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Falta de capacitação é entrave para diagnóstico precoce de linfedema

Especialistas e pacientes alertam que identificação da doença precisa de maior conscientização de profissionais da saúde em todos os níveis de atendimento.

05/07/2023 - 16:40
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Fernanda Nunes Silva, estudante de Direito, é mãe de duas crianças. A caçula, hoje com 6 anos de idade, nasceu já com linfedema, com os dois pezinhos inchados. Mas o diagnóstico só veio três anos após o parto, depois de idas e vindas a médicos e pesquisas que ela mesma fez no Google.

"Anos depois eu descobri que tenho linfedema e uma sobrinha de dois anos também", relatou ela em audiência da Comissão de Saúde que discutiu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) as dificuldades enfrentadas por pacientes como ela.

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O linfedema é uma doença crônica, que atinge o sistema linfático, gerando acúmulo de líquidos no organismo e inchaço em um ou em ambos os braços ou pernas. Conforme a evolução, pode ser incapacitante, gerando dores e deformidades nas regiões afetadas (daí ser conhecida popularmente como elefantíase).

Conforme alertaram especialistas e pacientes ouvidos na audiência, embora não tenha cura, o linfedema tem tratamento, mas o diagnóstico precoce da doença, para evitar complicações graves para a mobilidade do paciente, ainda esbarra na falta de conscientização e de capacitação dos profissionais de saúde.

Hoje diretora da Associação Brasileira de Pessoas com Linfedema e Familiares (Abralinfe), Fernanda Nunes Silva frisou que lidar com o linfedema não é uma tarefa só dos médicos, mas de terapeutas, fisioterapeutas, psicólogos e outros, dependendo dos casos e da evolução.

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Negligência e desorganização no fluxo de tratamento 

O médico Anderson Gariglio, vice-presidente da Associação Brasileira de Flebologia e Linfologia, também disse que as pessoas com linfedema são vítimas de uma negligência sistêmica que começa na esfera federal

Segundo ele, até mesmo a erisipela (processo infeccioso da pele), complicação do linfedema, tem sido tratada de forma inadequada na rede de atenção primária à saúde. 

Na avaliação do especialista, a maior falha no trato do linfedema está justamente na educação dos profissionais de saúde para o diagnóstico.

Levantamento feito por ele no Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, mostrou que um paciente com linfedema demora em média 2,7 anos para receber o diagnóstico, com casos de espera de até 30 anos. Além da demora, nenhum desses pacientes chegou até ele tendo passado por algum tratamento adequado.

"E quanto maior o tempo para começar o tratamento, pior será o resultado", advertiu Anderson Gariglio.

Apesar do desconhecimento por parte dos profissionais de saúde, ele frisou que 90% dos códigos para tratamentos da doença existem no sistema do SUS, ainda que seja preciso criar novos, como o de drenagem não estética.

"São procedimentos que existem mas estão desorganizados no sistema, é preciso organizar o fluxo", defendeu.

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Interesse sobre a doença

O angiologista e cirurgião vascular Fernando Figueiredo também abordou o desconhecimento como um dos entraves para uma boa evolução dos pacientes.

"Muitas vezes os médicos não têm interesse em conhecer mais sobre a doença", disse o angiologista. Ele realçou a necessidade de pediatras fazerem o dignóstico do linfedema primário congênito, tendo a médica Eneida de Melo Couto acrescentado que hoje a ultrassonografia já permite o diagnóstico intraútero nas gestantes.

Roberta Vieira, também ciurgiã vascular, atua na rede privada e atestou que mesmo no serviço particular as dificuldades para o diagnóstico são as mesmas do sistema público. A diferença está no acesso ao tratamento, daqueles que podem arcar com os custos, comparou ela.

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Câncer aumenta incidência

Fisioterapeuta oncológica e pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Anke Bergman alertou que a evolução do linfedema pode causar problemas psicológicos, infecções, internações e amputações que poderiam ser evitados.

Ela expôs que 69% das mulheres com câncer de colo de útero a cada ano e 42% das mulhares com câncer de mama acabam desenvolvendo linfedema. Isso significa que quase 43 mil mulheres por ano em média são afetadas pelo linfedema, considerando as duas situações.

A fisioterapeuta oncológica Camila Gonçalves é um exemplo. Depois de se curar de um câncer de mama, ela recebeu o diagnóstico de linfedema.

"Agora estou com uma deficiência crônica e progressiva, que me impulsionou a aprofundar nesse conhecimento", testemunhou ela, frisando que o tratamento do linfedema demanda equipe multidisciplinar.

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Projetos querem mudar cenário

O deputado Betão (PT), que pediu a audiência, relatou que em 2022 essa demanda por atenção às pessoas com linfedema chegou ao seu gabinete, motivando estudos e escutas de pacientes para subsidiar a apresentação de dois projetos de lei (Pls) de sua autoria.

São eles os PLs 3.441/22 e 3.440/22, ambos tramitando na ALMG. As duas iniciativas foram aplaudidas por todos os convidados da audiência.

O primeiro é para que as pessoas com linfedema sejam consideradas como pessoas com deficiência, assim fazendo jus a uma série de direitos e benefícios. O segundo trata da criação de um programa estadual de diagnóstico e tratamento do linfedema e aguarda parecer da Comissão de Saúde.

Endossando a importância da discussão, o presidente da comissão, deputado Arlen Santiago (Avante), disse que no Norte de Minas vêm aumentando os casos de amputações por diabetes e de linfedemas.

Vice-presidente da comissão, o deputado Doutor Wilson Batista (PSD) também abordou a situação de pacientes em tratamentos oncológicos, que segundo ele vivem na iminência do linfedema piorar. Ele ainda pontuou que muitos pacientes enfrentam dificuldades em perícias médicas para o reconhecimento de limitações para o trabalho que o linfedema pode causar. 

Já o deputado Lucas Lasmar (Rede) sugeriu que a Secretaria de Estado de Saúde (SES) faça um mapeamento dos casos de linfedema, bem como promova ações para divulgação da doença entre profissonais da saúde.

Fibromialgia

Na reunião, a comissão ainda deu parecer favorável de 1° turno favoravel à aprovação do PL 3.167/21, do deputado Professor Cleiton (PSB), na forma do texto que foi sugerido pela comissão anterior, a de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (substitutivo n° 2). 

O projeto original reconhece as pessoas com fibromialgia como sendo pessoas com deficiência no âmbito do Estado. 

Já o texto acatado pelo relator, deputado Arlen Santiago, assegura ao indivíduo com fibromialgia que se enquadre no conceito definido na Lei 13.465, de 2000, nos direitos e benefícios previstos na Constituição do Estado e na legislação estadual.

Comissão de Saúde - debate sobre o linfedema
Comissão de Saúde - debate sobre o linfedema
"O foco não deve ser na doença e sim nas barreiras que enfrentamos para o diagnóstico e para a participação plena na sociedade."
Fernanda Nunes Silva
Diretora da Abralinfe
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Mais conhecida como elefantíase, o linfedema é uma doença rara ainda subnotificada, que causa sérios prejuízos para os pacientes TV Assembleia

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