Gandarela é reserva natural de água e não pode ser alvo de mineração, dizem especialistas
Parque Nacional faz dez anos e tem riqueza ambiental destacada, sustentando mananciais para abastecer 70% da Capital e seu entorno.
08/07/2024 - 17:46Ambientalistas e pesquisadores ressaltaram, na segunda-feira (8/7/24), que o Parque Nacional da Serra do Gandarela precisa ser defendido de interesses minerários por ser fonte de água pura, ter uma reserva hídrica subterrânea valiosa e um ecossistema em ambiente ferruginoso com características únicas no mundo.
Criado por decreto federal há dez anos, o parque está localizado entre os Municípios de Nova Lima e Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e foi tema de audiência pública realizada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido da deputada Bella Gonçalves (Psol).
Entre as características importantes e singularidades do parque destacadas por vários convidados, está a presença das chamadas cangas do Gandarela, formações raras de ecossistemas vegetais associados a rochas ferruginosas. Elas são indicativos da presença de minério de ferro e, por isso, os locais onde ocorrem são de interesse da mineração.
Foi destacada, ainda, que a criação do parque veio justamente para preservar a área, mas o plano de manejo da unidade ainda não teria sido concluído e publicado nesses dez anos.
O parque também não conta com portaria, demanda mais servidores e não foi objeto de regularização fundiária, com praticamente 100% das propriedades nas mãos de particulares, conforme apontado pelo chefe do parque, André Andrade.
Fartas na Serra do Gandarela, as águas subterrâneas funcionam como reserva técnica de água. Quando essa reserva é afetada, as nascentes dos rios ficam prejudicadas, explicou o geólogo. Ele registrou que um dos grandes desafios para a compreensão dessa importância hídrica é que as águas subterrâneas são invisíveis.
"De tudo o que nós seres humanos vemos de água na superfície, o que há embaixo é 40 vezes maior", disse ele, ainda frisando que o Gandarela contribui também com a recarga da bacia do Rio Paraopeba, sendo importante para melhorar a qualidade da água do rio, contaminado pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho (RMBH).
Outra singularidade do Gandarela, acrescentou, é que a chuva não dissolve as rochas minerais que caracterizam a serra, fazendo com que a água aí armazenada permaneça com sua composição original e seja de grande qualidade.
Ambiente com características únicas no mundo
Flávio Fonseca do Carmo, da Comissão de Meio Ambiente e Biodiversidade do Conselho Regional de Biologia, acrescentou que o ecossistema ferruginoso de Minas ocupa somente 0,3% do território mineiro, mas que aí estão concentrados 14% das cavernas e quase 30% de todas as espécies de plantas existentes no Estado, além de 78% da água do Quadrilátero Ferrífero.
Segundo registrou, a canga presente no Gandarela tem características únicas no mundo em antiguidade e altura, com exemplares ocorrendo acima de 1,5 mil metros de altitude e há mais de 65 milhões de anos, formados quando sequer havia ainda a Floresta Amazônica.
Frederico Martins, coordenador regional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), também ressaltou que singularidades como essas mostram a importância de o parque ter sido criado, estabelecendo seu limite como área livre de mineração.
O representante do ICMBio alertou, porém, que a falta de um plano de manejo publicado prejudica a definição mais clara da área de amortecimento do parque.
A despeito dessa publicação para maior clareza, o diretor do Instituto Guaicuy e coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, considerou que já há uma área de amortecimento que deve ser respeitada. "Ela é para ser obedecida, e nós da sociedade vamos lutar por isso".
Zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas.
Mais recursos e mobilização são defendidos
Doutora em ecologia, conservação e manejo da vida silvestre pela UFMG, Gisela Herrmann ressaltou a riqueza natural da flora do parque, localizada entre o cerrado e a Mata Atlântica.
Segundo ela, o Brasil tem um sistema nacional de unidades de conservação que gera recursos para criação de novas áreas e melhorias nas existentes. "Quero ver recursos direcionados para o Gandarela, porque eles existem", cobrou ela.
A deputada Bella Gonçalves ressaltou que as falas dos convidados mostraram que não faltam à sociedade civil dados suficientes para que o Estado seja cobrado a não conceder autorizações minerárias no entorno do parque e cuide de não afetar seu potencial de recarga hídrica.
Ela foi endossada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), que criticou a gestão de Romeu Zema, por, segundo ela, ser um governo que tem aliança estratégica com a mineração e que estaria se valendo da contratação de consultorias privadas para fazer pareceres ambientais que caberiam a servidores efetivos dos órgãos estaduais.
As deputadas também defenderam uma mobilização social maior e crescente em defesa do Gandarela e contra iniciativas como a do Projeto Apolo, pelo qual a Vale quer minerar às margens do parque, entre as cidades de Caeté e Santa Bárbara.