Importância do acarajé no candomblé é reforçada em reunião
Audiência destaca relevância do alimento considerado bem imaterial do Brasil; na mesma reunião, terreiros foram homenageados pela Comissão de Cultura.
04/09/2024 - 19:39A importância socioeconômica e cultural do acarajé, especialmente no aspecto religioso, foi enfatizada em reunião da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na quarta-feira (4/9/24). Solicitada pela deputada Macaé Evaristo (PT), a audiência pública destacou a relevância desse alimento ancestral como modo de preservação das tradições da cultura de matriz africana no Estado.
Participaram do evento lideranças do povo negro, ligadas principalmente a terreiros de candomblé da Capital e da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Todas elas receberam de Macaé Evaristo um diploma com voto de congratulações pelo trabalho em prol da valorização e da preservação das tradições da cultura de matriz africana no Estado.
Na opinião da chefe de Cozinha e proprietária do Kitutu Gastronomia Afro-Brasileira, Kelma Zenaide da Silva, o acarajé é importante não só pelo incentivo ao empreendedorismo, mas também pelo aspecto religioso. “É necessário termos atenção para a forma como o acarajé tem sido feito em Minas, pois não encontramos muito o alimento frito no azeite de dendê”, alertou.
Remanescente de quilombo em Santa Luzia (RMBH), ela lembrou que, em 2005, o acarajé foi tombado no País como bem imaterial e, por isso, é necessário que se mantenham as tradições no modo de fazer o produto. “Não podemos deixar que o acarajé se transforme em Minas no bolinho de feijão, que é feito no óleo de soja; a tecnologia ancestral usada pelas mulheres pretas não pode ser apagada”, realçou.
Produto tem simbologia única
Kely de Oliveira, coordenadora da União das Ekedes (Undeke) e do Bloco Afro Magia Negra, falou da simbologia envolvendo o acarajé. “Falo de sabores e saberes e de todos os orixás envolvidos com o acarajé; no terreiro, quando pedimos esse bolinho em nome de alguma energia, desejamos caminhos abertos, boa vida, boa saúde, bons resultados”, explicou.
Ekede é um cargo feminino no candomblé, ocupado por mulheres que têm a função de cuidar e que não incorporam os orixás, mas são por estes escolhidas.
Também proprietária da Tendinha do Acarajé Minas Jé, ela completou que “da porta para fora (do terreiro)”, o acarajé traz dignidade às famílias. “A pessoa está desempregada, vai para a rua vender seu acarajé”, concluiu ela, pedindo apoio das autoridades para a tarefa de valorizar a iguaria.
Já Igor Ferreira Novaes, coordenador do Centro Espírita Nossa Senhora das Graças - Casa do Pai Mateus, destacou que o acarajé, além de guardar técnicas oriundas do conhecimento ancestral, era um símbolo de amor na família dele: “Eu via minha mãe fazer acarajé quando estava triste, precisando de dinheiro, mas também quando estava feliz”.
Nesse sentido, ele avaliou que o alimento deve ser valorizado e protegido, propiciando ao negro a ligação sentimental, que torna esse povo grande e forte. “Essa religação que acontecia lá em casa através do acarajé tem que continuar”, propôs ele, concluindo que essa apropriação fortalecerá a luta antirracista no Brasil.
Projeto de proteção ao acarajé
Macaé Evaristo informou que seu mandato foi provocado por alguns dos participantes para, não só promover a reunião, mas também construir um processo de proteção ao acarajé, via legislação. “Ele está incorporado à cultura do brasileiro, é uma comida de rua do Brasil e é uma comida de orixás nos terreiros de candomblé”, resumiu.
A parlamentar disse ainda que o acarajé está ligado a uma forma de resistência do povo negro. “Na luta pela abolição da escravatura, ele foi a forma de sobrevivência de muitas mulheres, que conseguiram sua alforria vendendo o alimento; é fruto de uma tradição, construída junto com a luta e a resistência, e que sobreviveu dentro das nossas casas”, concluiu.
Para a Yalorixá (mãe de santo) Andrea Rodrigues Barroso, ao se falar de acarajé deve-se pensar nas mulheres e na maternidade. Lembrou da história na língua africana iorubá, em que Iansã entregou acarajé ao marido, Xangô, o que permitiu que ele soltasse fogo pela boca. Isso foi eternizado no nome acarajé: akará quer dizer “bola de fogo” e jé significa “comer”; juntos, formam a expressão “comer bola de fogo”, relacionada à história dos dois orixás.
Mameto Kitaloyá, nome artístico de Maria de Fátima Nogueira, liderança do terreiro Nzo Atim Kitalodé, em Belo Horizonte, pediu apoio da ALMG para “regar a sementinha do acarajé” e manter essa tradição. Ela destacou a engenhosidade dos antepassados que vieram da África para conseguir trazer o alimento para o Brasil, afirmando que as mulheres escondiam no cabelo ingredientes da iguaria, como o feijão-fradinho.
Por fim, Fabiana Matias Pinto, a Yalorixá Fabiana, agradeceu à Comissão de Cultura pela iniciativa. “o acarajé é fundamental para o candomblé; sem esse alimento, a identidade do culto fica vulnerável”, declarou ela, pedindo a união de todos para “não deixar essa semente morrer”.
Ingredientes
O acarajé é preparado com bolinho de feijão-fradinho, temperado com cebola e sal, frito em azeite de dendê e depois recheado com vatapá, vinagrete e camarão seco. Ao ser servido, geralmente é acompanhado de pimenta.