Defensores dos direitos humanos defendem fortalecimento da democracia
Em debate sobre os 44 anos da Lei da Anistia, participantes demonstraram preocupação com crescimento do fascismo.
31/08/2023 - 20:38Quarenta e quatro anos após a promulgação da Lei 6.683, de 1979, a Lei da Anistia, o País ainda sofre com impactos do período da ditadura cívico-militar de 1964 e a democracia brasileira permanece demandando cuidado. Essa foi a principal preocupação compartilhada pelos participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quinta-feira (31/8/23).
A reunião teve por finalidade debater os desafios enfrentados durante a ditadura e fortalecer o compromisso com a promoção da justiça, liberdade e democracia, em sintonia com os eventos comemorativos da Semana da Anistia, cujo tema é "Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça".
Para a presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT), o regime militar impactou fortemente a questão racial no Brasil, com censura, vigilância, exílio, cassação, perseguição a negros e desarticulação do ativismo e de debates sobre o preconceito e a discriminação racial. A consequência foi o apagamento dos negros no processo do combate à ditadura e do fortalecimento da democracia.
A deputada reconheceu que a anistia cumpriu bem o papel de não criminalizar os que lutaram pela democracia, mas ressalvou que ainda há quem a ameace, inclusive em espaços institucionais.
A vitória do movimento pela anistia, consolidada com a lei, foi lembrada, mas também o uso da legislação para a impunidade de torturadores e agentes de violência durante o período foi amplamente criticado. Muitos lembraram que tortura é um crime inafiançável e imprescritível, mas que a Lei da Anistia foi ampliada para proteger os militares que praticaram o crime.
Impunidade fortaleceu o autoritarismo
O ressurgimento de movimentos extremistas de direita no Brasil, na opinião de todos que participaram da audiência pública, é reflexo da ditadura e da falta de punição pelos responsáveis dos crimes cometidos contra quem lutou pela redemocratização.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) fez alguns paralelos entre fatos ocorridos durante o regime militar e que se repetiram na história recente do Brasil. Ela citou o genocídio de 8,3 mil indígenas assassinados ao longo da ditadura e o genocídio Yanomami denunciado este ano, em áreas de garimpo no Norte do País.
A violência contra negros foi comparada à morte, por exemplo, da mãe de santo Bernadete, assassinada no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. A deputada também ressaltou a violência contra mulheres, citando como exemplo o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, em 2018.
Maria Emília da Silva, coordenadora do Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, considerou que ainda há muita arbitrariedade no Brasil, herdada do período militar.
Ela também comparou a morte da religiosa e de seu filho Binho do Quilombo, em 2017, com os assassinatos de Zuzu Angel e do seu filho Stuart Edgart Angel, vítimas da ditadura. “Não podemos esquecer o que foram esses tempos duros, que nos trazem reflexos até hoje”, ressaltou.
Críticas ao governo de Jair Bolsonaro também foram unânimes entre os participantes. Heloisa Greco, a Bizoca, do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, o ex-preso da ditadura Gildásio Westin Cosenza, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Conedh), criticaram a homenagem do ex-presidente ao coronel Brilhante Ustra, um dos torturadores da ditadura, durante a votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016. “Ele devia ter saído preso”, afirma Gildásio
No entendimento do deputado Betão (PT), o afastamento de Dilma e a tentativa de golpe em 8 de janeiro deste ano reforçam a constante tentativa da burguesia em retirar direitos do trabalhador. Segundo ele, o estado americano aliado a empresários conservadores brasileiros foram responsáveis por golpes em 1964, 2016 e pela eleição de Bolsonaro.
Democracia em construção
A necessidade de manter a vigilância e a luta pela democracia também foi um tema recorrente na reunião. “Não podemos subestimar que a extrema-direita manipulou a consciência de milhões de pessoas”, sugeriu o ex-deputado constituinte Aldo Silva Arantes, coordenador Nacional da Associação Nacional de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania, ao condenar a onda de negacionismo da ciência, o aumento de notícias falsas e de ideias extremistas.
O presidente do partido Unidade Popular (UP), Léo Péricles, apresentou algumas sugestões para o fortalecimento da democracia. Uma delas seria a reinstalação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei 9.140, de 1995, e extinta por Bolsonaro.
Ele também propôs uma reinterpretação da Lei da Anistia para punir os responsáveis pelos abusos de 1964 e reconhecer o genocídio praticado no período, além da criação de um órgão de Estado para implementar as recomendações da Comissão da Verdade, que apurou os crimes daquela época.
Léo Péricles também defendeu a desmilitarização das polícias, que, segundo ele, ainda trabalham sob a concepção fascista instalada no período ditatorial.
O procurador da República Ângelo Giargini e o chefe da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, relataram algumas ações que têm sido feitas em busca dessas punições e de reforço à democracia no País.
O representante do Ministério Público Federal citou, entre as ações, três investigações sobre a colaboração das empresas Fiat, Mannesmann e Belgo Mineira com o regime militar.
Nilmário Miranda exaltou o trabalho da Polícia Federal, que tem coordenado inquéritos para apuração de responsáveis pela tentativa de golpe este ano. Ele também elogiou atuações da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério Púbico na nova gestão do governo federal. “A gente vai implantando uma nova lógica”, garantiu.