Governo Federal vai lançar nova versão da Rede Cegonha
Participantes de audiência destacam importância de estratégias para assegurar atendimento mais humanizado para mulheres e bebês na gestação, durante e após parto.
09/04/2024 - 20:26 - Atualizado em 10/04/2024 - 11:05O governo federal deverá lançar, nas próximas semanas, nova versão do projeto Rede Cegonha, criado em 2011 e descontinuado em 2022, sendo substituído pela Rede de Atenção Materno Infantil (RAMI). O anúncio foi feito pela superintendente Estadual do Ministério da Saúde (MS) em Minas Gerais (SEMS/MG), Maflávia Aparecida Luiz Ferreira, nesta terça-feira (9/4/24), durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O objetivo, de acordo com a técnica do MS é ampliar o atendimento e o cuidado para mulheres gestantes, bebês, puérperas e crianças de até 2 anos, desde o pré-natal. A rede propõe atendimento humanizado durante a gravidez, no parto e no puerpério (pós-parto) e o acompanhamento do desenvolvimento da criança.
A audiência pública teve por finalidade debater a violência obstétrica e a importância do desenvolvimento de técnicas humanizadas de atendimento às mães e aos bebês. Maflávia Ferreira lembrou a inexistência de legislação sobre essa violência específica no Brasil, mas, segundo ela, há normas sobre práticas que possam evitar os abusos sofridos pelas mulheres, que precisam ser aplicadas.
Maflávia Ferreira advertiu para a necessidade de ampliar o atendimento às gestantes, como ferramenta de também reduzir os índices de mortalidade materna. Segundo ela, dados do Ministério da Saúde apontam que em 2022 foi baixo o índice de mulheres que fizeram ao menos seis consultas pré-natais: 35% no primeiro quadrimestre; 37% no segundo e 38% no último. No primeiro quadrimestre de 2023, com a ampliação de ações de saúde da família e de atenção primária, a média subiu para 46%.
Como reforçado pelos participantes da audiência, a violência obstétrica se configura por ações desrespeitosas, humilhantes e de desconsideração da vontade da mulher durante a gestação, o parto ou o pós-parto como, por exemplo, toques e exames desnecessários, uso de medicamentos como a ocitocina para acelerar o nascimento ou a utilização da cirurgia quando não indicada. A separação da mãe e do bebê logo após o parto ou a negação de acompanhante para a gestante são outras práticas combatidas durante a reunião.
Desinformação da mulher contribuiria para a violência
Muitas mulheres não sabem que foram vítimas de violência obstétrica, como observa a diretora executiva do Hospital Sofia Feldman, Tatiana Coelho Lopes. A instituição filantrópica, que faz atendimento apenas pelo SUS, é referência em partos humanizados. Segundo ela, muitas práticas sem embasamento científico ainda são usadas por profissionais de saúde como, por exemplo, a episiotomia, que é um corte realizado entre a vagina e o ânus, para facilitar a saída do bebê.
A escolha pela cesariana sem critério também foi duramente criticada. A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) lembrou que a Organização Mundial de Saúde indica a cirurgia para cerca de 15% dos partos. Em Minas Gerais, em 2022, de acordo com a deputada, 58,3% dos partos foram por cesáreas.
Segundo a coordenadora do Projeto Sentidos do Nascer, a médica pediátrica Sônia Lansky, a violência obstétrica é um problema de saúde pública, que provoca o adoecimento físico e mental das vítimas. Ela sugere que a prática passe a ser obrigatoriamente notificada, como acontece com outros tipos de violência contra a mulher. Na opinião da especialista, é preciso alterar o atual modelo praticado, o qual beneficia as práticas abusivas.
Dentre as mudanças propostas por ela, o parto deveria ser acompanhado por enfermeiros obstétricos, como já ocorre em muitos países, acionando o médico apenas em casos de alterações ao processo natural. Ela também defende que a gestante escolha por quem e quantos acompanhantes deseja, incluindo até animais domésticos, se for o caso. A médica exalta o acompanhamento por doulas, que podem evitar as práticas abusivas, além de oferecer suporte afetivo e emocional à mulher.
Hospital sofre com falta de recursos
Durante a audiência pública, a deputada Bella Gonçalves (Psol) reclamou da precarização e do desfinanciamento do Hospital Sofia Feldman imposto pelo governo Estadual. Ana Paula Siqueira complementou que a instituição não recebe repasses da ordem de R$ 1 milhão do Executivo há seis meses. A diretora executiva, Tatiana Lopes, disse que, pela ausência dos recursos, o hospital só tem dinheiro garantido para pagar os salários dos trabalhadores até o mês que vem.
O Sofia Feldman tem 1.356 trabalhadores, 85% dos quais mulheres. Oferece 290 leitos, sendo 110 para recém-nascidos de alto risco. Dos partos realizados, 93% são normais assistidos por enfermeiras obstétricas e 39,8% dos atendimentos em gestação de alto risco.
Sobre a suspensão dos recursos, a diretora de Gestão da Integridade do Cuidado da Secretaria de Estado de Saúde, Lirica Salluz Mattos Pereira, explicou que a verba repassada pelo Executivo no ano passado foi um recurso extra que não tinha previsão de continuidade. Segundo ela, a secretaria já solicitou ao Ministério da Saúde o repasse de verbas para a instituição.
Ela relatou algumas ações do Estado com vistas a reduzir a violência obstétrica em Minas e reduzir os índices de mortalidade materna. Dentre as medidas, exaltou o Projeto Aurora, que realiza aconselhamento reprodutivo para as mulheres, assistência pré-natal e qualificação a profissionais de atenção primária.
Também citou o programa Valora Minas, que destina recursos a 142 instituições de atendimento a gestantes, como centros de parto normal, casas de acolhimentos e bancos de leite.