Incentivo à inovação deve começar por melhorias do ensino básico à graduação
Necessidade de investimento no ensino foi um dos pontos destacados por participantes do Fórum Técnico Minas Gerais pela Ciência, na Zona da Mata.
30/08/2024 - 16:20 - Atualizado em 30/08/2024 - 19:30Mais do que garantir recursos de forma perene - necessidade que é consenso entre quem defende mais estímulos à ciência, pesquisa e inovação no Brasil - é preciso criar instrumentos para melhorar a qualidade da educação pública desde os seus níveis iniciais, alicerce do pensamento crítico necessário para formar uma nova geração promissora de jovens cientistas.
Essa foi a principal convergência apresentada pelos dois palestrantes na abertura da etapa regional da Zona da Mata do "Fórum Técnico Minas Gerais pela Ciência - Por um Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável", o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e a diretora do Parque Tecnológico da Universidade Federal de Viçosa (UFV), respectivamente, os professores Raul Guedes e Adriana Faria.
Sob a coordenação da deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), os debates e a elaboração de propostas aconteceram ao longo de toda esta sexta-feira (30/8/24), no auditório e no anfiteatro do Departamento de Agronomia da UFV. O fórum tem o objetivo de contribuir com o Parlamento mineiro na elaboração de um Plano Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Em ambas as apresentações, os dois acadêmicos apontaram dados históricos do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (na sigla em inglês, Pisa) para demonstrar preocupação com a formação dos alunos que chegam aos programas de pós-graduação. O exame avalia habilidades básicas dos estudantes de 15 anos em 81 países.
Para Adriana Faria, o acesso ao ensino superior tem se expandido sem uma retaguarda educacional anterior, mais calcada na educação privada e no modelo remoto. “Se vamos estimular a produção científica, quem vai fazer isso? São esses alunos que, infelizmente, chegam cada vez mais deficientes ao ensino superior. Muitos, inclusive, podem ser considerados analfabetos funcionais. Nos últimos 20 anos temos caído nas avaliações do Pisa”, lamentou a professora.
“O insumo fundamental para produção de ciência são os recursos humanos. Além da pós-graduação, precisamos de melhorias em todos os níveis, sobretudo nos ensinos fundamental e médio, que ainda deixam muito a desejar”, destacou também o pró-reitor Raul Guedes.
Essa espécie de passivo educacional que compromete a produção científica torna-se ainda mais cruel para a Zona da Mata. Contrariando o senso comum, ela registra o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as regiões do Estado, perdendo apenas para o Vale do Jequitinhonha, conforme destacaram os dois especialistas e outros participantes da etapa regional.
“Somos ilhas de excelência em um mar de pobreza”, comparou Adriana Faria, que apontou outros gargalos do setor para superar as posições decepcionantes do Brasil nos inúmeros rankings mundiais de inovação. O mesmo vale na comparação de Minas Gerais com outros estados economicamente menos importantes.
Academia x setor produtivo
É o caso da falta de entrosamento do meio acadêmico com as empresas, tanto para financiamento de pesquisas quanto para o aproveitamento de recursos humanos altamente capazes. “As empresas procuram muito pouco a universidade. Apesar de toda pesquisa que fazemos, não somos a primeira opção do setor produtivo”, criticou.
“Precisamos aprender a converter produção científica em valor. Mais de 70% dos recursos de pesquisa no Brasil são públicos e essa relação é justamente a oposta nos países mais inovadores. Curiosamente, 70% dos egressos da pós-graduação no Brasil vão trabalhar no serviço público, o que também contraria a lógica dos países mais desenvolvidos”, avaliou a diretora do Parque Tecnológico da UFV.
“Também não sou particularmente otimista, mas é importante sabermos onde estamos pisando e o que é preciso fazer. Vale lembrar que 95% do conhecimento científico do Brasil ainda é produzido nas universidades, que se especializaram em tirar leite de pedra”, emendou o pró-reitor da UFV, Raul Guedes.
O professor também relatou problemas na formação de mestres e doutores, que, apesar de ter aumentado nas últimas décadas, ainda é baixa, demorada e cara até mesmo para padrões sul-americanos.
“Nossa produção científica do Brasil melhorou sensivelmente nos últimos 30 anos. O problema é que todos os outros têm melhorado muito mais rápido. Mesmo no contexto brasileiro complicado, Minas Gerais também não está no primeiro time da produção científica nacional”, analisou o acadêmico.
Como solução, ele aponta que, tão importante quanto alocar mais investimentos no setor, é preciso evitar oscilações nos repasses e a qualidade deles.
UFV já é quase uma instituição centenária
Ainda na abertura da etapa regional, a deputada Beatriz Cerqueira reforçou a importância de colher sugestões por todo o Estado e, assim, contemplar as diversidades regionais.
“Queremos que o futuro Plano Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação seja uma política pública de Estado, não de um governo apenas. Nosso Estado é muito grande e complexo para que nos apoiemos apenas nas diretrizes nacionais desse setor”, avaliou.
Presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico da ALMG, o deputado Roberto Andrade (PRD), que é de Viçosa, lembrou que a UFV celebrou, na última quarta (28), seus 98 anos de fundação, reforçando o papel fundamental de instituições com tamanha tradição na formação de recursos humanos em um mercado de trabalho em constante transformação.
“De forma cada vez maior e mais rápida, vagas de emprego estão sendo realocadas pelo avanço tecnológico. Nossos jovens precisam se encaixar nesse novo mercado de trabalho, e a universidade tem papel importante nisso, claro, com o amparo de políticas públicas que estamos construindo com esse fórum”, avaliou o parlamentar.
Outros representantes do setor acadêmico e lideranças regionais participaram da mesa de abertura da etapa regional, entre eles o reitor da UFV, Demétrius Silva.
Ele lembrou que a discussão de novas formas de fomento à ciência são bem-vindas após a penúria do subfinanciamento dos últimos anos, o que, segundo ele, ainda gera sequelas nas atividades de todas as instituições federais de ensino superior no Brasil.
Grupos de trabalho e consulta pública
Ao todo, serão sete encontros regionais. Também será realizada uma consulta pública para que todos os cidadãos interessados apresentem sugestões para o Plano Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Ao longo da tarde desta sexta (30), os participantes da etapa regional da Zona da Mata se reuniram em dois grupos de trabalho para discussão do documento com as propostas formuladas pela comissão organizadora do evento.
Nessa fase, além da aprovação e priorização de novas propostas, também foram eleitos os representantes regionais para a etapa final, que ainda será realizada.
O primeiro grupo discutiu os subeixos 1 (estrutura da política de ciência, tecnologia e inovação) e 4 (cidades inteligentes, sustentáveis e criativas), enquanto o segundo tratou dos subeixos 2 (desenvolvimento social e qualidade de vida) e 3 (natureza e sociedade).
No grupo 1 foram aprovadas 11 novas propostas de âmbito regional e estadual. É o caso, por exemplo, de estimular a adoção de processos simplificados de avaliação e monitoramento da produção da ciência, tecnologia e inovação com vistas à flexibilidade no seu desenvolvimento.
Outras são apoiar a atração de empresas âncoras para os parques tecnológicos mineiros que impactem o seu povoamento e, ainda, fomentar a criação e adoção de novas tecnologias para monitoramento, tratamento e gestão de resíduos sólidos, principalmente em pequenas e médias cidades.
Já no grupo 2 foram aprovadas 19 novas propostas regionais e estaduais. Bastante diversas, entre elas estão, por exemplo, a elaboração de políticas linguísticas para acolher e prover o ensino da língua portuguesa, como língua adicional, para crianças e jovens migrantes internacionais.
Também foi sugerida a criação de programa e projetos que apoiem a educação do campo, a educação indígena e a educação quilombola que promovam a inserção dos profissionais licenciados na área, na educação básica e superior, bem como a promoção da formação continuada de profissionais e educação intercultural no âmbito da Zona da Mata Mineira.
Outras medidas propostas foram, por exemplo, a universalização do uso de câmeras corporais por agentes de segurança pública e a promoção da educação financeira em todos os níveis de ensino.