Entraves do SUS Fácil tornam mais difícil a vida de pacientes em MG
Problemas como impossibilidade de anexar exames e lentidão na resposta de médicos reguladores foram denunciados nesta quinta (4) em audiência da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia.
04/04/2024 - 19:43Ao contrário do que sugere o nome, às vezes é muito difícil conseguir transferência de pacientes por meio do sistema SUS Fácil. Horas de espera, que podem chegar a dias, deficiência nas informações disponibilizadas e falta de transparência nos procedimentos podem agravar a situação ou mesmo custar a vida de pacientes à espera por um leito hospitalar em todo o Estado.
O Executivo acena com uma nova ferramenta para solucionar o problema, mas sem prazo para ser lançada. Mas os participantes da audiência pública realizada na tarde desta quinta-feira (4/4/24), pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), cobraram ajustes imediatos no SUS Fácil e em alguns pontos da rotina de regulação de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais. A reunião foi solicitada pelo deputado Lucas Lasmar (Rede).
O SUS Fácil é um software desenvolvido pela Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais (Prodemge) para agilizar o atendimento hospitalar público no Estado, abrangendo serviços ambulatoriais de média e alta complexidade, bem como urgência, emergência e procedimentos eletivos credenciados ao SUS.
A troca rápida de informações entre as unidades da rede do SUS, 24 horas, sete dias por semana, é necessária para a regulação assistencial adequada, com pacientes tendo acesso a leitos e procedimentos onde quer que estejam disponíveis.
Os chamados médicos reguladores, que agora trabalham remotamente, desempenham um papel crucial nessa engrenagem ao avaliar a gravidade dos casos e encaminhá-los para o atendimento rápido e adequado. No ano passado, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES), foram mais de um milhão de solicitações no sistema. Na pandemia de Covid-19, o sistema e seus operadores passaram a ser mais exigidos.
O programa integra 13 centrais de regulação regionais, quatro centrais municipais (Belo Horizonte, Uberlândia, Uberaba e Juiz de Fora), as 853 secretarias municipais de saúde e 1.470 estabelecimentos de saúde. Atualmente conta com 114,5 mil usuários ativos.
“Mas, na prática, o SUS Fácil é muito ruim. É um sistema com problemas sistêmicos”, aponta Lucas Lasmar. Em uma apresentação, o parlamentar relatou os principais problemas e questionou os representantes da SES e da Prodemge o porquê deles ainda não terem sido solucionados, apesar de já terem sido relatados em outras oportunidades na ALMG e em contatos com o Executivo.
Conforme relatado na audiência, um dos mais graves é a impossibilidade de anexar imagens no sistema, como laudos e fotografias. Isso leva, por exemplo, a questionamentos desnecessários via o chat do SUS Fácil, repetição de exames, telefonemas de madrugada e troca de documentos em aplicativos de mensagens entre os profissionais de saúde, em meio à corrida contra o tempo por uma transferência que pode salvar a vida dos pacientes mais graves.
O parlamentar lembrou que, inclusive, apresentou projetos de lei (PL) para tentar corrigir algumas falhas mais graves, como o PL 1.368/23 (modernização do sistema), o 1.709/23 (fila de espera) e o 1.797/23 (reconhecimento facial dos médicos reguladores em teletrabalho), que tramitam no ALMG.
Doutor Jean Freire (PT) também disse já ter enfrentado diversas dificuldades na transferência de pacientes em sua atuação como médico, sobretudo no contato com os colegas reguladores.
“Falta humanização na regulação. No desespero de tentar salvar um paciente, liguei, e o profissional disse que só conversava comigo pelo chat. Mesmo assim, o SUS é um sistema fantástico, o mais importante é saber exatamente o que não está funcionando”, pontuou.
Mesmo com acesso ao sistema, MP não consegue informações
A promotora Josely Ramos Pontes, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, reforçou as críticas ao funcionamento do SUS Fácil. Com o objetivo justamente de fiscalizar seu funcionamento, o Ministério Público (MP) é um dos entes com acesso ao sistema.
Mas ela reclama, por exemplo, da impossibilidade de extrair relatórios para auditar as decisões já tomadas por meio dele, como o histórico de andamento da fila para exames e cirurgias. Uma dos gargalos mais graves, segundo a promotora, seria a cirurgia ortopédica, na qual a espera pode chegar a vários anos.
Segundo a promotora, alguns médicos reguladores têm ficado responsáveis por até 1.200 pacientes e até de duas centrais regionais diferentes, sem contar que alguns municípios estariam se negando a participar da regulação via SUS Fácil.
“É comum o paciente esperar 48 horas para ser transferido e o leito ficar parado em BH. Assim, o caso eletivo acaba virando uma urgência pelo tempo de espera”, lamenta a promotora.
Ela disse estranhar que os dados do sistema não sejam utilizados na formulação de políticas públicas pelo Estado, citando, como exemplo, o grande número de queimaduras de causas duvidosas em crianças e adolescentes e de tentativas de suicídios.
Nova ferramenta estaria sendo elaborada
Diante deste cenário relatado na audiência, a solução pode ser a substituição do SUS Fácil por uma nova ferramenta, que já está nos planos do Executivo por meio do projeto estratégico “Regulação 4.0”, conforme revelou, em sua apresentação, a diretora de Regulação do Acesso de Urgência e Emergência da SEE, Amélia Augusta da Silva.
Segundo ela, embora ainda não tenha sido definido um prazo para sua implantação, a nova ferramenta deve ampliar, padronizar e organizar melhor as informações dos pacientes, inclusive com o upload de imagens, permitindo uma tomada mais rápida de decisões, até mesmo de forma automatizada, com o auxílio de inteligência artificial.
Em dezembro deve entrar em funcionamento uma nova estratégia para o desenvolvimento de painéis de monitoramento dos indicadores da demanda a partir dos dados do SUS Fácil. Embora reconheça dificuldades pontuais do sistema atual, ela lembrou que já existem dezenas de protocolos para orientar as decisões conforme critérios objetivos, com 78 tipos de relatórios podendo ser gerados atualmente com os dados disponíveis.
Sobre o trabalho remoto dos médicos reguladores, ela justificou que o Executivo, por meio das áreas responsáveis, têm fiscalizado isso atualmente pelo horário de login no sistema. Mesmo assim, pediu que denúncias sejam encaminhadas à Secretaria de Estado de Governo para as providências cabíveis.
Por fim, o diretor-presidente da Prodemge, Roberto Tostes Reis, alegou que a empresa já implementou cerca de 600 sistemas no Estado, mas não tem autonomia para promover qualquer atualização no SUS Fácil, que é gerido pela área da saúde.
Segundo ele, no entanto, as sugestões de aprimoramentos feitas na audiência são “facilmente implementáveis”, desde que a SES considere isso realmente prioritário. E, segundo ele, até o momento, isso ainda não foi feito.
“Se o problema é conseguir subir imagem ou vídeo, temos diversas ferramentas disponíveis para isso. Mas, uma vez que um novo sistema será criado, será que isso é mesmo prioridade agora?”, avaliou. Ele lembrou que o SUS Fácil, desenvolvido a partir do código-fonte um sistema cedido pelo Governo do Ceará, realmente está ultrapassado para os padrões atuais.