Licenciamento de hidrelétricas precisa de macroplanejamento, defendem especialistas
Audiência pública debateu impactos de projetos como a UHE Gamela em rios das regiões do Triângulo mineiro e Alto Paranaíba.
03/09/2024 - 14:17A realização de um macroplanejamento deveria preceder o processo de licenciamento de hidrelétricas em Minas Gerais. A opinião é de especialistas que participaram, nesta terça-feira (3/9/24), de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A reunião, solicitada pela deputada Bella Gonçalves (Psol), teve como objetivo debater o licenciamento desses empreendimentos nas regiões do Alto Paranaíba e Triângulo mineiro, em especial a implementação da Usina Hidrelétrica (UHE) Gamela no Rio Paranaíba, no Município de Coromandel (Alto Paranaíba).
Paulo dos Santos Pompeu, professor do Departamento de Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Lavras (Ufla), foi um dos defensores desse macroplanejamento.
Para ele, grande parte das medidas mitigadoras dos impactos desses empreendimentos não tem funcionado no País. Segundo o professor, desde que as hidrelétricas começaram a ser construídas, as escadas e elevadores para transposição de peixes para reservatórios têm sido o maior mecanismo de proteção.
“O ambiente natural do peixe é o rio, não o reservatório”, declarou o pesquisador. Além disso, os mecanismos de transposição não respeitam a dinâmica de migração dos peixes, cujas espécies muitas vezes migram somente em determinada época do ano e condições de temperatura. O professor ainda defendeu a definição de trechos de rios de preservação permanente.
A ideia de um planejamento global também foi defendida por André Barcelos, coordenador do Programa Rios Livres. “Numa bacia que já é responsável por 40% da contribuição energética, é preciso pensar um processo de descentralização dessas matrizes do Triângulo mineiro”, disse.
Triângulo já contribuiria de forma decisiva para geração de energia
O presidente e diretor de sustentabilidade da Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá), Gustavo Malacco, afirmou que a região possui grande contribuição para a geração de energia no Estado. De acordo com ele, isso traz consequências, especialmente para o ecossistema aquático e os setores agrícola e de turismo.
Ele mencionou diversos projetos que foram ou estão sendo barrados na região, nos Rios Claro, Tijuco, Arantes, da Prata, Uberabinha, Araguari e Quebra-Anzol.
O ativista explicou que a UHE Gamela pretende ser construída no único trecho ainda livre de barragens do Rio Paranaíba e solicitou ajuda da ALMG para avançar em uma política pública que defina quais rios seriam de preservação permanente.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF), Gustavo Kenner Alcântara, reiterou: “estamos falando de bacias que já têm seu fluxo comprometido devido à presença de muitas barragens”. Ele ainda defendeu outras formas de captação energética, como usinas fotovoltaicas e eólicas.
Para a deputada Bella Gonçalves (Psol), a crise climática pela qual passa Minas Gerais, com recordes de baixa umidade e alto índice de queimadas, tornam imprescindíveis debates sobre a proteção ao meio ambiente. “As cachoeiras mineiras fazem parte da riqueza de seu povo”, disse a parlamentar ao defender maior fiscalização das hidrelétricas.
Liberação de empreendimento é questionada
Segundo os presentes na audiência, em 2023, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) havia emitido parecer técnico recomendando o indeferimento do projeto da UHE Gamela. Porém, o empreendimento foi liberado em março deste ano em reunião da unidade regional do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
A deputada Bella Gonçalves levantou a possibilidade de a liberação ter ocorrido por motivações políticas ou econômicas, uma vez que inicialmente a Semad havia indicado a inviabilidade do projeto em seu parecer técnico, porém mudou de posicionamento na reunião do conselho.
Mariana Antunes Pimenta, gestora ambiental e gerente de suporte técnico da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), participou da elaboração do parecer técnico e afirmou que foram quase dez anos de análise que levaram ao entendimento de que a UHE Gamela deveria ser indeferida.
“O impacto não mitigável sobre espécies de peixe ameaçadas foi considerado muito maior que os impactos positivos”, afirmou.
Questionado sobre a mudança de posicionamento da secretaria, Bruno Neto de Ávila, chefe regional de regularização ambiental do Triângulo Mineiro da Semad, afirmou que apenas foi seguido o rito normativo.
O representante do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Carlos Alberto Valera, promotor de justiça e coordenador da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande, afirmou que o órgão está atualmente analisando se as informações prestadas no recurso apresentado pelo empreendedor de fato comprovam a viabilidade ambiental do empreendimento.