Denúncia de assédios teria resultado em punições contra policial penal
Caso foi discutido em audiência pública e diretor de presídio nega sanções. Convidados falaram da importância do combate ao assédio na administração pública.
05/12/2024 - 12:45O coordenador geral do Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves (Região Central), foi transferido para outra unidade depois de acusações de assédio moral e sexual. A vítima, porém, afirma que continua sofrendo assédio de outros superiores e retaliações pela sua denúncia pública.
O caso da policial penal Pâmela Paixão de Lima foi discutido em audiência pública nesta quinta-feira (5/12/24). Durante a reunião, realizada pela Comissão de Defesa da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), outros casos foram lembrados. “Assédio no trabalho não é caso isolado, a comissão tem recebido muitas denúncias, em especial nas forças de segurança pública”, disse a deputada Ana Paula Siqueira (Rede).
Assédio incluiu mensagens e toques inadequados
A policial penal Pâmela Paixão de Lima contou sua história logo no início da audiência. Ela é brasiliense e se mudou para Minas Gerais ao ser aprovada e nomeada no concurso. Segundo a convidada, desde o início do trabalho, porém, ela tem sido assediada pelo ex-coordenador geral do estabelecimento penal em que trabalha.
Inicialmente, foram comentários maldosos e desrespeitosos nas redes sociais. Ela contou sentir medo de relatar a situação, mas logo o problema escalou. O agressor teria começado a puxá-la pelos braços, forçar abraços e beijos. Quando se encorajou para, de forma mais incisiva, afastar o seu gestor e verbalizar seu desconforto, ela teria começado a sofrer represálias.
A pior delas foi a sua troca de equipe. A mudança tornou-se um problema por dificultar trocas de turnos, sem as quais ela não consegue se organizar para ir a Brasília visitar os filhos que ainda estão lá. Além disso, a nova equipe abriga um colega que ela também acusa de assédio. Toda a situação foi, ainda de acordo com a convidada, relatada para os diretores geral e adjunto do presídio.
Os diretores, porém, teriam se recusado a resolver a situação. Pâmela afirmou que fez três pedidos formais de retorno à equipe original, nos quais relata o problema com o coordenador que deu origem à transferência. Teve, porém, os pedidos negados e, ao último pedido, o diretor geral da unidade disse que a adaptabilidade é examinada nas avaliações periódicas de desempenho.
A resposta foi entendida como uma ameaça e, sem saída, a policial penal Pâmela de Lima registrou a ocorrência na Polícia Civil, além de procurar o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen/MG), o sindicato dos policiais penais e a comissão da ALMG. Segundo ela, a pressão externa levou à transferência do coordenador geral acusado, mas ela ainda não conseguiu retornar à sua equipe original. Também não cessaram os assédios do colega de equipe.
Segundo o diretor, todas as medidas administrativas foram tomadas
O diretor-geral do Presídio Inspetor José Martinho Drumond, Daniel Costa Souza, participou da audiência pública e negou acusações de omissão e insensibilidade diante das denúncias que chegaram a ele. O gestor disse reiteradas vezes que agiu com “estrita legalidade” e indicou que é preciso “olhar os dois lados”: acolher a vítima, mas não fazer a condenação prévia dos acusados.
O diretor-geral reclamou da exposição dos envolvidos antes da devida apuração dos fatos. Ele informou, ainda, que há duas investigações preliminares em andamento, contra o ex-coordenador geral e contra o colega de equipe, ambos acusados por Pâmela de Lima de assédio.
Sobre o pedido da servidora de retornar à sua equipe original de trabalho, ele informou que a negativa seguiu critérios administrativos. Para ele, a alocação dos trabalhadores deve obedecer a vários critérios administrativos, e o pedido de Pâmela de Lima seria motivado apenas por necessidades pessoais.
Ele também afirmou que a policial disse, em reunião com ele, que não faria a denúncia formal de assédio se o pedido de transferência fosse aceito.
Departamento Penitenciário relata ações contra assédio
Representantes do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen/ MG) estiveram presentes na reunião e falaram tanto sobre o caso de Pâmela de Lima quanto das ações da pasta para prevenção e combate aos assédios moral e sexual. Responsável pela diretoria de saúde, Tonya Lara informou, para começar, que Pâmela de Lima já está sendo acolhida por psicólogos para ajudá-la com a situação.
Para completar, o superintendente de segurança do Depen, José Fábio Piazza Júnior, disse que pedirá prioridade para a corregedoria na apuração do caso. Afirmou também que pode recomendar a transferência da servidora para outra unidade prisional. Disse, porém, que há uma vedação em edital para a transferência de novos servidores, de forma que não pode garantir o atendimento da demanda.
O superintendente citou campanha contra assédio moral realizada este ano, na qual 280 gestores de estabelecimentos penais de todas as regiões receberam formações. Ainda, Vilma de Souza Leite, da comissão de conciliação para casos de assédio, falou dos protocolos de atendimento das vítimas.
Segurança Pública tem outras denúncias de assédio
Na avaliação da deputada Ana Paula Siqueira, as colocações do diretor geral do presídio onde trabalha Pâmela de Lima são um eco do que se precisa enfrentar nas instituições. “Colocar a vítima como alguém que estaria utilizando a denúncia para alcançar desejos pessoais é o que assistimos em muitas situações e resulta na penalização da vítima”, avaliou.
O fato fez com que os presentes se lembrassem de outros casos de assédio discutidos publicamente nos últimos anos. O advogado Matheus Oliveira Araújo apresentou alguns dados sobre a questão. Segundo ele, entre janeiro e agosto deste ano, a Controladoria Geral da União (CGU) recebeu 4.162 denúncias de assédio sexual e moral na administração pública federal.
A CGU, após anaálise dos casos em 2022, informou que 100% das acusações ocorreram contra homens, sendo mulheres 96,5% das vítimas.
Os casos comentados pelos presentes na audiência pública ocorreram, em especial, nas forças de segurança pública. A presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil (Aespol), Aline Risi dos Santos, exibiu vídeos de assédios filmados por vítimas na Polícia Civil. Entre eles, o caso de Rafaela Drumond, escrivã que denunciava assédio de superior e acabou se suicidando em 2023.
Outro caso citado foi o da policial Tatiane Albergaria. Os assédios reiterados, seguidos pela denúncia pública, teriam resultado em várias retaliações, materializados em 14 sindicâncias contra ela, que acabou aposentada compulsoriamente. Por outro lado, os acusados, em ambos os casos, não sofreram qualquer sanção. Uma das demandas apresentadas por Aline Risi é a criação de um subcorregedoria voltada apenas para apuração de casos de assédio.
Aline Risi também recomendou a aprovação do Projeto de Lei Complementar 46/ 2024, atualmente em tramitação na ALMG. De autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT), a matéria visa alterar a Lei Complementar 116, de 2011, que trata de assédio moral na administração pública. Entre as alterações, o texto busca conceituar como “assédio moral de segunda ordem” as represálias ou ameaças após denúncias públicas.
A deputada Ana Paula Siqueira, por sua vez, citou o Projeto de Lei (PL) 26/ 2023, já aprovado em 1º turno em Plenário. O texto, de autoria do deputado Professor Cleiton (PV) altera o Estatuto do Servidor para incluir entre as condutas vedadas a prática do assédio moral. Além disso, conforme a redação aprovada, poderá ser aplicada pena de demissão ao servidor que praticar atos que configurem assédio moral.
