Movimentos sociais exigem conclusão do Memorial no DOPS e fim do cerco da PM ao local
Seus representantes defendem, ainda, maior participação social na elaboração e execução de projeto do Memorial.
10/04/2025 - 19:45 - Atualizado em 11/04/2025 - 09:58Representantes de movimentos sociais, da UFMG e autoridades defenderam a instalação do Memorial dos Direitos Humanos no prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops-MG). O local, na Avenida Afonso Pena, Centro de Belo Horizonte, está ocupado, desde o dia 31 de março, por movimentos que pressionam pela conclusão do projeto.
A ocupação motivou audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quinta-feira (10/4/25).
As deputadas Bella Gonçalves (PSOL) e Andréia de Jesus (PT), presidenta e vice da comissão, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) e o deputado Betão (PT) estiveram no DOPS em uma visita técnica recentemente. Após ouvirem vários relatos e protestos no local, os parlamentares decidiram convocar juntos a audiência.
Renato Campos Amaral, coordenador nacional do Movimento Luta de Classe e membro do Partido Comunista Revolucionário (PCR), é um dos ocupantes do espaço que virá a ser o Memorial. Ele relatou que, no primeiro dia da ocupação, acharam muita sujeira, ratos e morcegos no prédio e puderam imaginar o que sentiram os presos políticos nesse local, sempre “escuro, frio e úmido”.
Ao se depararem com o abandono, o líder partidário e outros ativistas fizeram a limpeza e começaram a organizar o local, de modo que pudesse ser visitado. “Nomeamos salas e celas com nomes de presos políticos que foram torturados lá”, relatou. Outro sinal de abandono, segundo Renato Amaral, foram três automóveis novos, com pneus vazios, encontrados no pátio.
Renato Campos reivindicou a conclusão rápida das obras, a participação da sociedade civil na gestão do Memorial e o fim do cerco policial ao prédio do DOPS.
Oraldo Soares Paiva, coordenador da Comissão da Verdade dos Trabalhadores de Minas Gerais (Covet) criticou o fato de a justiça de transição não ter se efetivado no Brasil. “Os torturadores estão aí, os generais já faleceram, mas suas famílias continuam amparadas pelo Estado”, condenou.
Everson de Alcântara Tardeli, representante da sociedade civil no Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh/MG), lembrou das várias atividades realizadas até 2023 pelo órgão no DOPS, como atos, reuniões e visitas guiadas.
O conselheiro apoiou a ocupação do DOPS, considerando-a pacífica e ordeira: “Os movimentos já transformaram o espaço num memorial, que as pessoas podem entrar e visitar, sem risco nenhum”, declarou. Por fim, enfatizou que o conselho recebe atualmente muitas denúncias de torturas em presídios do estado: “Nossa luta não é só da memória, mas também de alerta com a realidade atual”.
Pesquisadores da UFMG apresentam projeto para o Memorial
Professores e pesquisadores da UFMG expuseram detalhes do projeto Memorial de Direitos Humanos de Minas Gerais, encomendo pelo Governo do Estado em 2020. Leticia Juliao, coordenadora institucional do projeto, citou que parte do trabalho foi buscar entrevistas coletadas pelas Comissões Nacional e Estadual da Verdade, com vítimas e familiares de vítimas da ditadura em Minas.
Também foi feita a primeira escavação em um centro de detenção no Brasil, em seis pontos do prédio do DOPS, com recolhimento de material significativo. Foi ainda desenvolvido o conceito museológico para o Memorial, com a definição de que ele seja um sítio histórico.
Ao final, Letícia Julião disse que o governo não tem a obrigação de implantar o projeto da UFMG, mas mesmo que outro venha a ser adotado, deve respeitar essas diretrizes: “Senão, estaremos apagando a memória desse passado violento”, concluiu.
Já Gabriela Machado, professora da UFMG e também integrante do projeto na área de arquitetura, informou que foram construídos vários percursos no prédio, que terão como guias nas visitas vítimas das torturas ali praticadas. Ela defendeu intervenções mínimas no edifício, para não apagar as marcas deixadas. Dentro de uma diretriz de abertura para a cidade, a universidade propôs a derrubada dos muros do DOPS e que o estacionamento seja transformado numa praça pública para debates da população.
Sedese diz que obras estruturais serão concluídas em 2026
A arquiteta da Subsecretaria de Política de Habitação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Marina Gabrielle Quintiliano, afirmou que a previsão é de que, em 2026, sejam concluídas obras estruturais, arquitetônicas e de acessibilidade do prédio, além da montagem de exposições. Ela assegurou que o projeto a ser executado é o apresentado pela UFMG.
Segundo a representante da Sedese, a retomada do projeto do Memorial ocorreu em 2019, com a criação do Grupo de Trabalho (GT) com a universidade. O estudo foi finalizado em 2021, quando foi aberta uma licitação para sua implantação. Nenhuma empresa se apresentou para participar da concorrência.
Marina Quintiliano informou que desde 2022 são feitos reparos estruturais nos sistemas hidráulicos e elétrico, que devem continuar ao longo deste ano. Até o momento, foram alocados pouco mais de R$ 872 mil nessas obras. “A Sedese entende o valor histórico do edifício”, disse.
Sobre a participação social, a arquiteta disse que serão realizados fóruns de diálogo com movimentos sociais e outras entidades. Quanto aos veículos abandonados, afirmou que são da Assistencia Social e não foram entregues para os municípios devido ao período eleitoral do ano passaado.
Ângelo Giardini de Oliveira, procurador adjunto do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, informou que foi aberto um procedimento para acompanhar a instalação do Memorial. Ele já se reuniu com representantes da ocupação, para ouvir suas demandas.
Também requisitou informações da Sedese sobre a atual situação do projeto e as orientações repassadas pelo Estado à PMMG. Giardini aguarda o posicionamento do governo para dar prosseguimento à ação do MP.
Criação de comitê
Ao final, a deputada Bella Gonçalves sugeriu como encaminhamento a realização de uma reunião na Sedese, com o objetivo de criar um comitê para acompanhar a execução do projeto do Memorial. Esse comitê seria formado por representantes da secretaria, dos movimentos sociais e dos Ministérios Públicos Federal e Estadual. A parlamentar reivindicou ainda o fim do cerco ao prédio do DOPS.
A deputada Beatriz Cerqueira afirmou que a audiência era o mínimo que se podia fazer para ajudar o País a cuidar da sua memória. Citada como parlamentar que dirigiu emendas para o projeto, ela disse que esses recursos, apesar de importantes, não substituem a política pública. “O governo Zema não tem o direito de escolher não investir nesse projeto; toda a conquista democrática do País, tudo que avançamos na Comissão da Verdade, são políticas de Estado, não de um governo”, concluiu.

Relatos de quem viveu histórias de horror
Dois personagens que passaram pelos porões do antigo Dops relataram a dolorosa experiência no principal aparelho de tortura e repressão de Belo Horizonte.
O superintendente Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais, Carlos Calazans, contou que foi preso por sete vezes, entre os anos de 1981 e 1988, totalizando oito meses de cárcere e maus tratos. Além de vítima, foi testemunha de torturas em líderes que lutavam pela retomada da democracia. “Nos colocavam em locais forrados de cortiça para abafar os gritos e barulhos da violência”, rememorou
Gildásio Cosenza, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta Pela Paz (Cebrapaz), passou duas vezes pelo Dops: entre dezembro de 1968 e janeiro de 1969; retornando em junho do mesmo ano. Ele conta que o departamento fazia parte do circuito da tortura da Capital Mineira. Outros locais também foram usados para o crime como 12 RI (Regimento de Infantaria), Colégio Militar, a Casa Amarela (próximo ao Palácio da Liberdade) e o presídio José Maria Alckimin, em Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Gildásio explica que o prédio foi usado para a opressão antes do regime militar e, mesmo com a retomada da democracia, continuou a servir para a prática.
A historiadora Débora Raísa Carolina, da UFMG, que mantém uma pesquisa sobre o processo de memorialização da tortura no Dops, disse que ali existem marcas físicas da repressão e da violência. Lembrou que, desde 1989, movimentos sociais clamavam para que o local fosse transformado num memorial.