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Médica defende iniciativas para garantir acesso mais amplo à saúde 

Primeira palestrante do Ciclo de Debates Saúde para Todas, Maria do Carmo demandou ocupação de espaços institucionais e investimentos para cuidado a grupos vulneráveis.

06/03/2023 - 12:20 - Atualizado em 06/03/2023 - 14:50
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A ocupação de espaços institucionais por mulheres, o fortalecimento de movimentos sociais e a destinação de investimentos financeiros para o cuidado de grupos vulneráveis foram algumas iniciativas defendidas pela médica sanitarista Maria do Carmo para garantir acesso às políticas de saúde para os diferentes grupos de mulheres. Ela ministrou, na manhã desta segunda-feira (6/3/23), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a primeira palestra do Ciclo de Debates Saúde para Todas.

O evento, que continua ao longo desta segunda (6), é o principal da programação de 2023 do Sempre Vivas, iniciativa do Parlamento mineiro realizado anualmente para celebrar o Dia Internacional da Mulher.

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Maria do Carmo abordou as dificuldades no acesso à saúde para diferentes grupos de mulheres. Ela participou do painel com o tema “Por que nós adoecemos?”.

A médica sanitarista enfatizou que a classe, o gênero e a raça determinam de forma radical as condições de vida de um indivíduo. Maria do Carmo acrescentou, como outro fator determinante no acesso à saúde, a acessibilidade geográfica.

Para a médica sanitarista, outro dificultador no acesso à saúde para determinados grupos diz respeito ao fato de que esses serviços ainda seguem a lógica binária (homem e mulher), embora o contexto mostre que esse repertório já se expandiu.

Singularidades de grupos minoritários

Maria do Carmo ainda abordou as singularidades do acesso à saúde por mulheres negras. “Estatisticamente, sabemos que fazem menos mamografias, pré-natais, sofrem com mais riscos na gravidez e têm maior taxa de mortalidade materna”, disse.

Ela salientou também que mulheres negras têm a menor taxa de cesariana no SUS. “Mas isso não se dá pela vertente do parto humanizado. Mas pela negligência”, disse, acrescentando que há relatos de partos sem anestesia, contrariando a vontade da mulher.

Em relação às mulheres indígenas, a médica enfatizou que esse público sofre pela incorporação de hábitos urbanos e pelas intervenções no ambiente em que vivem, por exemplo, com o garimpo.

Conforme contou, mulheres indígenas têm mais infecções sexualmente transmissíveis como o HPV, tendo em vista a iniciação sexual precoce e sem proteção, além do câncer de colo de útero.

Já as quilombolas e trabalhadoras rurais, de acordo com Maria do Carmo, vivenciam racismo, pobreza e barreiras geográficas, tendo menos acesso a serviços de saúde.

No caso das trabalhadoras sexuais, Maria do Carmo disse que as políticas de saúde voltadas para esse público vão no sentido de identificar e tratar doenças sexualmente transmissíveis.

Corroborou a fala dela Lorena Maria de Paiva, conselheira municipal dos direitos das mulheres em Belo Horizonte e representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Ela contou que, nos centros de saúde, travestis e trans têm acesso facilitado ao teste de HIV somente. “Como se não pudéssemos adoecer psicologicamente. Isso tem que mudar”, disse.

Para mudar, é preciso refletir, defendem participantes

Yone Maria Gonzaga, integrante do Núcleo Gestor do Programa Ações Afirmativas na UFMG e da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), ressaltou que, com um estado misógino e racista, o que garante a sobrevivência com qualidade é a resistência das mulheres em seus territórios. "Tem que refletir sobre o racismo estrutural e as questões de gênero, porque tudo isso demarca quem vive e quem morre”, afirmou.

Zélia Maria Profeta da Luz, pesquisadora em saúde pública e ex-diretora da Fiocruz Minas, defendeu ainda que a saúde seja encarada em um contexto mais amplo. “Não podemos ver saúde só como a ausência de doenças. Devemos considerar a saúde mental, social, ambiental”, disse.

Múltiplas jornadas podem levar ao adoecimento

Na segunda parte da palestra, no final da manhã, a pesquisadora em ciência e tecnologia e professora da Fundação João Pinheiro, Nícia Raies, enfatizou a ligação direta entre as múltiplas jornadas de trabalho das mulheres e o adoecimento mental delas.

Ela falou da ausência de políticas públicas que atenuem esse cenário e disse que o auge da pandemia da Covid piorou a situação para muitas mulheres, pois acarretou na perda de autonomia econômica, o que também contribui para o aumento da violência. 

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Redistribuição de tarefas

Ainda segundo Nícia, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz que 75% dos homens estão no mercado de trabalho contra 53% das mulheres, já que muitas delas abandonam o mercado formal para se dedicarem aos filhos e às tarefas domésticas. “Uma mudança real só virá da redistribuição de tarefas e maior participação das mulheres no mercado de trabalho”, completou.

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Vereadora e líder do governo na Câmara Municipal de Contagem (RMBH), a debatedora Moara Saboia concordou com a pesquisadora. Segundo ela, a única mudança real nesse cenário só viria se o Estado assumisse também a tarefa do cuidado. 

“Essa é uma demanda da sociedade e precisa ser coletivizada. Durante a pandemia, a gente sabe na conta de quem ficou o cuidado, quem abriu mão de sua formação e passou a ter jornada ainda mais extensa. Somos menos remuneradas, vistas como menos produtivas e mais caras porque tiramos licença-maternidade. É absurdo uma sociedade em que os filhos são responsabilidade apenas das mulheres. É fundamental pensar saídas e alternativas para garantir que essas diferenças se reduzam”.

Sempre Vivas destaca presença recordista de mulheres na ALMG 

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Mais cedo, na abertura do evento, parlamentares e convidadas exaltaram conquistas e desafios para as mulheres dentro do Parlamento mineiro.

Nesse olhar para dentro do parlamento, foi ressaltado que, com 15 mulheres eleitas, a atual legislatura é recordista em número de parlamentares. “Isso é importante porque é preciso ocupar os espaços com nossas vozes e nossos corpos. Só assim teremos uma sociedade livre de todas as violências que denunciamos cotidianamente”, disse a presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, da ALMG, deputada Beatriz Cerqueira (PT).

O deputado Ulysses Gomes (PT), líder do Bloco Democracia e Luta, ressaltou que dos 20 parlamentares do bloco, sete são mulheres e das seis comissões presididas pelo bloco, três têm mulheres à frente.

Uma das deputadas eleitas pela primeira vez, Maria Clara Marra (PSDB) disse ser preciso olhar para as dificuldades peculiares de cada grupo de mulheres e exemplificou com as trabalhadoras rurais, que têm mais dificuldades para encontrar formas de proteger e cuidar dos filhos enquanto elas trabalham nas lavouras.

Também a deputada Andréia de Jesus (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos, falou sobre as vulnerabilidades de alguns grupos, como as negras e indígenas. “A letalidade tem cor e tem gênero”, disse. 

Outro avanço destacado no parlamento foi a eleição de uma mulher para a vice-presidência da ALMG, a deputada Leninha (PT). Ela afirmou que uma das suas bandeiras no mandato será criar estratégias para combate da violência política de gênero dentro da Casa Legislativa.

O Sempre Vivas 2023 tem como slogan “Viver é mais do que sobreviver”. A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, lembrou que a definição do tema do ano foi feita coletivamente, com a participação de mais 100 entidades. 

Feminicídio

A deputada Ana Paula Siqueira lamentou, porém, que a realidade se imponha e que a questão do feminicídio volte a ser tratada no Sempre Vivas, apesar de não ser o foco do Ciclo de Debates. Ela destacou que os números de vítimas aumentaram em todo o País no último ano e que Minas Gerais é campeã nesse ranking. A deputada Bella Gonçalves (Psol) destacou a importância de se entender as falhas nas políticas públicas e nas redes de proteção em Minas Gerais que levaram o Estado a essa posição.

O presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), disse que essas estatísticas precisam ser superadas e que toda a Casa deve se unir para promover políticas que mudem esse quadro. 

A programação do Ciclo de Debates segue ao longo do dia com diversas palestras e discussões sobre a saúde da mulher. 

Ciclo de Debates Sempre Vivas 2023: Viver é muito mais que sobreviver - Painel 1
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Ciclo de Debates Sempre Vivas 2023: Viver é muito mais que sobreviver - Abertura
“A Organização Mundial de Saúde mostra que a incidência de transtornos mentais é maior entre mulheres, sendo que a taxa de depressão feminina é o dobro da masculina. Isso se deve à sobrecarga de trabalho. Precisamos combater essa ideia difundida de que damos conta de várias coisas ao mesmo tempo, o mito de sermos multitarefas. Isso não é verdade. Não existe qualquer propensão natural à realização de várias tarefas ao mesmo tempo”.
Nícia Raies
Pesquisadora
Ciclo de Debates Sempre Vivas 2023: Viver é muito mais que sobreviver - Abertura

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