem muita gente trabalhando na escola, mas não tem. Eu estudei numa época em que os porteiros trabalhavam por anos na mesma escola e conheciam toda a família dos alunos. Isso não existe mais. Um exemplo é que orientador, supervisor e inspetor escolar virou hoje uma coisa só”, resumiu a presidente da Associação Mineira de Inspetores Escolares (Amie), Geovanna Passos Duarte.
Em sua apresentação na reunião, ao comparar com fenômeno semelhante que assola os EUA, ela defendeu que o incremento do aparato de segurança nos estabelecimentos de ensino, embora possam aumentar a sensação de segurança no curto prazo, são inócuos a médio e longo prazo.
“A escola pode estar se transformando em um local de violência, mas ela ainda é o melhor local para solucionar essa violência”, completou, ao defender mais investimentos em infraestrutura e de pessoal para que estabelecimentos de ensino possam a voltar à posição central na comunidade onde está inserida.
Ao citar estudo da pesquisadora da Unicamp, Telma Vinha, Geovanna Duarte lembrou que já são 23 ataques a escolas brasileiras desde o primeiro caso, em 2002, na Bahia. No total, já morreram 35 pessoas, 23 delas estudantes.
Desses, os últimos nove casos aconteceram de 2018 a 2021, em sintomia segundo ela com a potencialização do discurso político violento e do maior acesso as armas. Segundo esse estudo, não há nada que indique que uma escola seja mais vulnerável do que outra, mas o perfil dos agressores é sempre de meninos brancos adeptos do culto pela violência e adoração às armas.
Nos EUA, o marco inicial remonta a três anos antes, em 1999, na Columbine High School, no Colorado. Lá foram, até o início deste mês, ao menos 377 ataques, de acordo com levantamento do jornal The Washington Post.
Coincidentemente, em solo americano os casos recrudesceram em 2022, com o pico de 47 casos, mas o recorde anterior aconteceu no ano anterior, em 2021, com 42 casos.
A escola no centro da comunidade onde funciona
“A escola precisa ser maior do lado de dentro e do lado de fora”, sentenciou, na mesma linha, a professora de Educação Física da Escola Estadual João Guimarães Rosa, no Bairro Icaivera, periferia de Betim (RMBH), Célia Cristina de Oliveira.
A escola foi alvo de ameaças em pichações e bilhetes apócrifos de um ataque previsto para hoje (20), que não se confirmou, problema que teria se repetido em outros pontos pelo Estado. Temendo pela vida, a professora se emocionou ao lembrar o clima de tensão vivido por toda comunidade escolar, reforçada pela grande mobilização policial no entorno.
Contudo, Célia Oliveira também denunciou a situação de abandono tanto da escola onde trabalha quanto da comunidade onde ela está inserida, distante quase uma hora de ônibus do centro de Betim, e por estrada de terra. Segundo ela, falta de tudo, de um posto de saúde que funcione bem até sinal de Internet na escola.
“Hoje a Polícia Militar e a Guarda Municipal estavam lá, mas e daqui a um mês? A gente só sabe que era uma fake news até chegar a data e nada acontecer”, lamenta.
Outro conceito bastante abordado na audiência por vários convidados é a diferença do conceito de violência na escola e contra a escola, sendo que este último seria o mais correto no contexto da cultura de ódio que assola o Brasil desde 2018, conforme avalia a coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg), Analise de Jesus da Silva.
“Há uma diferença entre a violência à escola, na escola e da escola. A violência à escola é uma ameaça externa em que se reproduz na escola uma ação de ódio e terror que se disseminou como prática política para acuar a sociedade, estimulada pelos mesmos responsáveis pela tentativa de golpe de 8 de janeiro", destacou o ex-vereador por Belo Horizonte, Gilson Luiz Reis, que integra o Fórum Nacional da Educação.
"O fascismo age pelo medo, mas vamos continuar levando nossas crianças para as escolas para que isso mude”, completou.
A professora de Psicologia Escolar da UFMG, Deborah Rosária Barbosa, sugere intervenções no ambiente escolar de promoção da cidadania em contraponto a apenas medidas de cunho policial, de forma a promover assim a chamada “cultura da paz”. Ela sugeriu aos presentes que se inspirem no documento elaborado pela Unesco intitulado “Uma cultura para a paz: da reflexão para a ação”.
O defensor público Luis Renato Braga Arêas Pinheiro também defendeu mudanças na estrutura da escola, que precisa urgentemente contar com equipe multidisciplinar, interlocução com outros serviços do Estado, como a saúde, e que precisa ser cada vez mais plural.
Ele também defende que a mediação de conflitos precisa entrar de vez para dentro das escolas. “A evolução da sociedade é não precisarmos mais de um juiz para decidir quem tem razão e sim de um mediador para resolver isso”, emendou.
Esforço conjunto em prol da paz
A reunião da Comissão de Educação atendeu a requerimento da presidenta e da vice da Comissão, deputadas Beatriz Cerqueira e Macaé Evaristo, ambas do PT, e ainda da deputada Lohanna (PV) e os deputados Betão (PT) e Professor Cleiton (PV).
Segundo Beatriz Cerqueira, o mais importante neste momento é proteger a escola sem que as ações para isso se transformem em mais violência para a comunidade escolar. Ela lembra que um marco inicial nesse fenômeno foi a perseguição aos professores, ainda em 2018, que até hoje se repetem.
A parlamentar destacou ainda que o debate da Comissão de Educação aconteceu na sequência da Reunião Especial de Plenário do Assembleia Fiscaliza com o tema segurança nas escolas realizado na tarde da última segunda (17), por iniciativa é da Mesa da ALMG.
Em sintonia com a posição majoritária na audiência, Macaé Evaristo avaliou que a escola fragilizada e sob ataque é a face visível de uma desordem que atende a interesses poderosos visando garantir os privilégios de pequenos grupos.
“A violência contra as escolas é, na verdade, um passo além. Esse respeito que já se teve pela escola acabou, querem expropriar inclusive esse espaço. Afinal, os donos do capital atentam contra todas as vidas e sempre saem impunes”, disse.
PM mobiliza todo o efetivo em operação especial
Pai de duas filhas, o coronel Flávio Godinho, diretor de Operações da Polícia Militar afirmou que as duas foram para a aula nesta quinta (20), apesar do temor de atentados, porque disse acreditar no valor da educação. Ele informou que participaram da operação mais de 12 mil policiais em 2.500 viaturas por todo o Estado.
“Colocamos toda a tropa da PM nas ruas hoje, numa ação em respeito à população, à comunidade escolar”, destacou. Na sua avaliação, o professor necessita de valorização e de um ambiente de harmonia para desempenhar bem suas funções. E o aluno não pode ser encorajado a desafiar o professor, porque este precisa de respeito.
Além disso, a PM criou uma cartilha para prevenção de violência nas escolas. Nesse sentido, avaliou que a corporação precisa trabalhar com inteligência policial para investigar o que se passa sobretudo nos chats de jogos virtuais.
Por fim, a subsecretária de Desenvolvimento da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Izabella Cavalcante Martins, reforçou as medidas anunciadas pelo titular da pasta no encontro da ALMG da última segunda-feira, destacando ainda dois programas em desenvolvimento pelo Executivo, o Escolas Acolhedoras e o de Convivência Democrática.
“Nossa atuação tem acontecido em três eixos, a promoção de direitos humanos, a prevenção e o encaminhamento dos episódios de violência e a mediação de conflitos”, apontou. Segundo ela, um grupo de trabalho, com a mobilização de diversas instituições, também já está atuando.