Educar os homens é estratégia essencial no combate à violência doméstica
Especialistas defendem a ampliação dos grupos de reflexão e responsabilização, além de ações preventivas para o público masculino.
21/05/2024 - 18:49Sem a participação dos homens, será impossível eliminar a violência contra as mulheres. Essa foi a constatação geral de especialistas que participaram, nesta terça-feira (21/5/24), de audiência sobre as ações nessa área direcionadas ao público masculino. Eles também defenderam um trabalho preventivo que rediscuta a masculinidade e possa evitar a violência.
A reunião foi realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a requerimento de sua presidenta, deputada Ana Paula Siqueira (Rede). “Está na hora de pararmos de enxugar gelo”, desabafou a parlamentar, citando os anos de discussões sobre a violência e o trabalho à frente da comissão.
A deputada lembrou o hábito de se falar com as mulheres, as vítimas, mas reforçou a necessidade de se combater nossa herança machista. Nesse sentido, citou legislação de sua autoria que leva para as escolas noções básicas da Lei Maria da Penha. “Eu quero esclarecer as meninas, mas também falar com os meninos, suscetíveis a repetir comportamentos dos pais ou avós”, frisou.
Um dos focos da audiência foram os grupos reflexivos e responsabilizantes, uma prática desenvolvida por organizações da sociedade civil e também pelo poder público e, às vezes, imposta aos agressores pelo Judiciário, como medida alternativa. Essa imposição está prevista na Lei Maria da Penha.
No Executivo, a Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa) recebe essa demanda desde 2016. A coordenadora de Políticas Penais de Prevenção Social à Criminalidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Fabiana Dias da Silva, frisou que o trabalho busca desnaturalizar a violência.
“O homem já chega encaminhado pela Justiça e dizendo que não é violento. Mas ele consegue identificar a violência na narrativa do colega. Quando ele se percebe violento, conta sua história de vida, em geral marcada pela violência”, destacou. Na Ceapa, 78% dos ingressos finalizam o curso. Mas Fabiana reconhece que a presença em apenas 20 municípios mineiros é pequena.
“Precisamos trabalhar nessa expansão e sensibilizar também o Judiciário para fazer os encaminhamentos. Também precisamos de grupos para homens voluntários, que queiram permanecer nessa trajetória”, defendeu. A baixa adesão a esse tipo de grupo, porém, foi citada como dificultador.
Polícia Civil tem "Programa Dialogar"
A delegada Amanda Machado Pires, coordenadora de iniciativa semelhante na Polícia Civil – o Programa Dialogar –, citou estudo feito em 2019 que comprovaria a eficácia do trabalho. Conforme revelou o levantamento, 42% dos que não concluíram a formação tiveram recorrência em 12 meses. Já entre os homens que finalizaram o Dialogar, a recorrência foi de 17%.
Em 2022, segundo ela, com nova metodologia de trabalho, a recorrência desse segundo grupo baixou para 13%. Amanda, assim como vários outros participantes, destacou que muitas mulheres querem romper o ciclo de violência mais do que ver o companheiro preso. Nesse sentido, elas demandam alguém para conversar com esse homem e propor um tratamento.
Número de iniciativas cresce, mas é insuficiente
Dados apresentados na audiência indicam o crescimento dos grupos reflexivos e responsabilizantes no País. Atualmente, são 498 iniciativas, com retorno de apenas 4,18% dos participantes ao sistema prisional, conforme indicou o juiz Marcelo Gonçalves de Paula, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da comarca de Belo Horizonte. Cursos de formação para facilitadores desses grupos também estão sendo oferecidos pelo Tribunal de Justiça.
A professora Cláudia Natividade, que atua na Casa Lílian, do Ministério Público, citou experiência de grupo realizada em Diamantina (Central), no sistema prisional. “Um dos caminhos possível para a solução do problema, além da formação continuada, é a implantação de centros de referência para homens, como política de direitos humanos”, sugeriu.
Risco de descontinuidade
O diretor-geral do Instituto Casa da Palavra, Yan Ballesteros, lembrou o risco de descontinuidade desses “movimentos esparsos” de atendimento aos homens e propôs que um grupo de trabalho trate dessas ações, de forma a fomentar as iniciativas existentes. “Mesmo sendo um trabalho com os autores de violência, está no escopo da proteção às mulheres”, enfatizou.
A Casa da Palavra tem grupos reflexivos, em parceria com instituições públicas e privadas. Yan cita a Lei 24.660, de 2024, que passou a prever ações voltadas para os homens na política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado. Segundo ele, não se trata mais de um viés apenas punitivista, mas de um novo aprendizado sobre a virilidade e masculinidade.
“Esses homens nunca tiveram a oportunidade de entenderem a si mesmos. Nunca puderam expressar sentimentos e emoções sem ser reprimidos”, acrescentou Sérgio Barbosa, coordenador de grupos reflexivos do Ministério Público de São Paulo. Para ele, essa iniciativa é mais profunda e vai além de qualquer outra por atacar a causa do problema.
Vários participantes enfatizaram a necessidade de se trabalhar a prevenção, justamente para que os homens entendam as formas de violência, que vão além da violência física. A psicóloga Ana Juliana Viana também chamou a atenção para os inúmeros grupos em redes sociais que pregam a masculinidade no sentido de objetificação da mulher, reforçando a violência.