Levantamento da UFMG aponta precarização das escolas quilombolas
Professores convivem com contratos temporários, falta de infraestrutura e de formação, além de muitas vezes atuarem fora de suas comunidades.
20/06/2024 - 15:59 - Atualizado em 20/06/2024 - 19:10A partir do curso de formação de professores quilombolas, a UFMG mapeou a oferta dessa modalidade educacional no Estado, confirmando sua situação precária e o descumprimento dos direitos das comunidades. O diagnóstico da pesquisa foi apresentado à Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (20/6/24).
Com base nos exercícios realizados nas disciplinas do Curso de Aperfeiçoamento em Equidade Racial na Educação Escolar Quilombola, promovido pela UFMG de 2023 a 2024, foi possível construir a cartografia social da educação quilombola, com indicadores sobre a relação entre as escolas e as comunidades. Foram representadas 39 comunidades quilombolas do Norte, do Noroeste, da Zona da Mata e da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Coordenadora do curso, Shirley Miranda destacou, entre os desafios detectados no levantamento, a falta de concurso para professores, que resulta em contratos temporários, a ausência de investimentos na formação específica e o fechamento e a municipalização de unidades escolares.
Para a professora, o Estado também precisa abrir mão de modelos pedagógicos que menosprezam as experiências das comunidades, de programas ineficientes de democratização ao acesso digital e dos processos de contratação que não efetivam professores quilombolas nas escolas dos seus territórios.
Como pontos positivos do mapeamento da UFMG, ela citou a presença de movimentos identitários, os quais reforçam os valores quilombolas na educação, e o compromisso com a educação comunitária.
Para quilombolas, professores precisam conhecer a realidade das comunidades
Representantes de comunidades quilombolas corroboraram as conclusões dos pesquisadores. Robeilto Borges, Miriam Pereira e Carina Veridiano, que foram tutores do curso de formação de professores, deram especial ênfase na falta de estabilidade dos docentes e na designação para que atuem em escolas fora das suas comunidades.
Nesse contexto, Diana Barbosa, da Comissão Permanente da Educação Escolar Quilombola da Secretaria de Estado de Educação, preocupou os participantes da audiência ao informar que o Governo do Estado planeja um concurso específico para as escolas nos quilombos, mas não restrito a professores quilombolas.
Conforme relatou, serão 385 vagas, para 44 escolas quilombolas estaduais, localizadas em 25 municípios. Da forma como está sendo construído o concurso, Diana acredita que o certame pode ser uma ameaça à permanência desses profissionais nas comunidades.
De acordo com o procurador da República Helder Silva, a reserva de vagas aos quilombolas vai ao encontro da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que busca reconhecer e valorizar os valores e práticas sociais de povos indígenas e tribais, classificação na qual se enquadram essas comunidades.
“O fundamento dessa escola é que tenha professores de lá. O Estado está jogando com as palavras para mais uma vez excluir”, concluiu a deputada Macaé Evaristo (PT), que solicitou a audiência.
Plano nacional busca consolidar a educação quilombola
Coordenador-geral de Educação Étnico-Racial e Educação Escolar Quilombola no MEC, Eduardo Araújo traçou um panorama dessa modalidade educacional no País.
São 278 mil estudantes matriculados (70% deles atendidos pelo CadÚnico) em 2,6 mil escolas nos quilombos. Os dados referentes à infraestrutura, materiais didáticos e formação são alarmantes:
- mais de 80% dessas escolas não possuem biblioteca, laboratório de informática e quadra de esportes
- 85% dos professores afirmam não trabalhar com o material didático adequado
- somente 3% dos docentes fizeram cursos para atuar na área
Com o intuito de consolidar a educação quilombola, o governo federal lançou, no último mês de maio, a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola.
Entre os eixos de atuação da política, estão a difusão de saberes, a formação de profissionais e protocolos de prevenção e resposta ao racismo na educação.
Representantes quilombolas apresentam reivindicações
No período da tarde, a Comissão de Educação realizou mais um debate sobre a importância e os desafios das atividades de ensino, aplicação e fiscalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, regulamentadas no âmbito estadual pela Resolução 3.658, de 2017.
Logo no início da reunião, a mestre em Educação Ana Carolina Silva, representante da Comissão de Educação Escolar Quilombola da Rede de Saberes dos Povos Quilombolas da Zona da Mata (Sapoqui), apresentou um documento com algumas reivindicações prioritárias. “Nosso maior desafio é o diálogo com a Secretaria de Estado”, observou Ana.
Entre as reivindicações estão a prioridade na fiscalização e acompanhamento das políticas públicas de educação escolar quilombola, com participação da sociedade civil; construção dos referenciais curriculares no prazo de dois anos; capacitação de gestores e professores; e realização de concurso público específico, com prioridade para os professores oriundos das comunidades quilombolas.
Outra reivindicação apresentada é a realização de um debate participativo para regulamentação da educação quilombola, tendo por base o Projeto de Lei (PL) 4.102/22, da deputada Andreia de Jesus (PT).
O depoimento de Stefany Celestino de Paula, representante da Juventude da Rede Sapoqui, mostrou a importância da educação específica. “Nunca tive acesso a uma educação quilombola. Chegou a hora de nossa história ser contada como ela realmente é: não fomos só escravos, fomos também reis e rainhas”, cobrou.
Confrontada por diversas queixas e críticas à falta de diálogo da Secretaria do Estado de Educação (SEE), a responsável pela Educação do Campo Indígena e Quilombola da SEE, Fabiana Benchetrit dos Santos, se dispôs a marcar uma reunião para um atendimento mais qualificado aos participantes do encontro.
O deputado Betão (PT), que mediou o debate, afirmou que seria constituída uma comissão para agendar essa reunião com a representante do governo. As reivindicações da Sapoqui foram entregues à representante do governo, ao deputado Betão e aos representantes do Conselho Estadual de Educação e do Ministério Público.