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Comunidade quilombola enfrenta falta de água em Brumadinho

Situação teria se agravado devido ao avanço da mineração, que pode comprometer mananciais de abastecimento.

26/08/2024 - 19:34
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Se lavar a roupa, não dá para lavar a louça. Se lavar a louça, não dá para lavar roupa. Esta é a realidade dos moradores da comunidade quilombola de Sanhudo, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta segunda-feira (26/8/24), eles reclamaram de problemas no abastecimento de água, agravados pelo avanço da mineração.

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O Quilombo Família Sanhudo fica na comunidade rural de Tejuco, em Brumadinho. Há indícios de que a área é habitada há mais de 300 anos por escravizados que fugiram do cativeiro e seus descendentes. A região é vizinha da mina de Córrego do Feijão, da Vale, e de diversas outras mineradoras, cuja atuação estaria comprometendo nascentes e mananciais de água. 

Os problemas teriam se agravado desde que o abastecimento foi assumido pela Copasa, conforme prevê o Termo de Compromisso Água. Essa iniciativa conjunta do Governo do Estado, da Defensoria Pública e do Ministério Público integra o projeto Água e Sustentabilidade, que tem o objetivo de garantir a segurança hídrica da RMBH. Ela faz parte do conjunto de ações de reparação pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, ocorrido em 2019.

O problema é que a comunidade quilombola de Sanhudo não foi ouvida antes da assinatura do 6º aditivo do Termo de Compromisso Água. Para piorar a situação, surgiram diversos problemas no abastecimento de água da região desde que o serviço foi assumido pela Copasa.

O líder quilombola Evandro França de Paula denunciou que a Vale limita a quantidade de água disponível para a comunidade, uma vez que são constantes os cortes no fornecimento para as casas. Segundo ele, os reservatórios de água são vigiados pela empresa. Além disso, um reservatório que era tradicionalmente utilizado pelos quilombolas teria sido contaminado pela mineradora.

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Para o diretor da Associação Quilombola da Comunidade de Sanhudo, Marco Antônio Moreira Cardoso, o acordo firmado entre as instituições de justiça e a Vale beneficia a mineradora e prejudica a população local. 

Ele considera que o crescimento da atividade mineradora é uma ameaça para os povos e comunidades tradicionais. “Sabemos conservar a serra, os rios e as matas. Mas o avanço desenfreado da mineração prejudica o abastecimento de água, com as nascentes contaminadas e a redução da vazão de água”, afirmou.

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Para procurador, situação é desoladora

Para o procurador da República Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, a situação em Brumadinho é “absolutamente desoladora”. Ele visitou a comunidade quilombola de Sanhudo em maio de 2019 e pôde constatar as interrupções no fornecimento de água e os impactos ambientais da mineração na região. 

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Ele ainda completou que "o sistema de vigilância dos reservatórios de água é absolutamente chocante. Não existe mais o direito da comunidade continuar existindo de acordo com seu modo de vida tradicional”.

Tanto o procurador Edmundo Antônio Dias Netto Júnior quanto a defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch criticaram a assinatura do 6º aditivo do Termo de Compromisso Água sem a realização de consulta prévia, livre e informada à população diretamente atingida. No entendimento de ambos, a falta de participação popular nesse processo contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Segundo o procurador Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, no dia 16 de agosto, a Justiça Federal deferiu um pedido de tutela de urgência em ação civil pública ajuizada pelo Instituto Guaicuy, determinando a revisão dos atos administrativos praticados no âmbito do 6º aditivo do Termo de Compromisso Água. 

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Deputada vai cobrar melhorias no abastecimento de água

A deputada Bella Gonçalves (Psol), que solicitou a realização da audiência pública, considera que houve uma atuação deliberada da Vale para contaminar a água e estabelecer o controle sobre o território quilombola do Sanhudo.

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A parlamentar defendeu a revisão do 6º aditivo do Termo de Compromisso Água e a realização de consulta prévia, livre e informada às comunidades atingidas. Ela vai pedir melhorias no abastecimento emergencial da comunidade do Sanhudo e vai cobrar que não haja limitações na quantidade de água fornecida para a população. Os requerimentos com essas e outras providências serão aprovados na próxima reunião da Comissão de Direitos Humanos.

Comissão de Direitos Humanos - debate sobre diretrizes de salvaguarda do Quilombo Família Sanhudo, em Brumadinho
Cercado por mineradoras, Quilombo Família Sanhudo vive sem acesso à água limpa e a terras recuperadas TV Assembleia
Áudio
“A comunidade está ficando sem água. A gente não chora porque as lágrimas já secaram.”
Evandro França de Paula
Morador do Quilombo Família Sanhudo
“A água farta e abundante que existia ali não está mais disponível. A mineração assumiu o controle da vida da comunidade. O barulho do maquinário é incessante; as pessoas não têm mais direito ao sossego."
Edmundo Antônio Dias Netto Júnior
Procurador da República
“Este caso é emblemático e triste. A comunidade quilombola começou a ser cercada pelas mineradoras e, hoje, o que deveria ser uma reparação de danos às pessoas atingidas começa a servir de estratégia de controle territorial”.
Bella Gonçalves
Dep. Bella Gonçalves

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