Construção coletiva do Estatuto da Igualdade Racial é celebrada em Fabriciano
Participantes destacam a importância da presença de aspectos regionais no documento e da vigilância pela sua efetivação.
08/07/2024 - 17:24Uma construção coletiva, regionalizada e implementada, permitindo, de fato, a justiça racial e a reparação por todos os direitos historicamente negados ao povo negro. Esse é o ideal de Estatuto da Igualdade Racial defendido pelos participantes do seminário sobre o tema, realizado nesta segunda-feira (8/7/24), em Coronel Fabriciano, abrangendo os Vales do Aço e do Rio Doce.
Esse foi o sexto encontro regional do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e entidades parceiras para aprimorar o Projeto de Lei (PL) 817/23, em tramitação na Casa. Mais um encontro ainda está previsto no próximo dia 12, em Araçuaí, dedicado aos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Cidadãos também podem opinar sobre o assunto por meio de consulta pública no Portal da ALMG, até 12 de julho. O projeto tem como autoras as deputadas negras Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT), Leninha (PT) e Macaé Evaristo (PT). A etapa final do evento será realizada em Belo Horizonte, entre os dias 19 e 21 de agosto.
Na abertura do seminário em Coronel Fabriciano, Edna Imaculada de Oliveira, presidenta do Coletivo Roda das Pretas, salientou a oportunidade de se fazer ouvir.
Ela reforçou, porém, a necessidade de vigilância para que a futura lei seja implementada. “A liberdade é uma luta constante”, enfatizou, citando poema da escritora negra Conceição Evaristo.
“Não basta a lei, mas, sem ela, fica tudo mais difícil e sem parâmetro”, acrescentou o reitor da Unileste, Genésio Zeferino da Silva. Nesse sentido, segundo ele, é importante a movimentação da sociedade na discussão do estatuto, de forma a torná-lo, de fato, representativo.
A deputada Andréia de Jesus (PT) ressaltou a importância do deslocamento da ALMG até as regiões do Estado, de forma a garantir aspectos regionais no Estatuto. “O desafio de se chegar até aqui pelas estradas mineiras é o mesmo que vocês enfrentariam para ir à sede da Assembleia”, comparou.
Norma estadual pode favorecer a adesão de municípios
O diretor de Políticas para Igualdade Racial e Povos Tradicionais da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), Cléver Alves Machado, salientou que apenas 32 municípios mineiros aderiram ao Estatuto Nacional da Igualdade Racial, de 2010. “Um estatuto estadual pode trazer mais municípios para o sistema”, avaliou.
A Sedese, segundo ele, já elaborou nota técnica favorável ao projeto de lei, com algumas contribuições para seu conteúdo.
A delegada regional da Polícia Civil de Ipatinga, Talita Martins Soares, lembrou a obrigação de toda a sociedade em buscar a justiça racial, uma vez que os cargos políticos e de poder, em geral, não estão nas mãos dos povos negros e indígenas. Ela enfatizou a necessidade de se combater o bullying racial nas escolas.
A deputada Macaé Evaristo reforçou essa necessidade de diálogo para se garantir a justiça racial e destacou a presença da Polícia Civil em todos os encontros regionais. “Não nos vemos como sujeitos de direito à segurança pública. Ainda hoje vemos a polícia como instrumento para nos criminalizar e precisamos discutir isso”, pontuou.
O presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), enviou mensagem aos participantes na qual salientou que o seminário é um capítulo importante na luta dos povos negros e indígenas e mais um passo para a justiça e a igualdade. O evento, segundo ele, busca ampliar a capacidade do poder público para agir na superação dessa desigualdade social.
A deputada Leninha, 1ª vice-presidenta da ALMG, enviou mensagem e reforçou a importância de se percorrer Minas Gerais para escutar as demandas da sociedade e construir de forma coletiva o Estatuto da Igualdade Racial.
Palestrante destaca necessidade de avanços em Minas
Ao contextualizar o tema do seminário, Carmelindo Rodrigues da Silva, professor aposentado da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) e doutor em Educação, considerou que são necessários avanços em Minas Gerais na reparação aos negros.
Para ele, vigora a política do “deixa como está para ver como fica”. Nesse sentido, Carmelindo saudou a realização do seminário como um “momento singular” no Estado.
Na visão do professor, quando a Constituição não é suficiente para assegurar direitos – como aqueles previstos no artigo 5º da Carta federal –, são necessárias políticas afirmativas. Esse seria o caso dos afrodescendentes.
Carmelindo fez um retrospecto do racismo estrutural, que justificou o tráfico de negros e a escravidão como processo de salvamento da alma dos africanos e, ainda hoje, persiste na sociedade, em todas as áreas. “Há sempre quem procure frear os avanços sociais”, pontuou.
O professor citou pesquisa que aponta, nas 500 maiores empresas do Brasil, a presença de homens negros em apenas 4,7% nos cargos de chefia e de mulheres em apenas 0,6%.
À tarde, os participantes se dividiram em grupos para debater propostas nos seguintes temas: direito à vida digna, acesso ao meio ambiente saudável, ao trabalho, à justiça e à segurança; combate ao racismo, ações afirmativas e diversidade religiosa; e financiamento de políticas públicas, representatividade e participação social.
Eles avaliaram as propostas constantes no documento de referência do seminário, apresentaram novas sugestões e elegeram representantes para a etapa final do seminário. Uma das novas propostas, por exemplo, busca garantir o direito aos rituais fúnebres de origem africana nos corpos de integrantes de terreiros, seja em hospitais, funerárias ou necrotérios. Outra tenta garantir educação financeira nas comunidades negras.
O encontro em Coronel Fabriciano foi aberto com atrações da cultura popular tradicionalmente ligadas ao movimento negro: a marujada de São José de Cocais, um povoado rural de Coronel Fabriciano, e o Grupo Cultural e Carnavalesco Afoxé, de Timóteo.